Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Carlos Lacerda pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Carlos Lacerda pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2014 - Página 27
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, CARLOS LACERDA, JORNALISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INFLUENCIA, POLITICA, BRASIL.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eminente Senador Jorge Viana, nosso Presidente, Sr. Senador Acir Gurgacz, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores que nos prestigiam neste plenário, conheci Carlos Lacerda em 1953. Eu, estudante no Rio de Janeiro; ele, jornalista fogoso e Diretor da Tribuna da Imprensa - excitando a oposição a Getúlio Vargas, então presidente da República.

            Naquela época, o governo era povoado por polêmicas, algumas que se tornaram escândalos de repercussão nacional, como o financiamento do jornal Última Hora; empréstimos irregulares e lesivos ao Banco do Brasil; a criação da Petrobras, que só foi possível porque as oposições conseguiram que o relator fosse o Deputado Gabriel Passos, da UDN de Minas Gerais, que conciliou os interesses ideológicos conflitantes.

            Logo depois, veio 1954, com o episódio da Rua Tonelero e a morte do Major Rubens Vaz. Todos esses fatos tiveram a atuação marcante de Carlos Lacerda. Na Câmara, destacava-se por ser um parlamentar brilhante, culto, cáustico nas críticas aos seus adversários; carbonário, quando se tratava de malfeitos do governo; e considerado um dos maiores tribunos do Parlamento brasileiro àquela época.

            Quando Lacerda subia à tribuna da Câmara, os Parlamentares silenciavam, para ouvi-lo, aplaudi-lo ou refutá-lo. Eu ia sempre assistir às sessões da Câmara dos Deputados e, jovem ainda, empolgava-me com as orações de Lacerda. Recordo-me, ainda, que alguns Parlamentares - como o baiano Vieira de Melo e o amazonense Almino Affonso, também fogosos oradores - digladiavam com Lacerda, com arroubos oratórios e chistes provocativos de lado a lado. Parecia-me, Srªs e Srs. Senadores, uma batalha entre encouraçados.

            Eu tive com outros universitários a oportunidade de manter rápidos encontros com Carlos Lacerda, tanto na Câmara dos Deputados quanto na redação do jornal Tribuna da Imprensa, que frequentávamos. Lembro-me de lá, sempre presentes Raul Branini e Aloísio Alves, que depois foi governador do Rio Grande do Norte e pai do eminente Presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado Henrique Alves. Nessas oportunidades, eles e Lacerda falavam conosco, estimulando-nos a participar da vida pública.

            Carlos Lacerda era de uma inteligência que se exprimia como um raio. Empolgava a todos e fez uma legião de fãs que admiravam suas atitudes tempestuosas, marcadas pelo verbo impiedoso com que fustigava os seus adversários.

            Ele despertou o ódio e a admiração de milhões de brasileiros, entre as décadas de 40 e 70 do século passado. Os adversários o chamavam de direitista, fascista. Ele foi, inicialmente, comunista, depois, anticomunista e virou líder da direita. Mas não se pode classificá-lo de fascista ou reacionário. Distanciava-se do centro nos seus tempos de jornalista e nos dois mandatos de deputado federal que exerceu. Mas pode-se dizer que atuou mais ao centro em algumas ocasiões, enquanto governador do Estado da Guanabara.

            Lacerda demonstrou que, no curso do tempo, apesar dos percalços ideológicos (direita/esquerda) - pois participou do movimento golpista pela esquerda em 1935, como também, mais tarde, abjurando o comunismo, com teses que poderiam ser entendidas como golpista de direita, tanto contra Getúlio, em 1945 e 1950; contra JK, em 1955; Jânio, em 1961; Jango, em 1964, considerado assim um "demolidor de presidentes".

            Mas Carlos Lacerda provou armas diferentes. O que ele desejava, realmente, era o estabelecimento de uma ordem democrática estável. Foi quando, surpreendentemente, procurou JK, na Europa, e Jango, no Uruguai, para organizarem a Frente Ampla, movimento para restabelecer a democracia no Brasil e que teve vida efêmera, por ação discricionária do regime militar.

            Para mim, Sr. Presidente, há homens que estão fazendo falta neste País: uns pelo fulgor das suas palavras destemidas, sem papas na língua, como Lacerda; outros com espírito aberto, dando estímulo ao otimismo, à conciliação, ao empreendedorismo, como Juscelino Kubitschek; outros com posições firmes, não temendo a força das armas, utilizando-se apenas da sua coragem estamentada por uma oratória que calava profundamente na consciência dos seus concidadãos, como foi o nosso saudoso Ulysses Guimarães. Fazem eles falta ao Brasil hodierno.

             Saudar, pois, a memória de Carlos Frederico Werneck de Lacerda, nascido no Rio de Janeiro a 30 de abril de 1914 e falecido no dia 21 de maio de 1977, aos 63 anos de idade, que, se vivo, completaria, nesta data, 30 de abril, 100 anos, é saudar a memória de todos aqueles que tombaram no campo democrático, para que hoje se pudesse dizer ufano: o Brasil é um País voltado para o futuro, com expectativas de ser exemplo para o mundo.

            Carlos Lacerda procurou o poder, não se serviu dele; lutou, sim, a seu modo, destemido pela sua coragem pessoal e verbo vulcânico; injusto com alguns, mas jamais sabujo de muitos que utilizavam o poder. Como afirmara - abre aspas -: “O poder não é um cargo de sacrifício. Ao contrário, é uma fonte maravilhosa de alegria” - fecha aspas.

            Ainda é dele, Carlos Lacerda:

Ser governo é uma forma quase de escravidão, pelo menos de servidão, isto é, não ter hora, não ter direito nem a ter a honra pessoal; é não ter o direito ao amor próprio; é não ter tempo de cuidar dos filhos. (...) Eu tenho nojo da pessoa que diz que está fazendo um sacrifício: ou é um mentiroso, ou é um impostor que não sabe o que está fazendo lá.

            Extraio, Sr. Presidente, do cientista político Melchiades Cunha Júnior:

Lacerda nunca deixou de usar o vigor de seu verbo para posicionar-se diante dos fatos. Claramente anticomunista, Lacerda justificava seus posicionamentos da seguinte forma: “Os acontecimentos mudam, as coisas mudam de aspecto, e só realmente uma pessoa obstinada ou vaidosa é que não reconhece quando as coisas mudam.

O que peço a Deus é que me conserve exatamente essa capacidade de parecer incoerente, quer dizer, de elogiar o sujeito quando o sujeito me parece que está fazendo a coisa certa e, amanhã...

            (Soa a campainha.)

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) -

...espinafrá-lo quando ele me parece que está fazendo a coisa errada. Agora, se você juntar as duas coisas, você é que parece incoerente.

            Fecha aspas.

            Sr. Presidente, já estou concluindo o meu pronunciamento. Peço mais alguns minutos.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - E a Mesa será tolerante com o tempo que V. Exª necessitar.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Muito grato a V. Exª.

            E prossigo.

            Carlos Lacerda foi quase visionário ao se recusar a participar da conspiração para tirar João Goulart do governo, argumentando que a derrubada do Presidente propiciaria a instalação de um regime militar com duração indefinida. E, de fato, o maior sonho dele, chegar à Presidência da República, não se concretizou, interrompido pelo Ato Institucional nº 5, baixado pelo Presidente militar Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968.

            Sr. Presidente, eminente Senador Jorge Viana, eminentes Senadores aqui presentes, decidi fazer essa homenagem a Carlos Lacerda no Plenário do Senado após ler a excelente reportagem de Melchiades Cunha Júnior no Estado de S.Paulo, no último domingo, intitulada “O charmeur espinafrador”, termo inspirado em trecho de carta de Carlos Drummond de Andrade, em 25 de dezembro de 1975, transcrito na matéria na qual o escritor diz - abre aspas:

Ninguém é indiferente ao charmeur irresistível que você é; e mesmo os que dizem detestá-lo no fundo gostam de você. Gostam pelo avesso, mas gostam.

            Fecha aspas.

            Dizia Carlos Drummond de Andrade.

            É isso. Era impossível ser indiferente a Carlos Lacerda.

(Soa a campainha.)

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - E, hoje, passados tantos anos, com visão mais ampliada dos fatos históricos, concordo, sem nenhuma dúvida, com os que dizem que Lacerda foi um dos personagens civis que mais influenciaram os rumos da história brasileira entre 1945 e 1968. E mesmo após os anos turvos nos quais teve sua voz entrecortada pela mordaça da tirania.

            Concluo, Sr. Presidente.

            Fui admirador de Lacerda. Algumas vezes, ainda na mocidade, dele divergi; já encanecido nas lutas, cheguei a condenar suas atitudes.

            Hoje, percebo com clareza, concordando com o cientista político Melchíades Cunha Júnior, que Lacerda "se inscreveria, ainda que não sem controvérsia...

(Interrupção do som.)

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - ...como tudo nele, no panteão dos brasileiros (Fora do microfone) que, sendo os mais capacitados de sua época, não chegaram à Presidência da República: Rui Barbosa, Osvaldo Aranha, San Tiago Dantas”. E me permito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acrescentar Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.

            Resta a todos nós, brasileiros, cultuar as suas memórias.

            Essa, Sr. Presidente, é a homenagem que presto ao grande tribuno e grande brasileiro Carlos Lacerda. Hoje, aqui no Brasil, nós lamentamos a sua ausência e o homenageamos pelos 100 anos que teria se estivesse aqui, ao nosso lado, nos honrando.

            Era esse o meu pronunciamento, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2014 - Página 27