Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a morosidade da justiça brasileira, em especial no julgamento de crimes relacionados à violência doméstica, e pedido para que seja aprovado o projeto que tipifica o crime de feminicídio.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO, LEGISLAÇÃO PENAL, FEMINISMO.:
  • Indignação com a morosidade da justiça brasileira, em especial no julgamento de crimes relacionados à violência doméstica, e pedido para que seja aprovado o projeto que tipifica o crime de feminicídio.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2014 - Página 155
Assunto
Outros > JUDICIARIO, LEGISLAÇÃO PENAL, FEMINISMO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), RELAÇÃO, DEMORA, JULGAMENTO, CRIME, HOMICIDIO, VITIMA, MULHER, RESULTADO, ABSOLVIÇÃO, REU, MOTIVO, PRESCRIÇÃO, DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, PUNIÇÃO, APLICAÇÃO, HOMEM, VIOLENCIA, FEMINISMO.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Senador Inácio Arruda; colegas Senadoras; colegas Senadores; telespectadores da TV Senado; ouvintes da Rádio Senado; público aqui presente, venho a esta tribuna para manifestar minha profunda indignação não apenas como Senadora, mas também como cidadã com uma situação de absoluta injustiça. Refiro-me ao caso do feminicídio de Christina Gabrielsen, ocorrido na cidade do Recife, em Pernambuco, em 1995, cujo assassino, apesar de ter sido condenado pelo Tribunal do Júri pelo bárbaro assassinato, não irá pagar pelo crime cometido. Vou citar o fato com detalhes aos senhores e senhoras, para que tomem conhecimento e fiquem igualmente indignados com tamanho absurdo.

            A CPMI da Violência contra a Mulher, da qual tive a honra de ser Relatora, esteve em Recife em 12 de abril de 2012 e lá ouviu do filho e do irmão de Christina Gabrielsen a notícia de que um crime bárbaro, ocorrido em 1995, após 17 anos, não havia sequer tido o primeiro julgamento. O autor dos disparos, Anthenor Ferreira Belleza Neto, ex-companheiro de Christina, foi denunciado, mas interpôs uma série de recursos, objetivando protelar ao máximo o julgamento e levar à prescrição do crime.

            Quando a CPMI realizou audiência em Recife, em 2012, tomou conhecimento do caso e de que havia um recurso parado no Supremo Tribunal Federal há dois anos. Solicitamos informações ao então Relator do processo, o Ministro Marco Aurélio, que, logo após, julgou o recurso e determinou que fosse feita nova pronúncia. O crime ocorreu em 1995, e, dois anos depois, foi oferecida a denúncia. A pronúncia só foi realizada em 2012, porque a primeira foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal.

            Finalmente, após 19 anos de espera e de angústia por parte dos familiares da vítima, no dia 16 de abril de 2014, ou seja, 16 de abril último, aconteceu o julgamento. Os jurados condenaram o réu e assassino, Anthenor Ferreira Bellezza Neto, pelo crime de homicídio simples, apesar de ele ter matado a vítima com três tiros à queima-roupa. A pena do crime de homicídio simples é de 6 anos a 20 anos.

            Como mencionei, o Tribunal do Júri condenou o réu. No entanto, é o juiz que fixa a pena, e o magistrado Ernesto Bezerra Cavalcanti, da 1ª Vara do Júri de Recife, fixou a pena em oito anos, o que levou à prescrição retroativa do crime, impedindo que o condenado pague por esse crime. Se a pena tivesse sido fixada em oito anos e um mês, por exemplo, o crime não prescreveria.

            É impressionante como um magistrado, que representa a possibilidade de se fazer justiça, pode ter dado uma pena, por esse crime, que permitiu sua prescrição. Na prática, isso equivale a uma absolvição, já que o condenado não irá pagar pelo crime cometido e pelo qual foi condenado pelo Tribunal do Júri.

            O caso de Christina Gabrielsen é muito semelhante ao de Maria da Penha, que todos e todas nós conhecemos.

            Assim como no caso de Maria da Penha, o assassino de Christina Gabrielsen interpôs inúmeros recursos. Da mesma forma, o acusado da tentativa de homicídio de Maria da Penha, embora tivesse sido condenado pelo júri, também nunca tinha cumprido um dia sequer na cadeia. O caso de Maria da Penha só foi a julgamento porque houve a condenação do Brasil pela morosidade e impunidade. Maria da Penha lutou por mais de 15 anos para que o caso fosse a julgamento. É exatamente isso que temos nesse caso: morosidade - isto é, 19 anos para ocorrer o primeiro julgamento - e impunidade, condenação, sem cumprimento da pena.

            É inaceitável que, após o caso Maria da Penha, cuja responsabilização internacional do Estado brasileiro condenou essa prática de tolerância à violência contra as mulheres, situações como a que relato ainda aconteçam em nosso País.

            Em 16 de abril de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado por omissão, negligência e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres brasileiras e considerou que o caso Maria da Penha não representava uma situação isolada no Brasil. Ao contrário, era um exemplo do padrão sistemático que seguiam os casos de violência doméstica contra a mulher no País e da impunidade desses casos. Após exatos 13 anos da decisão da Comissão Interamericana, coincidentemente na mesma data do julgamento do homicídio de Christina, vemos esse padrão sistemático de impunidade se repetir. O caso de Christina Gabrielsen expressa, com uma nitidez terrível, como se pode procrastinar um julgamento e deixar impune um crime.

            É inaceitável, repito, Sr. Presidente. Este Congresso Nacional investigou a violência contra as mulheres e diagnosticou que a prática jurídica no País, nos casos de violência doméstica, ainda é tratada com descaso, como se os criminosos não devessem ser punidos.

            A Lei Maria da Penha surgiu para colocar um fim a essa tolerância, para responder à condenação internacional do País e para estabelecer novos padrões de julgamento. No entanto, o que observamos no julgamento do assassino de Christina Gabrielsen foi uma conivência do Poder Judiciário com a impunidade, com a tolerância a um crime bárbaro e sem justificativa, que não seja a conduta machista de um homem.

            Nesse sentido, quero publicamente solicitar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) analise o caso, pois não se pode aceitar uma prática jurídica conivente com a impunidade e a morte de mulheres.

            Por fim, Srs. Senadores aqui presentes, quero dizer que no Brasil a tese de que se mata por ciúme, cujo sentimento humano não é útil, é não apenas inaceitável, mas lamentável. Os homens não matam por ciúme. Eles matam por desejo de controle, de vingança e de ódio contra a autonomia das mulheres que ousam dizer "não".

            Christina Gabrielsen não foi morta por ciúme incontrolável. Cristina Gabrielsen foi morta por vingança, porque não aceitava o controle do seu assassino. Esse tipo de crime tem um nome: feminicídio. E é por isso que a CPMI apresentou um projeto de lei criminalizando o feminicídio.

            Srs. Senadores, Senador Paim, Senador Inácio Arruda e demais Senadores, é por isso que temos que aprovar o projeto que criminaliza esse tipo de crime contra as mulheres. Não podemos aceitar e tolerar que, em pleno século XXI, a Justiça brasileira aceite a tese do ciúme e da violenta emoção para diminuir a pena de assassinos de mulheres. Repito: mortes de mulheres nessa situação não se dão por ciúme, mas por um profundo ódio à autonomia das mulheres. Por isso, espera-se que o Tribunal de Justiça de Pernambuco revise a pena imposta pelo juiz da 1ª Vara do Tribunal do Júri do Recife e não acolha a tese de morte por ciúme ou acidental.

            A morte de Christina Gabrielsen e a tentativa de homicídio de Maria da Penha ocorreram porque elas, assim como milhares de brasileiras, não aceitam o controle dos homens.

            Por isso, Sr. Presidente, finalizo dizendo: fazer justiça neste País é dizer “não” ao controle masculino e à impunidade dos casos de violência doméstica contra as mulheres.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu gostaria de dizer.

            Muito obrigada pela atenção de todos vocês.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2014 - Página 155