Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de PEC que reestrutura o modelo de segurança pública e desmilitariza o modelo policial do País.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Defesa de PEC que reestrutura o modelo de segurança pública e desmilitariza o modelo policial do País.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2014 - Página 73
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, LINDBERGH FARIAS, SENADOR, OBJETO, REESTRUTURAÇÃO, MODELO, SEGURANÇA PUBLICA, PAIS, COMENTARIO, HOMICIDIO, ADOLESCENTE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTOR, POLICIAL.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo /PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, todos que nos ouvem e que nos assistem, pela Rádio e pela TV Senado, Srª Presidente, esta semana mais casos de violência.

            Ainda na semana passada, eu ocupei esta tribuna para reafirmar, de um ponto de vista, a necessidade de uma proposta de emenda Constitucional que tramita aqui, no Congresso Nacional, que tramita, em especial, aqui no Senado. Proposta de iniciativa do meu colega Senador Lindbergh Farias, proposta que foi elaborada a partir da ideia do sociólogo Luiz Eduardo Soares.

            Eu vim aqui, na semana passada, falar dessa proposta de emenda constitucional, a Proposta de Emenda Constitucional nº 51, a partir de uma realidade existente, a realidade das greves de policiais militares que ocorriam no País. As greves que estavam em curso nos Estados da Bahia, do Maranhão, do Pará e a que veio a não se concretizar no Estado do Rio Grande do Norte.

            Esta semana, nós nos comovemos por outro viés, o viés da violência policial, que mostra a necessidade de termos aprovado essa proposta. Todos nós nos comovemos com a ainda não explicada morte, o assassinato do DG.

            DG, como todos sabem, era dançarino, do inovador programa Esquenta, apresentado por Regina Casé, programa que passa todos os domingos na Rede Globo de Televisão.

            Chamo de inovador, Srª Presidente, pois é um programa de tevê que adotou uma nova estética, identificada com os mais pobres, identificada com a periferia, com a maioria da população brasileira.

            Mas não é só a estética do programa que é diferente. Os protagonistas do programa são diferentes. Os protagonistas do programa de Regina são da periferia brasileira. DG era um deles. Dançarino, alegre, trabalhador.

            A morte de DG é o retrato de que há um modelo de polícia que tem que ser desmontado. DG era um trabalhador. É óbvio que as investigações estão em curso, mas os indícios, os elementos, tudo indica que DG foi mais uma vítima da violência policial que vitima os mais pobres, notadamente os que moram nos morros e na periferia carioca.

            Como se não bastasse, protestando contra a cruel morte desse dançarino, um morador da mesma comunidade de DG, também jovem, Edilson da Silva dos Santos, na mesma circunstância, na mesma ocorrência, também foi morto com um tiro na cabeça.

            O caso ocorrido com DG sucede tantos outros casos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro e que tiveram enorme repercussão no País. É o mesmo caso que vitimou Cláudia Cardoso, Amarildo e outras inúmeras vítimas que não são de conhecimento nosso e que são resultados, vítimas anônimas desse cotidiano mau que assola o País.

            Isso, é óbvio, não é a regra de toda polícia, mas ocorre, principalmente, com maus policiais e quando se encontra polícia despreparada e quando se encontram maus governos, que não preparam bem os seus policiais. É o caso do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que não modifica a concepção e que não faz exercício nenhum para modificar a concepção do seu governo: a concepção de trato com a sua polícia, que tem um comportamento, por excelência, violento, que se destaca em uma corporação fechada, militarizada, doutrinária, autoritária.

            Esse tipo de atuação é pautado por agir contra a população, é pautado por agir dessa forma e por não ser punida. Vide sequenciais casos; vide os responsáveis pela morte de Cláudia ainda não terem sido punidos; vide o que ocorreu com os responsáveis pela morte de Amarildo; vide a ausência de apuração contra vários outros casos de pobres da periferia do Rio de Janeiro que ainda não foram punidos.

            Esse comportamento violento, autoritário, preconceituoso tem que ser banido, superado. Esse comportamento é escamoteado por um tipo de corporativismo herdado de uma doutrina militar preparada para a guerra, de uma doutrina militar herdada dos piores anos da nossa história, dos piores anos vindos dos piores momentos da história nacional, dos anos da ditadura. Nunca é demais lembrar.

            Esse modelo de polícia que existe foi criado logo depois do pior ato da nossa história, o Ato Institucional nº 5, de 13 de abril de 1968, criado para instituir o pior período da ditadura instaurada em 1964. Antes de 1968, não tínhamos esse modelo de polícia. Havia um modelo de polícia chamado Força Pública, que era quartelada e que não era doutrinada e militarizada desse tipo. Esse modelo de polícia anterior não era preparado para reprimir e atuar dessa forma. Esse modelo, essa forma de corporação foi criada e constituída após o AI-5; foi preparada para atuar dessa forma.

            Alguns governos estaduais - não são todos, mas são a maioria deles - concebem e acham que a polícia só pode agir e atuar dessa forma. É a mesma face da mesma moeda que acha que os policiais têm que agir assim contra o povo e contra os mais pobres, como agiram contra DG, como agiram contra Cláudia, como agiram contra Amarildo. É a mesma face da mesma moeda que acha que os policiais também não podem ter o direito sagrado de reivindicar melhorias de salários e melhores condições de trabalho; que agem com repressão ao seu direito de manifestação, como agiram contra as reivindicações e protestos que fizeram nos Estados do Pará, do Maranhão e nas reivindicações que têm feito.

            É por isso que é necessário conceber outro modelo de polícia. Ao contrário do que propagandeiam alguns, esse outro modelo não é pregar o desarmamento da polícia, não é pregar a retirada do equipamento da polícia; não é pregar o fim da polícia; é, na verdade, pregar e propor a humanização. Em vez da repressão brutal e burra, é propor a inteligência.

            Não queremos uma polícia brutal e burra. Queremos uma polícia inteligente e eficiente para atuar contra o verdadeiro crime organizado, que não está entre os mais pobres; está, na verdade, com os ricos, que têm corporações organizadas com tráficos organizados. Para isso, precisamos de uma polícia inteligente na atuação e não de corporações que têm atuação de repressão, sem coordenação, sem inteligência e atuando, muitas vezes, contra os mais pobres e contra a maioria do povo.

            Precisamos de uma polícia que tenha uma atuação integrada. Propomos a transformação da polícia em uma instituição civil. Só poderemos colocar em prática um combate coordenado da criminalidade através de ações de inteligência combinadas com ações de repressão inteligentes, quando nós mudarmos essa concepção de forma coordenada e com uma transição devida.

            O que falta a essa concepção de polícia brasileira, Srª Presidente, é inteligência, integração e humanização.

            São necessárias políticas de inteligência que desmobilizem as ações dos criminosos antes mesmo que as ações dos criminosos ocorram.

            Se as ações da polícia forem esses tipos de ações desastrosas que ocorrem nos morros cariocas, sempre vamos ter vítimas inocentes, como tivemos nessas últimas ações no Rio de Janeiro.

            É necessário haver ação de integração da polícia para repressão ao crime. Essas ações não podem ser ações isoladas de investigação.

            Por isso, Srª Presidente, a medida adequada e urgente é a Proposta de Emenda à Constituição nº 51, que tramita nesta Casa.

            Eu venho aqui pela enésima, milésima vez. Só a ausência de vontade política e a ausência de coragem justificam não ser pautada essa proposta de emenda à Constituição.

            É a ausência de coragem, mesmo, porque é mais fácil para o Governo continuar atuando com esse tipo de polícia, em especial por conta dos interesses que estão em jogo pela realização da Copa do Mundo. Porque esse tipo de polícia interessa, principalmente, para reprimir os protestos que vão ocorrer na Copa do Mundo. Porque esse tipo de polícia não é, principalmente, para atuar como está atuando.

            Na verdade, o que se pensa sobre os aparatos de segurança pública é que atuam de forma indesejável. Isso o que eu estou falando aqui os governos sabem, o Ministério da Justiça sabe. O que eu estou falando aqui não é novidade alguma. O Ministério da Justiça sabe disso que eu estou falando. Os aparatos de polícia conhecem isso que estou falando. Sabem que essa forma de atuação descoordenada é verdade e tem efeitos colaterais. Mas é melhor deixar atuando e haver efeitos colaterais como esse do que desarmar esse aparato repressivo e haver manifestações que desagradem aos interesses do Governo, em época de realização de uma Copa do Mundo de futebol.

            Na verdade, a manutenção desse aparato repressivo só atende um interesse: desmantelar manifestações que desagradem os interesses corporativos e os interesses dos lucros que vão ser ganhos na época de Copa do Mundo e, daqui a dois anos, quando vão ter as Olimpíadas, porque é para isso que vai ter Copa do Mundo e Olimpíadas. Não é para promover, não é! Acreditem no que eu estou falando. Copa do Mundo e Olimpíadas não é essa história de promover o Brasil no exterior, não! Essa Copa do Mundo e essas Olimpíadas são para os lucros incessantes das empresas internacionais que vão ganhar com Copa do Mundo e Olimpíadas. É, em especial, para isso. São esses os interesses da Copa do Mundo e Olimpíadas.

            O que falta à polícia brasileira, Srª Presidente, é mudança desta concepção. É necessário, na verdade, políticas de inteligência que remobilizem esta nova concepção para a polícia brasileira.

            Precisamos, urgentemente, encerrar essa etapa da história em que as forças da repressão, assim como no passado, elegem uma espécie de inimigo interno para combater, como se fez na época da ditadura. Na ditadura civil-militar de 1964, elegia-se um inimigo interno; hoje, elege-se o inimigo interno, que, neste caso, são os mais pobres, para serem combatidos pela força de repressão. São os pobres, moradores de periferia, em sua maioria, negros, jovens, os inimigos internos do aparato de repressão, do aparato de polícia, com nós, lamentavelmente, temos visto.

            Consta redigido trecho do documento "Mapa da Violência", divulgadao pelo próprio Governo Federal, por meio da Secretaria-Geral da Presidência, que ocorreram mais homicídios no Brasil, entre 2008 a 2011, do que nos 12 maiores conflitos armados do mundo, entre 2004 e 2007. Além disso, entre os 12 países mais populosos do mundo, o Brasil é onde mais ocorrem homicídios: 27,4 vezes mais do que a China, que tem população sete vezes inferior.

            O assassinado - também demonstra o documento oficial - é, na maioria das vezes, jovem. Enquanto 63,4% das mortes de jovem são causadas por causas violentas, apenas 6,8% dos óbitos de outros segmentos têm esse tipo de origem. Não é só isso, Srª Presidente. Os negros, em sua maioria, representam 71,4% desses assassinatos no Brasil.

            Está comprovado que esse tipo de repressão, está comprovado que esse tipo de atuação, que esse modelo de atuação fracassou no Brasil. É urgente e necessário nós constituirmos outro modelo de polícia para enfrentar o grave problema da violência no Brasil, pelas diferentes razões: seja pela razão da não valorização do policial, seja pela razão do não equipamento das polícias, seja pela evidente e clara razão do que tem ocorrido no Rio de Janeiro, com a vitimização de inocentes.

            É urgente e necessário que esta Casa dê uma demonstração de coragem e paute para ser votada a Proposta de Emenda à Constituição nº 51.

            Obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2014 - Página 73