Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise de matérias jornalísticas que estariam desvirtuando a absolvição de S. Exª, no Supremo Tribunal Federal, quanto aos atos típicos que lhe eram imputados.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT.:
  • Análise de matérias jornalísticas que estariam desvirtuando a absolvição de S. Exª, no Supremo Tribunal Federal, quanto aos atos típicos que lhe eram imputados.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2014 - Página 392
Assunto
Outros > IMPRENSA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEACHMENT.
Indexação
  • ANALISE, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, ABSOLVIÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO, IMPEACHMENT, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, FERNANDO COLLOR, ATUALIDADE, SENADOR, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ENFASE, FALSIFICAÇÃO, FATO, IMPRENSA, NECESSIDADE, REVISÃO, HISTORIA.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu pronunciamento, eu vou pedir licença a V. Exª, Srª Presidente Ana Amélia, para saudar a presença entre nós do Senador Ney Maranhão, que tanto honrou as melhores tradições desta Casa quando no exercício do seu mandato de Senador pelo Estado de Pernambuco. O meu abraço a V. Exª.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nada muda mais do que o passado. Meu último pronunciamento nesta Casa, no dia 28 de abril, foi dedicado a uma reflexão pessoal do significado da decisão do Supremo Tribunal Federal, em 25 de abril deste ano, que me absolveu, definitivamente e por unanimidade, de todas as acusações a mim imputadas quando no exercício da Presidência da República.

            De lá para cá, além de agradecer os inúmeros apoios recebidos, inclusive de muitos de nossos pares daqui do Senado Federal, procurei tão somente observar e refletir profundamente sobre a repercussão da decisão judicial e, por consequência, do meu pronunciamento.

            Por isso, Srª Presidente, fiz questão de aguardar essas duas semanas, para, com serenidade de espírito e isenção analítica, melhor depurar e abalizar as diversas opiniões entre aqueles dois acontecimentos.

            De um modo geral, os meios se incomodaram nitidamente com a pergunta: Quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? O incômodo foi evidente, mas significa, principalmente, que houve reflexão, demonstrada pelas consequentes e imediatas tentativas de resposta, configurando quase que uma espécie de mea-culpa. Contudo, a possibilidade de ter que revisar a história que foi insuflada e escrita essencialmente pela mídia pareceu ser um tormento, uma derrota inaceitável, inadmissível e inassimilável para ela, a mídia.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes só se falava do impeachment como decisão por crimes de corrupção. Hoje, já se fala e, principalmente, reconhece-se que se tratou de um julgamento político, aliás, como vários analistas já vinham escrevendo e se manifestando há alguns anos. Ora, condenação política por fatos apurados que depois levaram a uma completa absolvição jurídica pode ser interpretada como um golpe, um golpe branco, uma contrafação ou um neogolpismo, na expressão de Juan Gabriel Tokatlian.

            Outra constatação é que o impeachment agora é abordado muito mais pelo lado da legitimidade. É um avanço, um passo para reconstruir e recontar a história, na medida em que parece haver uma concordância, ainda que de forma tácita, de que houve, como um todo, uma ilegalidade no processo de condenação no âmbito do Legislativo e uma legalidade no processo de absolvição no âmbito do Judiciário. Afinal, quando se recorre à legitimidade, via de regra se quer fazer um contraponto a eventual ilegalidade.

            No mais, os meios continuaram desvirtuando fatos, concluindo com base em premissas que não se sustentam e ludibriando a população com informações erradas, como, por exemplo, insistindo na tese da prescrição, que não ocorreu em nenhum caso, e da demora judicial como favorável ao réu, o que também não se verificou.

            Para melhor clarificar minhas indagações, Sr. Presidente Paulo Paim, vamos aos fatos concretos.

            Revista Veja, edição de 7 de maio de 2014. Títulos: “Reescrevendo a história” (Editorial, Carta ao Leitor, página 14), e “Retocando o passado” (página 68). De mais latente da matéria, ficou a confirmação e o reconhecimento de que o impeachment foi um julgamento político. Trata-se, sem dúvida, de um divisor de águas. A partir da decisão do STF, não há mais como dizer que o impeachment se deu meramente por corrupção, hipótese esta afastada de forma peremptória e definitiva, por duas vezes, pela mais alta instância da Justiça do País. A matéria diferencia bem os dois casos - julgamento político do julgamento jurídico -, mas desvirtua e omite o principal, qual seja, a integral relação e interdependência entre os dois julgamentos baseada na lógica intrínseca do seguinte raciocínio: se o julgamento político se deu em função de comprovações extraídas de uma CPI, e, neste caso, o julgamento jurídico atestou o erro daquelas mesmas comprovações, deduz-se que o julgamento político também foi improcedente.

            Primeiro, diz a Veja - e aqui abro aspas -:

“Collor (...) foi eleito pelo povo e cassado por seus representantes legais em votação aberta no Congresso Nacional, que, depois de uma CPI que desnudou a corrupção em seu governo, decidiu-se pelo seu ‘impeachment’ em 1992. [E diz mais, ainda com as aspas:] Collor (...) pega carona na absolvição pelo STF, que é jurídica, para tentar desqualificar o seu ‘impeachment’ pelo Congresso Nacional, que é uma decisão 100% política. Ou seja, ser inocentado no Supremo Tribunal Federal não significa que o Congresso errou ao destituí-lo do cargo.” [Fecho aspas.]

            E pergunto: Como não, Sr. Presidente? Comissão Parlamentar de Inquérito, como assevera a Constituição Federal, tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos Regimentos das respectivas Casas, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Isso está no art. 58, § 3º.

            É, portanto, a CPI um instrumento político, mas com poderes jurídicos, não só pelo o que diz a Constituição Federal, mas também os próprios Regimentos Internos do Senado e da Câmara.

            O Regimento Interno do Senado, no seu art. 153, diz: “Nos atos processuais da CPI, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal.”

            O Regimento Interno da Câmara diz, no seu art. 36, parágrafo único: “As Comissões Parlamentares de Inquérito valer-se-ão, subsidiariamente, das normas contidas no Código de Processo Penal.”

            Foi exatamente o que aconteceu: uma CPI com poderes de investigação próprios da Justiça, ou seja, investigação jurídica que enviou ao Ministério Público suas conclusões jurídicas e este, baseado nas conclusões jurídicas da CPI, promoveu a apuração e a denúncia à Justiça. Esta, a Justiça, com toda a materialidade jurídica advinda da CPI e do Ministério Público, decidiu, juridicamente, pela improcedência das acusações e pela absolvição, diga-se, de todos os réus da Ação Penal 465.

            Ora, se a fundamentação jurídica da CPI, e depois do Ministério Público, estava improcedente, como atestaram a Justiça comum e o Supremo Tribunal Federal, foi baseado em que o Congresso Nacional decidiu pela cassação do mandato presidencial? Ou, de outra forma, é o caso de alegar: se o Supremo Tribunal Federal tivesse decidido pela condenação, certamente diriam que a decisão política do Congresso estaria, então, juridicamente justificada. Por que, então, não dizem agora, com a absolvição, que a decisão do Congresso não teve amparo jurídico ou não se justificou juridicamente? Por que não dizem isso?

            Em suma, o que sobrou foi apenas a predisposição política do Congresso Nacional em destituir o Presidente da República por meio de uma decisão 100% política, como atesta a própria revista, aliás.

            Isso, sob a ótica e visto de hoje, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal e da própria conclusão da revista, é a conclusão óbvia de que o impeachment, na prática, configurou um golpe parlamentar, já que decidiu politicamente, baseado em elementos juridicamente inaceitáveis ou, em outras palavras, em suposições, em elucubrações, em conjecturas, em mentiras que foram, mais uma vez, agora demonstradas.

            Assim é como bem asseverou a revista ao lembrar a afirmação de Napoleão Bonaparte. Diz a revista, citando Napoleão Bonaparte: “A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.” Fecho aspas.

            Esta é a história do impeachment, que precisa ser “reescrita e retocada”, para utilizar expressões utilizadas pela revista, exatamente para mostrar que o próprio Napoleão também estava certo quando disse, também lembrado pela matéria da revista Veja: “Nada muda mais do que o passado.” Fecho aspas.

            Diante disso, pergunta-se: quem tem mais especialização jurídica, capacidade técnica e competência legal para julgar com base nos mesmos elementos de provas provenientes de uma investigação judicial? O Poder Legislativo ou o Poder Judiciário?

            Ainda de acordo com a revista: “Confundir as duas coisas - decisão política e decisão jurídica - é uma forma ilegítima de retocar a história”, diz a revista. E fecho aspas aqui.

            Então é o caso de dizer: não atrelar ou relacionar as duas coisas, principalmente em virtude da motivação comum de ambas, é que é uma forma ilegítima de contar a história. Isso, sim, são, para usar as palavras da revista - abro aspas -, “falsificações, deformações e, no limite, mentiras rudimentares”. Fecho aspas.

            2. Diz a Veja: “O dado comum entre as manifestações de Collor e Lula é o que se chama de revisionismo histórico. No meio acadêmico, é uma prática legítima que reexamina, à luz de fatos novos, documentos inéditos ou uma abordagem original. Na política, a revisão da história é, quase sempre, uma falsificação grosseira.” Revista Veja. Fecho aspas.

            E digo eu, Sr. Presidente: primeiro, o impeachment foi um fato da política, mas também histórico, passível, portanto, de revisionismo. O fato político - o impeachment - é imutável, nada vai mudá-lo, virou histórico, sem dúvida; o que se questiona é a sua motivação, já que a Justiça reconheceu agora - e pela segunda vez - a improcedência das acusações e a tonitruante insuficiência dos elementos de prova.

            Segundo, a própria matéria oferece as condicionantes para um reexame da história. Uma é o fato novo. A absolvição pelo Supremo Tribunal Federal dos supostos crimes que sustentaram e justificaram o impeachment é, sim, um fato novo.

            Ora, a absolvição pelo Supremo Tribunal Federal se deu por todos os crimes imputados, sendo, em 1994, pela Ação 307, por corrupção passiva, corrupção ativa de testemunha, coação no curso do processo, supressão de documento e falsidade ideológica, e, em 2014, na Ação Penal 465, por corrupção passiva, peculato e falsidade ideológica.

            Nada disso mais existe! Nada disso mais existe, nem supostamente, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Terceiro, como também oferece a própria revista, tudo isso, diante dos fatos novos, demanda sim uma “abordagem original”, ao menos das reais motivações que levaram àquele fato político. Diga-se, inclusive, que vários analistas já vêm promovendo esta nova abordagem, bem distinta daquela persistentemente reproduzida pelos meios.

            Quarto, se na política a revisão histórica, como diz a revista, é “quase sempre” uma falsificação grosseira, significa então que “nem sempre” o é. Por que este caso não pode ser, então, uma das exceções que a própria revista prevê? Por que não? Afinal, há fatos novos que demandam, sim, uma abordagem original, diferente, sem nenhuma falsificação.

            Continuando, diz a Veja: “Collor perdeu a confiança da nação por atos de abuso do poder. Não foram atos facilmente tipificados criminalmente, mas faltas gravíssimas punidas com a perda do mandato, de acordo com a Constituição brasileira e as regras que regem as relações entre os poderes da República. Nada lhe foi tirado ilegitimamente”. Fecho aspas.

            Comento eu: como é possível um processo concluir por faltas gravíssimas, e, ao mesmo tempo, não conseguir tipificá-las como crime? Afinal, em Direito como um todo, é bastante tênue ou mesmo inexistente a diferença entre os dois (crime e falta gravíssima). Ou seja, se não foram tipificadas como crime é porque não foram gravíssimas. E, se não foram gravíssimas, não havia por que autorizar a abertura de um processo de impeachment, como fez a Câmara, menos ainda julgar o Presidente da República por crime de responsabilidade, como fez o Senado.

            Aliás, no Direito Penal, sequer existe a figura da falta, muito menos a da gravíssima. Esta é seara do Direito Administrativo. Crimes como os que foram imputados (corrupção, peculato, falsidade ideológica, coação etc.) são típicos da seara penal.

            Ora, se tudo da CPI foi enviado ao Ministério Público e deste à Justiça é porque toda a apuração se deu na seara penal, e, nessa área, a Justiça decidiu pela completa absolvição.

            Assim, quais foram então as faltas gravíssimas a que se refere a revista? A verdade é que não houve da parte do Presidente da República nem falta gravíssima nem muito menos crime. Por isso o Supremo Tribunal Federal decidiu pela absolvição.

            Segundo, via de regra, quando se fala em legitimidade ou ilegitimidade, a intenção é fazer contraponto com a legalidade ou ilegalidade. Se a própria revista restringiu-se a aludir à decisão do Congresso Nacional, o impeachment, como sendo legítima, subtende-se que não houve ilegalidade, caso contrário a matéria certamente recorreria a mais esse argumento. O fato é que, se houve legitimidade, não houve, contudo, legalidade plena para apurar todas as ilegalidades no trâmite do processo. Basta recorrer ao meu primeiro discurso proferido aqui no Senado, em 15 de março de 2007. Ali foram demonstrados e discriminados todos os atropelos regimentais e o desrespeito aos mais elementares princípios do Direito cometidos pelo Congresso Nacional, no curso do processo de impeachment, desde o cerceamento de defesa e a negação de pedidos até o descumprimento de prazos legais e de procedimentos regimentais. E tanto foi que estão registradas nos Anais da Casa manifestações e depoimentos de autoridades que vivenciaram o processo.

            Por isso, falar em legitimidade com base, por exemplo, no apoio da mídia e da população ou de seus “representantes legais” - entre aspas da revista -, torna passível de comparação aquele processo de impeachment, um golpe, com o que ocorreu em 31 de março de 1964. Ou não? Não houve o apoio da mídia? Não houve o apoio da população?

            Quarto. Diz a Veja - aspas: “O Supremo Tribunal Federal acertou em absolver Collor de todos os crimes de que foi acusado.” Fecho aspas.

            Falta a revista concordar também com o desenrolar do raciocínio e as consequências históricas da decisão da mais alta Corte de Justiça do Brasil.

            Em suma, quando se condena, mesmo pelas mãos de ministros indicados pelo governo, a ação é tida como um minucioso processo jurídico. Quando se absolve, mesmo que pelas mãos de ministros não indicados pelo respectivo governo, a ação é tida como produto de - aspas da Veja: “denúncias feitas em dois processos que não juntaram provas consistentes o bastante.” Fecho aspas.

            É sempre a máxima, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: só vale se houver condenação.

            Onde ficaram, então, as provas de corrupção - palavras de Veja: “corrupção desnudada pela CPI” - se foram elas, essas ditas provas, que embasaram as ações penais consideradas improcedentes pelo Supremo Tribunal Federal? Não seria o caso, então, de concluir também que na CPI e no processo de impeachment as provas não foram consistentes? E, se não foram consistentes, por que então deram prosseguimento a todo o processo? Foi ou não foi um pré-julgamento que levou a um golpe branco, a um golpe parlamentar? Foi ou não foi?

            Não aceitar tudo isso, Sr. Presidente, é negar o próprio Estado democrático de direito e, mais ainda, o Estado de direito democrático.

            Se a democracia me levou à renúncia e suspendeu as minhas prerrogativas políticas, o Direito me absolveu por completo. E aqui cabe perguntar: qual dos dois institutos, democracia e Direito, é o mais perfeito, o mais aceito e o mais justo? Quando a versão e a decisão de ambos para o mesmo fato são contraditórias, o que deve prevalecer?

            É claro, Sr. Presidente Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, que qualquer um responderá: “O Direito, fonte e ciência da justiça.” Até porque é unânime e reconhecido por todos que a democracia, pela sua própria natureza e essência, a começar pelo contraditório, jamais será um instituto inteiramente perfeito, ainda que no campo político-institucional seja o melhor sistema.

            Outra matéria, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Folha de S. Paulo, edição de 4 de maio de 2014. Título: Falhas da acusação e lentidão do Judiciário beneficiaram Collor.

            Muito bem, a matéria peca principalmente pelos erros de informação e desvirtuamento dos fatos. Contudo, ratifica o entendimento de que os mesmos fatos que levaram ao impeachment foram objeto das ações penais que o Supremo Tribunal Federal considerou improcedentes. Além disso, traz algumas afirmações procedentes quanto ao entendimento do Supremo, que reforçam ainda mais a relação existente, quanto aos motivos, entre o julgamento político (condenação) e o julgamento jurídico (absolvição), ou seja, a incoerência dos resultados.

            Continua dizendo a Folha de S.Paulo:

(...), o ex-presidente Fernando Collor de Mello conseguiu se livrar [conseguiu se livrar] duas vezes da condenação na Justiça por causa de falhas cometidas nas investigações e da demora do aparelho judiciário para processá-lo.

            Fecho aspas.

            Comento: ao se referir a “falhas cometidas nas investigações”, a matéria ratifica a tese de que o julgamento político foi injusto, na medida em que toda a investigação da CPI que levou ao impeachment foi utilizada nas ações penais julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Se essas mesmas investigações e seus elementos de provas foram considerados improcedentes pelo Supremo, como e por que serviram para se chegar ao impeachment?

            Na realidade, não há como justificar falhas nas denúncias do Ministério Público. Além de todo o material da CPI, da Polícia Federal, o próprio Ministério Público investigou e promoveu a denúncia, ou seja, com muito mais elementos até do que foi apurado na CPI. Será que houve tanta incompetência assim do Ministério Público em não conseguir reunir provas ou todas as provas necessárias para a condenação? Ou será que, de fato, não existiam as tais provas cabais e, assim, não poderia também haver a condenação política?

            Depois: a alegada - aspeio - “demora do aparelho judiciário para processar” não procede. Tanto que a primeira ação penal, a 307, foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal dois anos depois do processo de impeachment. Dois anos depois. Ou seja, a denúncia do MP ocorreu pouco tempo depois da renúncia. Em termos de tempo e prazos, no âmbito da Justiça brasileira, convenhamos, houve até celeridade.

            Já a Ação Penal 465 teve início em 2000, oito anos após o desfecho do processo de impeachment, ou seja, tempo suficiente para o Ministério Público investigar, apurar e promover a denúncia.

            Não o fez antes, primeiro, ou por excesso de incompetência, segundo, ou na espera de provas e fatos novos, ou, terceiro, simplesmente porque não tinha mesmo elementos de convicção suficientes.

            O fato real é que esses oitos anos, na prática, favoreceram a acusação, já que o Ministério Público dispôs de muito tempo para investigar, colher provas e promover uma denúncia de peso. Nem assim conseguiu sucesso. O mesmo raciocínio serve para a Justiça julgar. Muito tempo para se debruçar, examinar e estudar a fundo todo o processo.

            Continua a Folha: “Os pagamentos e o uso de contas fantasmas para movimentar o dinheiro foram comprovados, mas não a associação dos recursos com irregularidades nos contratos de publicidade”. Fecho aspas.

            Toda essa afirmação é questionável. Basta dizer que todos os réus - todos os réus - foram inocentados, seja no Supremo Tribunal Federal, seja na Justiça comum. Ademais, se para a mais alta corte de justiça não houve associação dos recursos com irregularidades nos contratos, poderia, então, o Congresso Nacional ter se utilizado também dessa tese para processar o Presidente da República?

            Continua a Folha - aspas -: “Como passou muito tempo desde o período em que Collor ocupou a Presidência (1990-1992), o crime de falsidade ideológica (...), prescreveu e ele não pode mais ser punido por isso”. Fecho aspas.

            Não foi esse o entendimento, Sr. Presidente, do Supremo Tribunal Federal. Por cinco votos a três, os Ministros votaram pela absolvição no mérito, tanto desta acusação, falsidade ideológica, como de outra, corrupção passiva. Ou seja, não houve, na prática, prescrição. Não houve. Como argumentou a Relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia, não havia como dissociar ou desassociar, para efeito de análise de julgamento, o crime de peculato, não prescrito, com os demais. E a maioria do Pleno assim entendeu e votou pela absolvição, no mérito, de todas as acusações, sendo que para a de peculato o resultado foi unânime: oito votos a zero. Portanto, a matéria erra e desvirtua os fatos ao informar o público.

            Continua a Folha - aspas -:

A lentidão do aparelho judiciário também beneficiou Collor. O processo teve início na Justiça Federal em 2000, oito anos após o impeachment [seis anos depois da minha absolvição pelo Supremo Tribunal Federal] e chegou ao STF em 2007, após a eleição de Collor como senador. Foi necessário esperar mais sete anos para o julgamento no Supremo.

            Fecho aspas.

            A afirmação também não procede. Primeiro, a prerrogativa de foro é constitucional, e, neste caso, como em muitos outros, não retarda o processo. Ao contrário, além de constituir instância única, que é o Supremo, a prova maior é que o processo dos corréus na Justiça Comum ainda prossegue. Houve uma absolvição completa de todos eles naquela instância, mas permanece tramitando em função de recursos embargos interpostos pela acusação. Ou seja, o dito foro privilegiado, em que pesem os sete anos de demora para julgar, foi mais célere do que o da Justiça Comum.

            Depois, a procrastinação de qualquer processo judicial - isto, Sr. Presidente, é importante ressaltar - favorece somente o réu culpado. No caso de um acusado inocente, como comprovou a decisão do Supremo Tribunal Federal, a demora do julgamento gera ansiedade, angústia, expectativa pelo reconhecimento da inocência e, acima de tudo, mantém o réu permanentemente com a pecha de acusado, de réu e, para muitos, de condenado ou culpado, mesmo sem ter sido julgado.

            Como já dito, não houve prescrição de nenhum dos crimes, como atestou o Supremo Tribunal Federal. Também o tempo decorrido não alterou o processo e nem eliminou provas. Poderia até ter favorecido a acusação com o acréscimo de novos fatos, de novos elementos e provas ou mesmo de novas diligências, o que não ocorreu. Além disso, a lentidão pode ser entendida ainda como oportunidade a mais para maior aprofundamento da analise dos autos por parte da relatoria e do relator revisor. Neste caso, sim, propiciou o réu, mas tão somente porque, do aprofundamento da analise dos atos por parte da Relatora, concluiu-se pela improcedência da acusação e pela inocência do réu.

            Neste caso, se a Justiça padece de letargia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mídia releva a sua lisergia.

            Como alegava Maquiavel, citado, outro dia, aqui, por S. Exª o Senador Luiz Henrique, em outro contexto: "Os homens ofendem por medo ou pelo ódio".

            Continuo ainda com a Folha de S.Paulo. Diz ela - aspas -:

Ex-presidente Fernando Collor de Mello foi réu no ST F de duas ações referentes a casos de corrupção no período de seu governo (...). Por causa das acusações, ele sofreu o processo de impeachment que o levou a renunciar à Presidência. Ele acabou absolvido em ambas.

 

            Fecho aspas.

            Exatamente, Sr. Presidente. Exatamente isso. Pelas mesmas acusações, consideradas improcedentes pela mais alta instância da Justiça brasileira, houve uma condenação política, que agora se revela cruelmente injusta, absolutamente precipitada e temerariamente prejulgada. A própria matéria traz informações que comprovam tudo isso, quando ela diz - aspas -: "Ex-presidente foi julgado duas vezes, e absolvido, no STF". Fecho aspas.

            Continua a mesma publicação - aspas -: "Ação julgada em 1994”. Conclusão do STF: absolvição. Não ficou provado que o dinheiro vinha de esquema de corrupção. Continua a mesma Folha de S.Paulo em relação à ação julgada em 2014:

Conclusão do STF

Absolvição. O Ministério Público não apresentou provas de que contratos foram superfaturados, nem cópias deles que supostamente apresentavam irregularidades. Sobre a pensão, apesar dos pagamentos existirem, eles já aconteciam antes de Collor se tornar presidente.

            Fecho aspas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, recorro a Maquiavel. Diz ele: "O tempo arrasta consigo todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem".

            Por fim, Sr. Presidente, uma última matéria, esta do Estado de S. Paulo, edição de 4 de maio de 2014, artigo intitulado "Nada a devolver". Diz o autor: "Os advogados que protelaram o julgamento de Collor". Fecho aspas.

            Não houve protelação. A demora se deu pela própria morosidade da Justiça brasileira. Somente no Supremo Tribunal Federal, após a adoção constitucional e obrigatória da prerrogativa de foro em 2007, o processo ficou nas mãos dos relatores por sete anos até o julgamento. A defesa nada fez para protelar o julgamento. Pelo contrário, o interesse era pela maior celeridade possível, exatamente pela certeza da inocência.

            Continua o autor deste artigo intitulado: “Nada a devolver”, publicado pelo O Estado de S. Paulo, que diz:

Collor não foi impedido pelos deslizes jurídicos que cometera ou de que fora acusado - os quais, por sinal, prescreveram. Juridicamente inocente ou não, pouco importa [diz ele]. Assim como o PT, pagou o preço pela soma dos erros políticos que cometeu: a falta de habilidade, o excesso de confiança, a ausência de prudência e temperança (...).

Ao não saber navegar nas águas turbulentas da política, abriu várias, amplas e simultâneas frentes de conflito - o que não se faz.

            Comento, Sr. Presidente. O autor comete o mesmo erro das demais matérias ao afirmar que houve prescrição. Em 1994, nenhum dos cinco crimes de que era acusado e dos quais houve absolvição completa havia prescrito, pois havia passado somente dois anos do meu impeachment.

            Em 2014, em um dos crimes, peculato, a absolvição se deu no mérito, por oito votos a zero, repito. Nos dois outros crimes, o entendimento do Supremo Tribunal Federal também se deu no mérito, pela absolvição, por cinco votos a três, sendo que esses três votos não foram votos contrários à minha absolvição, foram votos que dissentiram do entendimento da maioria de que o crime atribuído já estava prescrito e, por isso, não poderia ser julgado. E cinco ministros entenderam que deveria, sim, ser julgado, embora já formalmente prescrito. E assim foi feito, e assim foi votado. Ou seja, no total, houve absolvição, no mérito, dos oito crimes imputados e nenhuma absolvição - nenhuma absolvição! - por prescrição. Nenhuma absolvição por prescrição!

            Segundo, o autor do artigo soma-se agora a diversos outros analistas ao reconhecer que se tratou de uma condenação meramente política. Fala em deslizes jurídicos, sem esclarecer do que se trata, até porque o Supremo Tribunal Federal não reconheceu nenhum crime, nenhum deslize cometido, nada, mas o autor reconhece a natureza eminentemente política do impeachment e, ao justificar a motivação com generalidades, falta ou excesso de habilidades, confiança, prudência, temperança, além da abertura de frentes de conflito, atesta intrinsecamente o caráter de um golpe.

            Ora, “se culpado ou inocente, juridicamente não importa”. Agora, digo eu: se “deslizes jurídicos”, aos que ele se refere, não foram sequer comprovados; e, pior, se generalidades daquela ordem estão longe de constituírem crimes, fica patente que o impeachment se deu totalmente por conveniência, vingança e acordo político, e nada mais. Isso é “golpe parlamentar”, disfarçado por uma fantasia jurídica, como atestou o próprio Supremo Tribunal Federal. Ou, em outras palavras, arrumou-se um pretexto jurídico, não reconhecido posteriormente pela Justiça em duas oportunidades, para justificar, na prática, um golpe.

            Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vale repetir Napoleão - e aqui repito Napoleão, porque a revista Veja parece que tem uma certa afeição por ele -, tão bem lembrado, neste caso, pela revista - aspas: "A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.”

            Este é, agora, o “acordo” dos meios: A absolvição jurídica não importa. O importante é que houve uma legítima condenação política. É isso que eles querem; é isso que eles querem passar e vender. Esse engodo, essa mentira.

            Só que, ao falar em legitimidade, a mídia recorre não às motivações, às razões ou aos fundamentos, mas sim aos atores, às instituições e ao apoio popular. É mais uma distorção. Nunca se negou a legitimidade dos atores do processo político (os Parlamentares eleitos pela população); nunca se negou a legitimidade das instituições envolvidas (o Congresso, o Supremo e o Ministério Público), tanto que, ao longo de todo o processo, prevaleceu o pleno respeito - pleno, absoluto respeito - à independência, à separação e à harmonia dos poderes; nunca se negou a legitimidade; nunca se negou a legitimidade das manifestações populares, tanto que nunca se impediu nada; nem mesmo a liberdade de expressão ou de imprensa foi sequer questionada e menos ainda restringida. Todo o processo se deu na mais plena normalidade democrática.

            Contudo, a completa legitimidade não se limita aos atores, às instituições e ao ambiente político. Requer algo mais: a motivação real, comprovável, factível, e, sim, juridicamente atestada e atrelada à legalidade dos procedimentos, do trâmite processual, dos princípios do Direito, especialmente o da ampla defesa.

            Para os juristas - e isso é importante realçar, Sr. Presidente Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores -, a legitimidade é a “legalidade acrescida de sua valoração” - a legitimidade é a “legalidade acrescida de sua valoração”. Ou seja, a valoração, a aceitação é pressuposto básico para a legitimidade. Porém, ela, a legitimidade, somente se torna íntegra, completa e reconhecida se precedida ou constituída também pela legalidade. Caso contrário - como já disse -, é uma contrafação, um golpe branco ou um “neogolpismo”, na expressão de Juan Gabriel Tokatlian.

            No caso do impeachment, houve legalidade somente na previsão constitucional da competência do Congresso em processar e julgar o Presidente da República por crime de responsabilidade. Contudo, falhou-se nos procedimentos, já que houve uma série de atropelos regimentais e jurídicos no curso do processo, que procurei bem acentuar em meu primeiro discurso nesta Casa em 15 de março de 2007. Outro ponto questionável da suposta legalidade aparece agora com a completa absolvição jurídica, ou seja, da improcedência reconhecida pela Justiça das mesmas acusações - das mesmas acusações - que motivaram a condenação política. Isto é fato, Sr. Presidente, isto é fato: os motivos, as razões da condenação política não foram reconhecidos pela mais alta instância de Justiça do País.

            Certa feita, Karl Marx disse - e essa é uma frase dita e redita - que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. É o caso de se perguntar agora: e quando a história original, ela, sim, se revela uma farsa?

            Por isso, Sr. Presidente, a história precisa ser revisada, sim, recontada, sim, e reconstruída, sim, queiram ou não os meios. Afinal, repito, novamente recorrendo ao ícone de Veja, Napoleão Bonaparte, o que disse ele, tão bem repercutido pela revista - aspas: “Nada muda mais do que o passado.”

            Finalmente, Sr. Presidente Paulo Paim, agradecendo a V. Exª, mais uma vez, a generosidade da concessão do tempo para que eu pudesse...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Fique tranquilo, ex-Presidente Collor e Senador da República. É um momento seu, porque o resultado foi este, nós todos temos que reconhecer: o Supremo reconheceu, por oito a zero, que V. Exª é inocente. O momento é todo seu.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco União e Força/PTB - AL. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, o resumo dos acontecimentos, a realidade dos fatos e, principalmente, as verdadeiras razões da tentativa de impeachment estão profundamente contidas nas palavras de Maquiavel, a quem, mais uma vez, recorro. Disse ele - e aqui concluo, Sr. Presidente: “Nada mais difícil de manejar, mais perigoso de conduzir, ou de mais incerto êxito, do que liderar a introdução de uma nova ordem de coisas” - fecho aspas.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, a paciência, e a S. Exªs, Srªs e Srs. Senadores, por terem-me ouvido neste momento.

            Era o que tinha a dizer, obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2014 - Página 392