Discurso durante a 84ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogio à trajetória do ministro do STF Joaquim Barbosa por ocasião do anúncio de sua aposentadoria precoce.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, JUDICIARIO.:
  • Elogio à trajetória do ministro do STF Joaquim Barbosa por ocasião do anúncio de sua aposentadoria precoce.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2014 - Página 137
Assunto
Outros > HOMENAGEM, JUDICIARIO.
Indexação
  • HOMENAGEM, MINISTRO, JOAQUIM BARBOSA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, ANUNCIO, APOSENTADORIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ZERO HORA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ASSUNTO, COMENTARIO, ATUAÇÃO, RELATOR, AÇÃO PENAL, RELAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, PAGAMENTO, MESADA, CONGRESSISTA, TROCA, APOIO, GOVERNO FEDERAL.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador Mozarildo Cavalcanti, nossos telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, nossos companheiros servidores desta Casa, que têm dado exemplar referência de dedicação, especialmente em relação à Mesa, é inescapável, hoje, Presidente Mozarildo, não tratar do assunto que ocupa e chama a atenção das páginas de todos os jornais do nosso País. Todos. Não é para menos: a saída do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, da carreira jurídica, precocemente, muito precocemente.

            Perde o Poder Judiciário, perde o Supremo Tribunal Federal, a Suprema Corte de Justiça, e me valho das duas declarações, muito expressivas, do Ministro Marco Aurélio Mello e do Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, na sessão de ontem da Suprema Corte.

            O Presidente Joaquim Barbosa, Ministro do Supremo Tribunal Federal, como eu disse, foi o primeiro negro a chegar a esse posto de tanta relevância para as instituições brasileiras, para a democracia e para o próprio prestígio do Poder Judiciário.

            Talvez a cor não expresse tanto em relação à competência jurídica e ao caráter, mas a questão da igualdade da cor, refletida na escolha sábia do ex-presidente Lula do nome de Joaquim Barbosa para liderar, para integrar a Corte Suprema do País, foi uma grande referência, assim como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso ao indicar a primeira mulher para a Suprema Corte, com uma vinculação com o Rio Grande do Sul muito grande, muito intensa, a Ministra Ellen Gracie.

            Então, isso já é, por si só, simbólico do ponto de vista da história da Suprema Corte brasileira, que, até então, não contava nem com uma mulher, nem com um negro na sua composição.

            A saída de Joaquim Barbosa pode ser alguma referência, como está expresso na capa do jornal O Globo, de que as ameaças precipitaram a saída de Barbosa e também, agora, uma disputa eleitoral, porque essa figura encarna muitos valores que os brasileiros desejam: o rigor, a independência, a coragem, encarnados numa só pessoa, o Ministro Joaquim Barbosa. Independente de algumas atitudes pessoais, o pavio curto, que nós costumamos dizer na política.

            Então, esse adeus dado ao Ministro, como eu disse, precocemente, tem um símbolo muito grande para a história das ciências jurídicas.

            Ameaças que se intensificaram nos últimos meses, após a conclusão do julgamento do mensalão, levaram o Ministro Joaquim Barbosa, o primeiro negro a assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a antecipar a sua saída do cargo, e a aposentadoria da Corte, aos 59 anos, tão jovem, tão jovem.

            O relator do mensalão, que levou à cadeia ex-integrantes do Governo que está no poder, anunciou que no fim de junho deixará a Corte, para, num primeiro momento, ver a Copa do Mundo e descansar. É um direito que assiste ao Ministro, a Corte, para fazer exatamente o que tem direito.

            Amigos do Ministro de Joaquim Barbosa contam que ele mudou seus hábitos após as ameaças de morte em redes sociais e a abordagem que sofreu por militantes partidários na saída de um restaurante. Ele passou a evitar locais públicos, por medo em relação a sua segurança, parou de sair, contou um amigo.

            Com a saída do Ministro Joaquim Barbosa, as decisões sobre a execução das penas dos presos do mensalão serão tomadas por outros ministros. “Esse assunto está complemente superado, sai da minha vida a Ação Penal 470”, disse o Ministro Joaquim Barbosa.

            O sucessor do Ministro Joaquim Barbosa será o Ministro Ricardo Lewandowski, que já manifestou a alguns Senadores, inclusive a mim, o interesse de manter com o Congresso Nacional, com o Poder Legislativo, e com o Poder Executivo uma relação fluida. É tudo que se espera numa relação institucional dos Poderes, institucional e republicana.

            Não se pode imaginar, numa democracia consolidada e séria, como a nossa, que está cada dia mais amadurecendo - não é, Senador Mozarildo Cavalcanti? -, que não haja essa relação respeitosa entre os lideres, seja a Presidente Dilma Rousseff, hoje Joaquim Barbosa, amanhã Ricardo Lewandowski ou o Presidente do Congresso Nacional, Senador Renan Calheiros.

            Então, é exatamente essa mudança que obteve essa repercussão pelo histórico de Joaquim Barbosa, anunciando ontem. E, claro, é natural, como eu disse, por esses valores defendidos e pregados por Joaquim Barbosa, que partidos políticos estejam atrás dessa grande biografia para integrar os seus quadros. Seria muito bom para a política no nosso País. Candidato ao Senado, candidato a um governo de Estado, candidato à Presidência da República, à Vice-Presidência da República, a Deputado Federal, o que ele desejasse, porque isso daria um grande alento à prática política.

            Nós aqui, junto com essa campanha que fez a OAB, da Ficha Limpa, e agora trabalha também com a questão de eleições limpas, essa figura encarnaria muitos valores não só da sociedade mineira, de onde ele é natural, mas do Rio, de São Paulo, da Bahia, do Rio Grande do Sul, do meu Estado, do Sul do País; todos têm por ele um grande respeito. Então, não é possível que hoje, nesta sexta-feira, em que estamos encerrando uma semana de muito trabalho, deixemos de tratar desse assunto.

            Eu gostaria de fazer a leitura aqui de um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo hoje, e peço também a transcrição integral desse texto, feito pela jornalista Eliane Cantanhêde, com o simples título “Joaquim”. Dar o nome apenas de “Joaquim” à simplicidade que encarnou também o Ministro Joaquim Barbosa.

A passagem do primeiro negro a ocupar e a presidir o Supremo Tribunal Federal foi, além de rápida, fulgurante e fora de padrão - como a sua própria biografia.

Levado pela mão de Lula como um troféu, para ser um negro dócil e agradecido, Joaquim Barbosa rebelou-se contra o papel e desnorteou o PT, o governo e os próprios pares. Mas, na avaliação correta de um juiz atento, Joaquim poderia ter sido simplesmente altivo e muitas vezes foi flagrantemente arrogante.

Muito dos seus adoradores acreditam, como o próprio Joaquim, que ele só conseguiu os resultados que conseguiu porque extrapolou, quebrou regras, confrontou os colegas. A fila é longa: Ricardo Lewandowski lidera, mas também Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes... Tivesse sido mais racional, mais sóbrio, talvez chegasse às mesmas conclusões - e com mais legitimidade.

Goste-se ou não de Joaquim, porém, ele pode ter sido o homem certo na hora certa: o irreverente e irascível capaz de conduzir o processo do mensalão para a história como um marco, um divisor de águas, na Justiça no Brasil. Ela não seria mais só para pretos, pobres e prostitutas; os criminosos de colarinho branco que pusessem as barbas de molho. Não há como negar: apavorou os poderosos e lavou a alma do povo brasileiro.

Sua renúncia começou a se delinear na “tarde triste” em que, abatido, com a voz cansada, assistiu impotente à derrota da tese de “quadrilha”, chave no processo do mensalão. Como conviver como minoria num tribunal onde puxara a maioria? Como deixar de presidir e passar a ser presidido [logo pelo seu Ministro mais crítico] por Lewandowski?

A caminho da saída, Joaquim atropelou a estrela do mensalão, José Dirceu, mas não conseguiu o fecho de ouro que tanto queria: o julgamento das perdas pelos planos econômicos. Depois de subjugar poderosos da política, sonhava derrotar [o setor financeiro] os bancos.

Com o adiamento, teve seu último chilique no STF, de onde sai para a história. E também para flertar com a política.

            Isso é a prova exatamente da forma com que Joaquim Barbosa é visto e avaliado, não só loas, mas o reconhecimento de algumas críticas também, algumas atitudes pelo seu temperamento.

            Também o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, relata no seu editorial:

O Ministro que se despedirá do Supremo deixa um acervo de referências acervo de referências a todos os empenhados na efetividade da Justiça.

            Escreve o editorialista:

Ao antecipar sua aposentadoria do Supremo, o ministro Joaquim Barbosa abrevia também o balanço que começa a ser feito de sua trajetória na mais alta Corte do país. Despede-se do Supremo Tribunal Federal, no final de junho, um magistrado que angariou respeito pelo mérito da atuação, pela sólida formação jurídica e cultural e também por decisões consideradas controversas. O ministro ganhou notoriedade como relator do chamado mensalão e, mais tarde, como presidente do STF na fase final do julgamento da ação 470. Foi assim que construiu a imagem de juiz que finalmente atendeu às expectativas da sociedade [brasileira] na reparação de delitos cometidos por ocupantes de cargos públicos.

Barbosa contribuiu para aproximar o Supremo da população e para inspirar referências que o Judiciário tem a missão de incorporar às suas rotinas,

mesmo com as restrições já conhecidas de colegas, de juristas e operadores do Direito. Ao assumir, há 11 anos, o ministro já estava construindo uma história pessoal única. De origem humilde, foi o primeiro negro a chegar ao Supremo. Vinha do Ministério Público, com aperfeiçoamento acadêmico no exterior, e marcou sua atuação, desde o início, pela forma categórica com que defende suas posições.

            Continua o editorial de Zero Hora, em sua edição de hoje.

A relatoria do mensalão foi a oportunidade para expor conhecimento e determinação na luta contra a impunidade. Foi também por tal postura que passou a merecer avaliações nem sempre favoráveis. [Acabamos de verificar no belo texto da Eliane Cantanhêde.]

Como principal protagonista do Judiciário no mais rumoroso caso de corrupção do País, inspirou as críticas dos que decidiram considerá-lo muito mais um acusador do que um magistrado. Antes mesmo de assumir a presidência do Supremo, em novembro de 2012, reagiu com naturalidade a esses questionamentos e, mais tarde, já no comando da Corte, até mesmo a ataques públicos de inconformados com sua atuação.

Também não desmerecem sua trajetória os enfrentamentos que teve com outros ministros, em várias ocasiões, por divergências que exacerbaram pontos de vista jurídicos e pessoais e também as vaidades que frequentam o Supremo. [Como também em todas as áreas acadêmicas. Nas academias é sempre assim.]

            Continua o editorial.

A marca de sua passagem é a da obstinação com que se dedicou ao processo do mensalão, apesar de ter sido visto com certa desconfiança, do momento em que assumiu o caso, em 2006, até o início da leitura de suas conclusões, em agosto de 2012.

Não há exagero em dizer que Barbosa contribuiu para o fortalecimento da reputação da Justiça [Como eu havia mencionado no início deste pronunciamento] e para a compreensão de atos complexos, ao ser visto e ouvido ao vivo pela TV e provocar as reações de especialistas e de leigos sobre deliberações que permitiam as mais variadas interpretações.

O ministro que obteve reconhecimento dentro e fora do Brasil não é, nem poderia ser, uma unanimidade. [As pessoas que quebram paradigmas, como fez Joaquim Barbosa, são avaliadas exatamente por esta coragem, por quebra de paradigmas.] O legado que deixa deve ser inspirador dos que, em todas as instâncias, e não só nas altas cortes, trabalham pela efetividade da Justiça.

            É este o pedido que eu faço, Presidente, a transcrição, na íntegra, do editorial do jornal Zero Hora de hoje, de Porto Alegre, e também do artigo da jornalista Eliane Cantanhêde.

            É um pedido que faço a V. Exª, falando sobre esse tema que ocupou todo o noticiário de televisão ontem, das emissoras de rádio, ocupa hoje o noticiário do jornal, essa saída precoce do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa.

            Esta matéria e este fato já estão escritos na História do Brasil, não só na História da Suprema Corte, mas na História das instituições políticas, porque foi um sopro de esperança para o povo brasileiro quando ele assinou o seu relatório, como Relator do Processo nº 470.

            Muito obrigada, Presidente.

 

DOCUMENTOS ENCAMINHADOS PELA SRª SENADORA ANA AMÉLIA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matérias referidas:

- Editorial Zero Hora. “O Legado de Barbosa”

- Editorial Folha de S.Paulo : “Joaquim”. Eliane Catanhêde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2014 - Página 137