Discurso durante a 60ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o julgamento do STF que absolveu S. Exª das acusações que levaram ao seu impeachment, em 1992.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT, JUDICIARIO.:
  • Comentários sobre o julgamento do STF que absolveu S. Exª das acusações que levaram ao seu impeachment, em 1992.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2014 - Página 112
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT, JUDICIARIO.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ABSOLVIÇÃO, JULGAMENTO, AÇÃO PENAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), OBJETO, ANALISE, DENUNCIA, CRIME, AUTORIA, ORADOR, RESULTADO, IMPEACHMENT, MANDATO ELETIVO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu agradeço a V. Exª, Sr. Presidente desta sessão, Senador Jorge Viana, a quem cumprimento e saúdo neste momento, bem como as S. Exªs, Srªs e Srs. Senadores.

            Sr. Presidente, o tempo é o senhor da razão, e a razão da Justiça é sempre a melhor e a mais forte.

            O julgamento da Ação Penal nº 465, pelo Supremo Tribunal Federal, no último dia 24 de abril, inspira-me a reproduzir também as primeiras palavras que proferi desta tribuna no ano em que assumi o mandato de Senador da República nesta Casa, mais precisamente em pronunciamento no dia 15 de março de 2007.

            Naquela oportunidade, rememorei os episódios que culminaram no processo de impeachment, que me obrigaram a padecer calado por 15 anos. Afirmei, então, que, se o sofrimento e as injustiças provocam dor e amargura, eles também podem nos trazer úteis e até proveitosas lições. Ambos nos ensinam a valorizar a grandeza dos justos e a justiça dos íntegros.

            Não é fácil volver os olhos ao passado e reviver em toda a sua extensão a tortura, a angústia e o sofrimento de quem é agredido meses a fio e teve de suportar as agruras de acusações infundadas e a condenação antes mesmo de qualquer julgamento.

            As provações da vida pública têm que ser suportadas com resignação e silêncio, especialmente quando provocadas pelas paixões e alimentadas pelo fragor das ruas, insufladas pela cegueira das emoções.

            Novamente, Sr. Presidente, como naquela época, devo dizer que, ao fazer este depoimento, cumpro menos um dever pessoal do que um imperativo de consciência. Não foram poucas as versões, mais variadas ainda as interpretações e não menos generalizadas as explicações.

            Confrangido algumas vezes, contrafeito outras, mas calado sempre, assisti, ouvi e suportei acusações, doestos e incriminações daqueles que, movidos pelo rancor, aceitaram o papel que lhes foi destinado na grande farsa que lhes coube protagonizar.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sete anos se passaram daquele pronunciamento que denominei Relato para a História. Modificou-se o cenário, renovaram-se os personagens, transformaram-se as expectativas e alternaram-se os meios. Contudo, inalteradas permaneceram a perseguição, a hostilidade, o encalço maldoso, também difamatório, com um raso e irrestrito intuito de, mais do que informar ou retratar, tentar, desesperadamente, formar uma opinião negativa e adversa em relação a mim, mas que, num efeito inverso, e sob a justiça divina e a lei dos homens, dilui-se a cada dia e mais rapidamente perante o descortinar da verdade.

            A revivescência de todos os crimes, delitos ou erros que foram indecorosa e injustamente a mim imputados pôde ser sentida no mais profundo âmago pessoal, mas, também, ser explorada por meus detratores por meses, semanas e dias que antecederam o meu último julgamento da nossa mais alta instância de Justiça.

            O resultado, nem sempre reproduzido pelos meios na mesma proporção das notícias precedentes ou com a mesma fidedignidade dos fatos - covardia, isto é, covardia -, veio não apenas me aliviar das angústias que tenho vivenciado nos últimos 23 anos, mas, igualmente, veio reescrever a história do Brasil na parte referente ao período em que exerci, com muito orgulho e honra, pelo voto direto de todos os brasileiros, a Presidência da República Federativa do Brasil.

            Em verdade, Sr. Presidente, esse novo julgamento, essa nova absolvição possui, em especial, o mérito e a virtude de passar a limpo o País, como disse, no que tange ao meu período à frente da Presidência da República, um período, diga-se, dos mais importantes de nossa República e do qual eu me orgulho profundamente, na medida em que consolidou o processo de redemocratização política por meio da primeira eleição direta para Presidente da República, após 21 anos de governo sob um estado de exceção.

            Um período, ainda, em que foram lançados os fundamentos macroeconômicos e estruturantes da administração, bem como promovidas a completa abertura comercial e a quebra de monopólios de mercado. Entre outros, foram componentes sem os quais seria impossível - seria impossível - alcançarmos a estabilização econômica no Brasil.

            E tanto foi assim que basta citar dois depoimentos de pessoas que sequer me apoiavam, dentre tantos outros que assim o fizeram. Um do economista Roberto Campos, que reconheceu ser o meu projeto de reconstrução nacional, o meu projeto de governo apresentado na agenda de 1990, como o mais completo plano de governo que o Brasil já teve.

            Outro depoimento foi o do jornalista Luís Nassif, que asseverou:

Julgamentos políticos não podem se restringir à meia análise das chamadas virtudes éticas comuns. Umas devem ser feitas em cima da própria ética do Estado, do compromisso de mudar realidade e construir nações. E nisso [diz ele] Collor foi imbatível.

            Por isso, vale evocar o pensamento de Benedetto Croce, quando disse que “Não basta dizer que a história é o juízo histórico, mas é preciso acrescentar que todo o juízo é [sim] juízo histórico, ou história, com certeza”.

            Em sintonia, as palavras de Cervantes completam a mensagem ao elucidarem que “A história é a mãe da verdade [a história é a mãe da verdade], êmula do tempo, depositária das ações, testemunha do passado, exemplo e anúncio do presente, advertência para o futuro”.

            A decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no último dia 24, quinta-feira, permitirá mais do que o resgate da justiça e da imagem de um homem público, a reflexão da sociedade em geral sobre a verdade dos fatos e, em particular, de uma geração de jovens, que tão somente ouviram inverdades ou estudaram em livros tendenciosos por versões falseadas.

            E para que não reste qualquer dúvida, é imperativo anunciar a unanimidade dos votos de S. Exªs os Ministros do Supremo Tribunal Federal, que, por oito votos a zero, absolveram-me de todas as últimas e últimas acusações a mim impostas.

            A despeito dessa esmagadora realidade do resultado, uma outra vitória aconteceu. Por cinco votos a três, os juízes de nossa Corte Superior entenderam pela absolvição, também no mérito, de outros dois crimes a mim imputados, mesmo em detrimento de sua prescrição. Não se trata de três votos contrários e, sim, fruto do debate em torno da absolvição, no mérito, ou da preliminar de prescrição daqueles crimes. Ou seja, mesmo nesse caso, a maioria julgou pela absolvição completa ou, em outras palavras, não houve, nos 16 votos proferidos nas duas votações quanto às preliminares e quanto ao mérito, nenhum voto pela minha condenação em relação aos três crimes de que me acusava o Ministério Público. E não poderia ser diferente.

            Ao fazer a sustentação oral, meu advogado, Dr. Rogério Marcolino, deixou claro que, em nenhum momento, a prescrição dos crimes fora objeto da defesa. Insistiu ele que era do meu desejo o julgamento integral do mérito de todas as acusações a mim impostas, sem qualquer subterfúgio prescricional ou de extinção de punibilidade. Foi este o julgamento: o resultado unânime da instância máxima de nossa Justiça. Da mesma forma, a defesa sequer alegou o consagrado princípio do direito penal que assegura que nenhum acusado, absolvido por sentença transitada em julgado, poderá ser submetido a novo processo e julgado duas vezes pelos mesmos fatos. Isso porque, Sr. Presidente, na Ação Penal 307, a inicial que originou a Ação 465, o Supremo Tribunal Federal já havia me absolvido de todas as acusações em 1994. Mas nem isso chegou a ser ventilado em minha defesa. O objetivo era o julgamento integral, visando à absolvição completa, revisada e ratificada pela mais Alta Corte de Justiça do País. Afinal, diante da minha certeza e convicção de inocência, a verdade, como dizia Brecht, avança e nada a deterá - a verdade avança e nada a deterá. É o caso exemplar do ditado vincit omnia veritas, ou seja, a verdade tudo vence.

            Contudo, Sr. Presidente Jorge Viana, Srªs e Srs. Senadores, diversas outras observações e constatações devem ser extraídas e, mais ainda, refletidas e acolhidas de mais esse histórico julgamento, a começar pelo parecer de S. Exª, Relatora da ação, Ministra Cármen Lúcia.

            Nas palavras do Ministro Luiz Roberto Barroso, o voto da relatora foi cuidadoso, meticuloso, brilhante e isento. Apenas essa peça, a do voto, consumiu mais de 50 páginas e sua conclusão foi enfática. O acusado, disse ela, deve ser ele absolvido. Em suas alegações finais, a relatora foi diretamente ao ponto ao qualificar que à denúncia o Ministério Público faltavam elementos de convicção. Disse ela também: inexistem provas e indícios, o que impossibilita a condenação pleiteada, e que contornos de conjecturas são insuficientes.

            Continua ela:

Num processo penal, tudo que oferece duas vertentes lógicas, absolvição ou condenação, não permite ao Magistrado concluir apenas em elucubrações em prejuízo do acusado. O interesse o Estado e seu dever é julgar e não condenar necessariamente; propiciar um julgamento justo para que se tenha justiça num caso concreto e não uma resposta [palavras dela] a um anseio de vingança, que, eventualmente, possa persistir.

            Ou seja, não vem de hoje.

Há de se observar [continua a relatora] os princípios de ampla defesa do contraditório, para, ao final, prover os elementos de modo adequado, segundo o Direito, no caso, a jurisdição, a absolvição ou a condenação haverão de ser em prova induvidosa na espécie, conclui ela.

            Mais adiante, Sr. Presidente - e isso merece atenção e registro -, ao final dos debates, a Ministra Cármen Lúcia fez questão de ressaltar:

Esse mesmo réu foi sujeito de 14 inquéritos neste Supremo Tribunal Federal, 8 petições criminais, 4 ações penais e mais duas dúzias de habeas corpus, e não foi condenado em nenhuma delas, por absoluta falta de provas.

            Em que pese o conselho de Sêneca de que devemos dizer a verdade apenas a quem esteja disposto a ouvi-la, não há como deixar de prolatar que esta fala da Ministra Cármen Lúcia é, em síntese, a verdade dos fatos. Esta é a justiça dos homens. Queiram ou não ouvi-la, é a justiça dos homens!

            Isso demonstra ainda, Sr. Presidente, que esta volúpia, esta sanha acusatória, era de tal ordem estapafúrdia, à época desses inquéritos a que me referi, reproduzindo as palavras de S. Exª a Ministra Cármen Lúcia, a esta época, a sanha acusatória era de tal ordem estapafúrdia que levou os meus denunciantes à insanidade de criarem uma verdadeira fábrica de acusações desprovidas de qualquer sentido ou materialidade, única e exclusivamente pelo afã de perseguição e má-fé.

            E aqui vale realçar que não adianta aos meios, ou a qualquer um que seja, tentar relevar ou mesmo subestimar a minha completa absolvição, alegando tão somente a motivação de falta de provas, ou seja, insinuando, nas entrelinhas, ou querendo apontar, de forma escamoteada e covarde, algum descrédito dos julgamentos. Ora, no Direito, em qualquer parte do mundo, o elemento essencial para se considerar uma pessoa inocente é exatamente a ausência de provas que o liguem diretamente ao fato da infração penal. O próprio Ministro Luiz Fux enfatizou que a absolvição por falta de prova não faz dela melhor, nem pior.

            Na realidade, é como profetizou o escritor Carlo Dossi: “Ao fogo da verdade, as objeções não passam de foles.”

            O mesmo ocorre quando se pretende minimizar o mérito de uma decisão judicial tomada com base na prescrição, no sentido de ser o resultado mais ou menos benéfico ao réu.

            Nesse ponto, oportunamente, destacou o Ministro Teori Zavascki, ao relembrar o ensinamento do ex-Ministro Francisco Rezek - e isso ele citou no decorrer do julgamento da última quinta-feira, dia 24 de abril -, colocado pelo Ministro Zavascki que asseverou:

Há de existir em nosso meio social uma suposição intuitiva evidentemente equívoca do ponto de vista técnico e jurídico de que, numa hipótese como essa, a punição, mesmo a prescrição punitiva do Estado, deixa sequelas. Por isso, justifica a pessoa, que um dia foi acusada, no interesse de ver levada adiante análise do processo na busca de absolvição deste exato título.

Sucede que não é isso que ocorre em nosso sistema jurídico. A pretensão punitiva do Estado, quando extinta pela prescrição, leva a um quadro idêntico àquele da anistia. Isso é mais do que absolvição. Corta-se pela raiz a acusação [continua ele], o Estado perde a sua pretensão punitiva, não tem como levá-la adiante,esvaziá-la de toda a sua consistência [finaliza].

            Soma-se a esse entendimento o fato de existir na prescrição a perversidade imposta ao acusado injustamente, pelo excesso de tempo decorrido entre acusação e o julgamento, que no caso deixa de existir.

            São anos, anos e anos de angústia e padecimento, pelos quais somente quem passa e vivencia está isento para uma real avaliação do mal causado, pois que, enquanto não absolvido, restará sempre ao denunciado a pecha de réu, de acusado, e a recorrente dúvida de todos em relação à sua honestidade e à sua inocência. Nada mais desumano, Sr. Presidente, para quem tem a consciência limpa e correta.

            Outro ponto relevante do julgamento foi o integral descarte por parte da relatora, acompanhada pelo Pleno, da hipótese de aplicação do domínio do fato, que há pouco tempo se tornou jurisprudência no Supremo Tribunal Federal. Como asseverou a relatoria, seria necessário haver provas do conhecimento do fato, para então, sim, materializar o suposto domínio.

            Se nem mesmo o fato ficou claramente comprovado, sequer poderia comprovar o conhecimento e, mesmo ainda, o domínio sobre ele. Que isto fique também pacificado e sacramentado na mente de cada um. Em contrapartida, não há como deixar de registrar o grave, gravíssimo, gravíssimo e tenebroso modus operandi do Procurador da República, que promoveu a denúncia, e, tristemente, o papel do Ministério Público, que acolheu a sua peça, quando a ofereceu ao Supremo Tribunal Federal.

            Refiro-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a um ponto específico e maldoso, reiteradamente observado pela relatora, a Ministra Cármen Lúcia. Avaliem, vejam, percebam a gravidade: trata-se da alteração dos depoimentos das supostas testemunhas, que, na verdade, eram corréus, na transcrição para os autos do processo, de modo a subverter os fatos e as versões para, obviamente, favorecer a acusação.

            Em uma passagem, vejam só a que ponto se chega de uma acusação improcedente.

(Soa a campainha.)

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - Obrigado, Sr. Presidente. Em uma passagem, vejam só a que ponto se chaga em uma acusação improcedente: a peça acusatória retirou a expressão “grupo de amigos”, no trecho em que determinado personagem dizia que foi procurado por um grupo de amigos do Presidente, referindo-se a mim, com a clara e má intenção - esse termo foi retirado - de dar a entender que teria havido um contrato direto entre aquele personagem e o Presidente da República.

            E mais: em outro depoimento, simplesmente a transcrição do Ministério Público omitiu a expressão “salvo engano” de uma frase que atribuía o julgamento de uma licitação a uma comissão específica. A retirada do termo inverteu tudo, tornando uma dúvida do depoente em uma certeza, o que favorecia a acusação.

            Ou seja, um elemento essencial para um juízo de avaliação foi sumariamente, de forma maldosa, excluído da peça principal dos autos. E eu pergunto: isso é ou não é má-fé, Srªs e Srs. Senadores?

            Em verdade, isso chega a caracterizar um crime. Crime. Crime de falsidade ideológica praticado pelo Ministério Público, ou, como se diz, um dolus vilatus, um dolo disfarçado, e a julgar por esse fato, ao final do processo e pelo seu resultado, o que resultou da Ação Penal 465 é que, se houve um crime, se houve um fato delituoso, se houve uma conduta ilícita, esses foram cometidos pelo próprio denunciante, o Ministério Público. É esse o exemplo que a Procuradoria-Geral da República quer dar àqueles que operam a Justiça brasileira?

            Não por outro motivo, venho salientando o papel desenfreado e atentatório que determinado grupo de procuradores da República vem exercendo e que só faz deslustrar a importância institucional do Ministério Público, principalmente como um dos pilares básicos do Estado democrático de direito.

            Não foi à toa que S. Exª, o Ministro Luiz Fux, utilizando-se, na minha opinião, até de um eufemismo, classificou a prova apresentada pela denúncia, ou seja, os depoimentos, como “transcrita de forma infiel”. Também não por acaso, a Relatora, Ministra Cármen Lúcia, diante de provas baseadas apenas em depoimentos adulterados e reportagem de revista, denominou a peça acusatória como não sendo “um primor de denúncia”, a tal ponto que o próprio Ministério Público, que inicialmente destacou - e isso é muito importante - um determinado personagem como peça fundamental do alegado esquema pela suposta proximidade com o Presidente da República, na sustentação oral, durante o julgamento, reconheceu que se tratava de um servidor de terceiro escalão,...

            (Soa a campainha.)

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL) - ...que nem sequer tinha contato pessoal comigo, ou seja, tratava-se, na verdade, de um corréu arrolado ilegalmente como testemunha, que tinha tão somente um papel , abro aspas, “mequetrefe”, fecho aspas, como descreveu o Ministro Luiz Fux.

            Em suma, não caberia outra adjetivação à denúncia que não fosse esta: uma peça que não preza pelo primor. E nem poderia ser diferente, Sr. Presidente Jorge Viana. Digo isso não pela incompetência jurídica da Procuradoria-Geral da República e da sua má-fé ao oferecer denúncias, mas, sim, pela realidade dos fatos, quais sejam, a fraqueza da argumentação e a ausência de provas concretas e cabais de minha participação, de meu dolo ou culpa naquela vã tentativa de, mais uma vez, incriminar-me por atos que não cometi e por fatos que não conheci.

            Aqui importa ressaltar também que, em nenhum meio, verifiquei a descrição real do que foi o julgamento, notadamente quanto a esses lamentáveis aspectos a que me referi, como a adulteração criminosa por parte do Ministério Público na transcrição dos depoimentos das pessoas envolvidas e arroladas no processo. Não li isso em nenhum lugar.

            Da mesma forma, também não li nem constatei nos meios a fidedignidade das informações cruciais no que tange aos verdadeiros motivos da minha completa absolvição, por unanimidade, pela mais alta instância jurídica do País, mais uma vez, 20 anos depois, e, diga-se, pela segunda vez em processo análogo.

            Como sempre, o que prevaleceu nos principais meios foi a má vontade com a notícia do conteúdo e a costumeira - a costumeira, que nós já conhecemos - malevolência com os reais acontecimentos.

            Como disse antes, não há que se esperar a verdade daqueles que não querem ouvi-la. A esmagadora maioria dos meios, com a conivência desastrosa de setores do Ministério Público, continua, como disse a Ministra relatora, imbuídos de um anseio de vingança - anseio de vingança, palavras da Ministra relatora.

            Ademais, faz parte desse circo a mania de desqualificar decisões, de omitir fatos, de subjugar inteligência, para atenuar verdades contra as quais eles sempre se mostraram avessos e pelos quais relutam para inadmiti-las, a ponto de persistirem publicando inverdades.

            Não por coincidência, os meios tentaram, maldosamente, uma semana antes de meu julgamento, vincular-me a um esquema criminoso, cuja investigação está em curso pela Polícia Federal.

            Esse folhetim que é publicado semanalmente e que se costuma chamar de Veja - sempre ela - continua tentando ludibriar a população ao me acusar de receber suposto valor proveniente de suposto esquema de crimes que eles nem sequer conseguem identificar. Como sempre, o autor da matéria é o mesmo, que, saltitando como a borboleta do pastoril, de revista em revista, tem como sentido pretensiosamente profissional tão somente tentar me criar mossa. Não é a primeira vez que essa borboleta saltitante age dessa forma.

            Trata-se de um risco preliminar de jornalista digno das palavras de Otto Maria Carpeaux, de que “o jornalista é um homem que sabe [ou tenta, digo eu] explicar aos outros o que ele próprio não entende”. É exatamente quando deveria estar atento ao que versa o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, tão bem defendido pela Fenaj, a entidade máxima da categoria em nosso País. Está dito em seu art. 4º: “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos [...] [e] deve pautar seu trabalho pela precisa apuração [dos acontecimentos] e pela sua correta divulgação” - o que não aconteceu.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de se lamentar também a participação final no julgamento do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Sr. Joaquim Barbosa. Se, no Brasil, a Justiça como um todo padece de letargia, como ele próprio reconheceu ao final de meu julgamento, o Presidente da mais alta Corte judicial carece, Sr. Presidente, de liturgia.

            O Sr. Presidente da Suprema Corte do País tem uma carência de liturgia para o exercício de seu cargo. Mais grave do que se confundir ao declarar o resultado do julgamento, chegando a dizer que não havia como proclamá-lo e até dele desdenhar com descaso e falta de postura, foi a tentativa do Sr. Ministro Joaquim Barbosa em resumir, de forma desmerecedora e embaraçosa, todo o enredo da ação e do julgamento, deturpando completamente o parecer da Ministra relatora e reinterpretando desidiosa e deformadamente os fatos, o Presidente do Supremo, sob sua ótica, simplesmente afirma que, de tudo o que se apurou, restou apenas comprovar a relação direta, o elo dos crimes praticados por outros com a figura do Presidente da República, tudo baseado em - aspas - “mais do que indícios”, como ele mesmo asseverou.

            Ora, Sr. Presidente Jorge Viana, além de a relatora, Ministra Cármem Lúcia, e, antes, o Ministro Menezes Direito terem se debruçado sobre os autos por sete anos seguidos, esqueceu-se o Ministro Barbosa que todos os outros corréus que supostamente praticaram aqueles supostos crimes ou delitos foram, todos eles - todos eles -, sem exceção, inocentados pela Justiça comum, como bem lembrou tanto a relatora como a Vice-Procuradora-Geral da República, que representou o Ministério Público na denúncia. Por isso, vale aqui repetir as palavras da Ministra Cármem Lúcia. Disse ela em seu voto - coloco aspas -: “Os laudos grafotécnicos e contábeis não fazem referência ao réu e, sim, aos corréus, e que foram, inclusive, absolvidos na Justiça comum” - fecho aspas. São palavras da relatora, Ministra Cármem Lúcia.

            Em outro trecho, ela ressalta:

Causou-me estranheza a circunstância de que cada testemunha tenha apresentado versões diferentes ou versões diversas dos fatos narrados na peça acusatória. Em nenhuma imputa ao réu as condutas cominatórias previstas e ainda a denúncia é juridicamente confusa e são questionáveis as alegações do Ministério Público.

            Relatou a Ministra.

            Assim sendo, afinal, a que crimes se refere o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal? De que provas fala ele? De que provas fala o senhor, Sr. Ministro Joaquim Barbosa? Que ordens ou determinações esperava encontrar o Sr. Ministro Joaquim Barbosa? Se todos os acusados foram absolvidos, inocentados por falta de provas, a que fatos o Ministro Joaquim Barbosa alega?

            Sinceramente, não é esta a conduta, a razoabilidade, o estoicismo que se espera de um chefe de poder da República.

            Querer, ao fim de um julgamento em que ele mesmo votou pela absolvição do acusado, reescrever todo um processo pelas palavras que lhe são mais convenientes, e ainda com a suposta convicção errônea, que somente a ele pertence, não é crível nem prudente a um presidente do Supremo Tribunal Federal, ainda mais se nada do que disse reflete a verdade do juízo.

            Portanto, o que nos resta agora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é refletir.

            Em que pese ter sido talvez o homem público mais investigado da história política deste País, estou absolvido de todas, absolutamente todas as acusações. Estou inocentado de todas as delações. Repito: estou inocentado de todas as delações. A ninguém é mais dado o direito, salvo por reiterada má-fé, de dizer o contrário ou sequer fazer meras ilações.

            Todavia e ademais, depois de mais de duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas, cabe agora perguntar: quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? Quem? Quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? A começar pelo meu mandato presidencial e o compromisso público que assumi; a tranquilidade perdida por anos a fio, assim como a retratação proporcional que todo ser humano merece ao ser prejulgado sem julgamento, injustiçado sem culpa, vitimado sem dolo, e responsabilizado por atos e fatos inventados e versões forjadas. Quem pagará pela difamação insana, pelo intuito desenfreado, pela humilhação provocada, pelas provações impostas ou mesmo pelas palavras intolerantemente pronunciadas, e, mais ainda, inoportunamente escritas?

            Terei eu de conviver com resignação pela dúvida se caberá tão somente ao meu destino responder a tudo isso? Ou terei a certeza das devidas reparações, além daquelas amealhadas pela Justiça brasileira?

            Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este último e derradeiro julgamento a que fui submetido pelo Supremo Tribunal Federal, vale dizer me absolvendo mais de 50 vezes - repito, mais de 50 vezes -, é um ponto final para quem ainda duvidava de minha inocência. Mesmo para aqueles que, por ignorância, maldade ou inconformismo, entendem que a justiça só se faz se houver condenação. Há pessoas que pensam desta forma: que só há justiça quando há condenação - mesmo que a condenação se dê em alguma delegacia perdida nos subúrbios de Nova York. Mesmo para aqueles que, por ignorância, maldade ou inconformismo, entendem que a justiça só se faz, repito, se houver condenação. Será que persistirão nesta rasa interpretação?

            Aos meus contumazes detratores, aqueles que insistem em não se renderem à verdade ou à justiça, aos meus adversários políticos de hoje e denunciadores, enfim, a todos os que, por vingança ou inconformismo, ainda persistem em me acusar, fica a minha resposta, a minha resposta associada a um sofrimento de 23 anos carregando penosamente esta cruz, a cruz da dúvida. Fica esta resposta invocada no ensinamento de Schoppenhauer:

Em geral, a iniquidade, a injustiça extrema, a dureza, a própria crueldade, estas são as principais características da conduta dos homens, uns em relação aos outros. O contrário não passa de rara exceção. É sobre isso e não sobre vossos Contos da Carochinha que repousa a necessidade do Estado e da legislação.

            Dito isso, Sr. Presidente, Jorge Viana - e agradecendo a V. Exª mais uma vez pela condescendência na concessão do tempo para que eu pudesse aqui me dirigir ao Brasil, a V. Exª e às Srªs e aos e Srs. Senadores -, eu agradeço a todos pelo tempo que me ouviram e digo o meu muito obrigado pela paciência e, especialmente, como disse, à Presidência desta sessão, ao Presidente Jorge Viana.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2014 - Página 112