Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a XVII Marcha dos Prefeitos em Brasília; e outros assuntos.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. ENSINO SUPERIOR, SAUDE. HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Considerações sobre a XVII Marcha dos Prefeitos em Brasília; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2014 - Página 164
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. ENSINO SUPERIOR, SAUDE. HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PREFEITO, PARTICIPANTE, MARCHA, LOCAL, BRASILIA (DF), OBJETIVO, REIVINDICAÇÃO, AUMENTO, RECURSOS, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), COMPENSAÇÃO, PERDA, VALOR, ISENÇÃO FISCAL, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, GAS, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
  • REGISTRO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUTORIZAÇÃO, ABERTURA, UNIVERSIDADE, MEDICINA, LOCAL, INTERIOR, ESTADO DA BAHIA (BA), CONSTRUÇÃO, HOSPITAL, BENEFICIO, POPULAÇÃO.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, LOCAL, BRASIL, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, ASSUNTO, COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, AUTORIA, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), REFERENCIA, AUMENTO, NUMERO, MORTE, ADOLESCENTE, NEGRO, FAVELA.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Paim, por nossa parceria, também muito rica, nesse trabalho cotidiano, do Senado Federal, em questões em que temos grande identidade, entre elas, as vinculadas aos direitos humanos.

            Mas, Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, eu queria fazer alguns registros aqui, hoje. O primeiro é saudar os prefeitos e as prefeitas participantes da XVII Marcha a Brasília, os prefeitos que estão ocupando a cidade de Brasília hoje, acompanhados de muitos vereadores.

            Há pouco, V. Exª registrou a presença de prefeitos da Região do Sudoeste da Bahia e de vereadores, também, dessas cidades, que estão aqui participando desse calendário que já é conhecido, que é a Marcha dos Prefeitos, colocando em pauta as lutas municipalistas.

            Entre essas reivindicações, está o aumento de 2% do Fundo de Participação dos Municípios, a compensação e reposição das perdas financeiras por desoneração do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e a redistribuição dos royalties e participações especiais do petróleo e gás, entre outros pontos.

            Os prefeitos têm, nesses anos todos, feito uma marcha cotidiana a Brasília. Os nossos gabinetes de Senadores, especialmente, e de Deputados recebem quase que mensalmente um grande número de prefeitos. Isso, Sr. Presidente, porque estamos vivendo um pacto federativo às avessas. Nós, hoje, cada vez mais, aumentamos as atribuições dos Municípios e os projetos e programas do Governo Federal de políticas sociais, de políticas educacionais, de políticas de saúde.

            Todos levam até o Município programas, ações, benefícios, mas, atrás de cada um, uma parte do custo para a manutenção deles. E os Municípios brasileiros não têm mais condição disso, estão com suas dívidas imensas, dívidas com o INSS, renegociações feitas e nunca em condição de serem cumpridas. Os Municípios brasileiros estão quebrados, e só uma mudança de postura do Governo Federal lhes garantirá uma compensação pelo enfrentamento da crise econômica no País, pautada em políticas econômicas de renúncia fiscal, que levam efetivamente a uma diminuição maior da participação do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios.

            O ente mais frágil da Federação brasileira é justamente aquele onde as pessoas moram, vivem, estudam, trabalham e onde, portanto, se dá a realização de toda política e de todo atendimento de políticas públicas em cada um desses Municípios.

            Quero dar a minha solidariedade às prefeitas e aos prefeitos brasileiros que estão hoje aqui em Brasília.

            Quero também, Sr. Presidente, registrar que o Ministério da Educação autorizou a abertura de mais oito novos cursos de Medicina nas universidades federais no interior do Brasil. Serão oferecidas 420 vagas, e a Bahia foi contemplada com 160 vagas em três novos cursos de Medicina: um na Univasf, com 40 vagas, no Município de Paulo Afonso; outro, na Universidade do Sul da Bahia, com 80 vagas, em Teixeira de Freitas; e um terceiro na Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), com 40 vagas, em Barreiras.

            Tivemos a participação, na integração do esforço de mobilização, minha, do Senador Walter Pinheiro, que acompanhou de perto um esforço para se levar até Paulo Afonso o curso de Medicina, já que lá há um hospital que pode servir como hospital-escola, um hospital da Chesf, e do Senador João Durval, para que pudéssemos dar esse reforço às universidades federais da Bahia, essas novas oportunidades à juventude baiana e a abertura de novas vagas que possam dar conta das necessidades da nossa população.

            O curso de Medicina de Barreiras, inclusive, é muito especial, porque está sendo pensado em um novo conceito, no conceito da medicina rural, voltado para trabalhar com as doenças que acometem o homem no campo, a população rural, e dando, portanto, uma característica muito própria para a região do oeste da Bahia, que hoje é um grande celeiro de produção, além da soja, de hortifrutigranjeiros, da fruticultura irrigada do nosso País e do nosso Estado.

            E eu quero, portanto, saudar essa decisão do Ministério da Educação que encontra eco na mobilização do povo baiano e da juventude baiana.

            Finalmente, Sr. Presidente, quero registrar, como V. Exª já fez, como o Senador Inácio também já fez, que hoje é a data da Abolição da Escravatura. Nesta data, eu queria que nós compreendêssemos que tem o seu limite essa abolição, que não efetivou, de fato, a sua tarefa, mas que cumpriu uma parte, que foi a liberdade de parcela grande de população que continuava escrava.

            Eu quero ler, pedir a V. Exª a licença para ler um artigo que sintetiza muito do que eu gostaria de dizer hoje do baiano, arquiteto, produtor cultural, ativista do movimento negro, ex-Presidente da Fundação Cultural, meu amigo Zulu Araújo.

            Ele começa citando o poema, o texto da música Alegria da Cidade, que diz o seguinte:

A minha pele de ébano é

A minha alma nua

Espalhando a luz do sol

Espalhando a luz da lua

Tem a plumagem da noite

E a liberdade da rua

Minha pele é linguagem

E a leitura é toda sua

Será que você não viu

Não entendeu o meu toque

No coração da América eu sou jazz, sou rock

Eu sou parte de você, mesmo que você me negue

Na beleza do Afoxé, ou no balanço do reggae

Eu sou o sol da Jamaica

Sou a cor da Bahia

Eu sou você

Sou você e você não sabia

Liberdade Curuzu, Harlem, Palmares, Soweto

Nosso céu é todo blue e o mundo é um grande gueto

Apesar de tanto não

Tanta dor que nos invade

Somos nós a alegria da cidade

Apesar de tanto não

Tanta marginalidade

Somos nós a alegria da cidade

            O povo baiano conhece essa música, cantada, interpretada pela bela, pela maravilhosa voz de Lazzo Matumbi. É uma música muito conhecida, muito tocada, muito comemorada e festejada em nossa terra, porque ela é lindíssima. E ela expressa este momento nosso, da nossa luta antirracista em nosso País. A necessidade de afirmação da contribuição que o negro deu à cultura, à civilização brasileira.

Em 13 de maio de 1888 [diz Zulu], quando foi proclamada, oficialmente, a abolição da escravatura no Brasil, havia ainda, sob o jugo da escravidão, aproximadamente 800 mil pessoas. Embora tenhamos fortes questionamentos sobre o alcance e profundidade da referida medida, temos que reconhecer a importância deste marco histórico que retirou o Brasil da vergonhosa condição de escravocrata mor do mundo moderno, além de libertar, formalmente, milhares de pessoas. Diria mais, mesmo que fosse uma única pessoa que tal ato tivesse libertado, ainda assim teria sido importante, pois a liberdade do ser humano não pode ser medida em números.

Neste episódio macabro da história mundial, o Brasil tem posição de destaque: foram mais de 5 milhões de africanos escravizados, correspondendo a 46% de todo tráfico negreiro no mundo. Dentre os quatro portos mais importantes do criminoso comércio escravista mundial o Brasil possuía três - Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.

Nos quase quatrocentos anos de escravidão (384 anos, para ser rigoroso), milhões de homens e mulheres foram torturados, mutilados, humilhados, vilipendiados e expropriados do bem mais importante que um ser humano pode ter - a liberdade. E neste tema, lamentavelmente, o Brasil entrou para a história da humanidade pela porta dos fundos, tendo sido o último país do mundo a abolir o crime de "lesa humanidade" que foi a escravidão. Diante de um passado tão trágico, o legado não poderia ser outro, senão a permanência entranhada em nossa sociedade do preconceito, da discriminação e do racismo.

Claro que muitos esforços, medidas e políticas públicas têm sido propostas e implementadas para a superação deste câncer que ainda se faz presente em nossa sociedade. Claro que muitas conquistas e vitórias têm sido alcançadas, como a inclusão do negro no ensino superior e o reconhecimento dos territórios remanescente de quilombos.

E claro, que para tanto, temos contado com inúmeros aliados das mais variadas matizes ideológicas ou étnicas, embora, na maioria das vezes, esta luta seja travada de forma solitária e dolorosa pelos homens negros e mulheres negras que ainda enfrentam o racismo no seu dia a dia. E mais claro ainda, que muito há por fazer para que esta chaga seja definitivamente eliminada de nossa sociedade.

Mas, apesar de toda esta tragédia, a presença negra na formação da sociedade brasileira tem sido positiva e civilizatória. Em que pese a exclusão, o racismo e a discriminação, temos contribuído decisivamente para que o Brasil se insira entre as nações do mundo em que a cor da pele, a origem social, a opção sexual ou religiosa não sejam critérios para o exercício da cidadania plena. E nada melhor que a poesia como meio e mensagem de esperança para dias melhores. Valeu Lazzo e Jorge Portugal, dois artistas baianos, autores deste belo poema-canção, chamado "Alegria da Cidade".

            Eu quero, portanto, saudar Zulu por esse belo artigo, publicado no portal da Carta Capital, e trazer ainda mais para a nossa realidade, meu caro Presidente e parceiro dessa luta aqui no Senado, dizendo que uma pesquisa divulgada pela UNICEF, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a ONG Observatório de Favelas, mostrou que três a cada mil adolescentes brasileiros são assassinados antes de completar 19 anos. Os dados projetam a possibilidade de que quase 37 mil brasileiros entre 12 e 18 anos sejam assassinados até 2016. E essa pesquisa com dados de 2010 confirmou, também, que a maior parte das vítimas de violência contra os jovens atinge os negros. Por isso, nós dois temos insistido na necessidade de fazer uma CPI que trate dessa questão no Senado, para que nós possamos atender a agenda da juventude da sociedade brasileira, que exige uma demonstração de atenção, de preocupação, de investigação com essa situação de verdadeiro genocídio de jovens negros pobres dos bairros das periferias das grandes cidades brasileiras.

            As marcas do racismo e do preconceito ainda se espalham pelo mundo. Lamentavelmente, prova dessa dura realidade nós vimos na semana passada, quando cerca de 200 adolescentes nigerianas - o que caracteriza crime de racismo e de tráfico humano - foram sequestradas. É lamentável que meninas e mulheres ainda sejam, nos dias de hoje, tratadas como propriedades e estejam sujeitas a toda espécie de violação de seus direitos! E esses crimes atingem, principalmente, as pessoas negras.

            No momento em que o Brasil e o mundo se mobilizam contra o crime do tráfico de pessoas - aqui, com a Campanha da Fraternidade da CNBB -, é inadmissível que questões religiosas ou étnicas ainda se sobreponham à garantia dos direitos humanos.

            Por isso, nesta data, nós - eu, V. Exª - reiteramos a necessidade de colocar essa questão em pauta no Congresso Nacional.

            Toda vez que nós falamos do racismo neste País - e aqui também - é sempre muito difícil as pessoas incorporarem e admitirem que o nosso País é racista, que o nosso País pratica o racismo institucional, que essa marca da escravidão ainda permanece muito viva na sociedade brasileira, camuflada pelo preconceito, pela discriminação, mas com a raiz ainda profunda da exploração e da escravidão.

            Portanto, eu quero, neste momento, usar da tribuna para, juntamente com outros Senadores que fizeram isso aqui, denunciar o racismo em nosso País.

            E quero, também, parabenizar outro militante da causa negra - que se pronunciou de forma muito destacada -, o professor e blogueiro Douglas Belchior, por sua coluna de artigos publicada na revista Carta Capital. Aliás, ele foi na Carta Capital; o Zulu foi no Portal Terra. E quero reforçar sua análise de que, em função de um “racismo inacabado”, precisamos defender que esta data, 13 de maio, seja um dia nacional de denúncia contra o racismo.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2014 - Página 164