Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque à necessidade de adoção de medidas para diminuir a violência no País e indignação com o ocorrido com a Sra. Fabiane Maria de Jesus, agredida por populares após boatos na internet.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL, SEGURANÇA PUBLICA, TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Destaque à necessidade de adoção de medidas para diminuir a violência no País e indignação com o ocorrido com a Sra. Fabiane Maria de Jesus, agredida por populares após boatos na internet.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2014 - Página 160
Assunto
Outros > CODIGO PENAL, SEGURANÇA PUBLICA, TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, UTILIZAÇÃO, INTERNET, INCITAMENTO, VIOLENCIA, REFERENCIA, HOMICIDIO, MULHER, MUNICIPIO, GUARUJA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTOR, POPULAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, CODIGO PENAL, CRITICA, ATUAÇÃO, IMPRENSA.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu também quero cumprimentar a todos que nos visitam aqui no Senado Federal. Sejam bem-vindos!

            Sr. Presidente, eu vou me prender hoje, e acho que todos nós devemos trazer à tribuna do Senado, quando nada, o inconformismo com uma situação que teima em se repetir no nosso País. Refiro-me à morte dessa jovem mãe, dona de casa, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, em Guarujá, um crime, como outros, que chocou o País. Quem tomou conhecimento do que houve... Há pouco, a Senadora Ana Amélia também fez referência a isso aqui, na condição de mulher, na condição de jornalista, na condição de Senadora. Não é possível que o País não pare para refletir sobre o que está ocorrendo! Esse crime tem uma conexão com o passado, com o presente e com o futuro. De certa forma, de acordo com o que hoje eu estava ouvindo na CBN, a Polícia tem deixado claro de que tudo decorre de postagem na rede mundial de computadores. É um instrumento novo que agora começa a funcionar como arma, ajuda a matar.

            Peguei a matéria do jornal O Globo, que é bem clara ao dizer:

O boato de que uma mulher estaria sequestrando crianças para realizar rituais de magia negra - rumor que levou ao espancamento e à morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, em Guarujá (SP) - já havia circulado pelos estados de Santa Catarina, Paraná e Pernambuco. Perfis privados e páginas similares ao “Guarujá Alerta”, que postou no Facebook notícia referente à ação da suposta criminosa no litoral paulista [levou à materialização de um dos crimes mais bárbaros de que já tivemos notícia neste País e no mundo].

            As imagens são chocantes. A perversidade, a covardia, a brutalidade, não há adjetivo para tipificar tal violência.

Em comum, um fato: todas essas páginas usaram, sem checar [páginas que se dizem com a função de levar a informação para o cidadão, sem checar, levaram adiante] um retrato falado divulgado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em agosto de 2012, durante a investigação de uma tentativa real de sequestro.

(...) especialistas lembram que parte da sociedade brasileira acredita [ainda] que fazer justiça com as próprias mãos é algo plausível.

            Essa barbaridade de uma frase fácil, perigosa - é quase um ditado neste País -: que “bandido bom é bandido morto”, também justificava, no Acre, a ação do crime organizado. Foi com base nesta frase “bandido bom é bandido morto” que eles começaram a matar bandidos, fazendo justiça com as próprias mãos e, depois, começaram a resolver problemas de desentendimento, fosse qualquer ele, até político, matando também. Arvoraram-se a ter o papel da Justiça. E o Acre demorou muito tempo para se livrar das consequências do crime organizado. Graças a Deus, vencemos.

            Coube a mim, no Governo do Acre, com ajuda da Justiça local, estadual, federal, do aparato do Estado brasileiro, enfrentar essa situação. O Senador Pedro Taques andou por lá, na época, nos ajudando. Foi difícil para o Acre sair da ilegalidade, deixar de viver como refém do crime organizado.

            Agora, esse crime contra essa jovem mulher, essa jovem mãe, trabalhadora, dona de casa - refiro-me à Srª Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, do Guarujá -, é algo inaceitável, e vincula algo recorrente no País, porque também alguns veículos de comunicação e alguns analistas tentam vincular isso - pasmem! - até a partido político, até a governos.

            É óbvio que muito da responsabilidade sobre o que estamos vivendo hoje neste País diz respeito à estrutura do Estado brasileiro. Não é à toa que estamos aqui trabalhando para reformar o Código Penal Brasileiro. O Senador Pedro Taques tem se dedicado, acrescentando muito com sua experiência.

            Eu fui Vice-Presidente da Comissão. E estamos procurando para os tempos de hoje, para os desafios de hoje, a legislação criminal brasileira. É fato que temos deficiência. Mas não podemos, mesmo assim, chegar a um momento como este e querer imputar para um ou outro a responsabilidade, quando todos nós deveríamos refletir acerca de que sociedade fazemos parte.

            Um cientista que conhece bem este assunto disse que os jornais não encontraram nenhuma condenação da Justiça para os acusados desse crime, porque este não é tipificado no Código Penal. E, no meio do distúrbio, torna-se impossível identificar quem deu a paulada, quem atirou a pedra que causou a morte da vítima.

            É uma situação que nós estamos vivendo.

            Um jovem torcedor vai a um estádio, arranca-se uma privada, num ato de selvageria, joga-se essa privada em cima de um grupo que está numa fila, protegido, pela polícia, e perde-se uma vida dessa maneira.

            Agora uma jovem dona de casa, por conta de boatos e notícias não checadas, circulando na internet, é linchada. Eu vou contar isso daqui a pouco, depois de ouvir o aparte do Senador Pedro Taques.

            Eu estou achando que nós temos que, de algum jeito, fazer algo, cada um no seu cada um. Nós aqui estamos tentando o novo Código Penal, mas todos podem fazer algo. São 52 mil assassinatos por ano no nosso País. Cinquenta e dois mil! 

            Agora, o pior que nós podemos fazer é transformar esse tema num enfrentamento ideológico-partidário. Esse é um problema do nosso País.

            Eu ouço o Senador Pedro Taques, com muita satisfação.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Parabéns, Senador Jorge Viana, pelas suas reflexões a respeito desse infeliz acontecimento. Acompanhei com V. Exª aquele momento triste do Estado do Acre, quando V. Exª era o Governador, e existia uma simbiose do crime organizado com o próprio Estado. Esse caso que V. Exª está a trazer dessa chacina mostra que cada um de nós tem dentro de si um animal - não é isso? -, um animal irracional. Mas muitas vezes isso é a ausência total do Estado. Não estou dizendo o Estado como unidade federada; não estou dizendo o Estado União, o Estado Município. Estou dizendo Estado como organização política, porque só naquelas sociedades em que há descrença na lei, em que há descrença nas instituições e em que há descrença na resposta das instituições ocorrem acontecimentos como esse, grassa um infeliz acontecimento. Mostra também que a rede mundial de computadores é algo que nós devemos valorizar todos os dias. Não podemos regrar a rede mundial de computadores, mas, assim como existiam os fuxicos, as fofocas na época da Inquisição, quando pessoas eram torturadas, condenadas e mortas, queimadas por uma simples acusação de fofoca, a rede mundial de computadores também muitas vezes nos traz essa preocupação. Se nós formos buscar, na história universal, muitos acontecimentos como esse triste acontecimento ocorreram em razão de uma informação equivocada. Parabéns pela sua fala!

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Muito obrigado, caro colega Senador Pedro Taques.

            Há duas questões que eu queria abordar. Primeira, como nós devemos abordar qual o formato adequado para lidar com a violência? Quando começaram a invadir campos de futebol na Europa, a impedir o jogo,...

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - ... a mudar situações de uma simples disputa esportiva, eles estabeleceram regras, determinando: “Não vai mais ficar famoso quem invadir o gramado. Não se vai fazer a imagem de quem invadir. Ele vai ficar sem frequentar os estádios e vai ser punido imediatamente.” Até as grades dos estádios foram tiradas porque ninguém mais ousou invadir campo.

            Então, tem de se encontrar uma abordagem. O que não dá para aceitarmos é algo que vimos aqui. E eu queria fazer um apelo: que a própria imprensa reflita sobre isso, a televisão... Como vamos abordar isso na internet? O retrato falado que permeou todas essas publicações e que levou à morte da Fabiane surgiu na investigação de uma tentativa de sequestro ocorrido em Ramos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Em agosto de 2012, a jovem Daniela Mendes - é o caso - voltava de um...

(Interrupção do som.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Peço dois minutos pelo menos para que eu possa concluir, Sr. Presidente.

            A jovem Daniela Mendes - é o caso - voltava de um posto de saúde com a filha recém-nascida no braço e foi abordada por uma mulher que cortou sua garganta e lhe tomou a criança. Isso ocorreu em 2012. Um serralheiro que passava no local viu a ação e retirou o bebê da agressora. A ocorrência foi registrada na 21ª Delegacia de Polícia de Bonsucesso, e esse caso segue sem solução.

            Daniela informou que a autora era negra, forte, tinha 1,6m e aproximadamente 25 anos. Daí saiu um retrato falado. O retrato falado que circulou em Santa Catarina, em Pernambuco e que estava circulando na rede de internet, em alguns sites lá no Guarujá,...

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - ... esse mesmo retrato falado que ajudou a ocasionar essa reação toda que apareceu na internet, vejam só, é bem diferente, mas foi o causador da morte, na segunda-feira, de Fabiane, de 33 anos, que era branca e magra.

            Então, vejam: é algo muito perigoso. Alguns sites de notícia de violência reproduzem tudo o que lhes chega, não checam nada e estimulam uma população a cometer uma barbaridade como essa.

            Por isso que falo: como vamos abordar isso? Acho que é um apelo que temos que fazer a todos os veículos de comunicação. Estamos vivendo o resultado de uma revolução tecnológica, todo mundo tem um celular na mão, todo mundo tem um veículo de comunicação na mão, e isso passou de ser perigoso, isso está causando vítimas.

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Vejam, Sr. Presidente e todos os que me acompanham aqui no plenário, na terça-feira, a polícia prendeu o eletricista Valmir Dias Barbosa, de 47 anos, que apareceu batendo em Fabiane com uma tora de madeira, em vídeos de cinegrafista amador. Ele foi filmado! E, aí, Senador Pedro Taques, segundo a polícia, ele confessou a participação no linchamento e disse que agiu assim por ter acreditado em informações passadas por vizinhos. À imprensa, Barbosa disse que está arrependido, mas moradores da região relataram que ele andou pelo bairro se gabando pelo feito, no dia seguinte ao linchamento.

            Ouço, para encerrar, V. Exª, Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Senador Jorge, V. Exª...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - ... nesta reflexão fez algumas indagações: por que existe linchamento, situações como essa? Imagine o seguinte, num determinado momento histórico, cada um de nós abriu mão de parcela dos nossos direitos e os colocou sob a responsabilidade de um ser mais forte do que todos que recebe o nome de Estado; alguns chamavam-no de Leviatã, o Estado. Se o Estado não cumpre o seu papel, se o Estado é omisso, o cidadão começa a fazer justiça com as próprias mãos. Portanto, precisamos entender que 52 mil homicídios, 53 mil estupros - mais estupros que homicídios...

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Temos 20 mil casos de chacinas como essa na história, não é um caso agora, não - 20 mil!

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Vinte mil casos! Isso mostra que os cidadãos, uma parcela deles, não confiam mais nas instituições como instrumento de resolução desses conflitos.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - A lei é um instrumento para que possamos viver bem, dentro do que se denomina comunidade. A lei é o limite, mas o Estado, de acordo com a Constituição, tem o dever fundamental de proteger o cidadão. Só que, no Brasil, entende-se que a palavra repressão teria um conteúdo político-ideológico que existia na época escura da ditadura. Hoje nós vivemos em uma democracia. Lá na ditadura, a palavra repressão tinha um conteúdo político-ideológico. Com a Constituição de 1988, deu-se às palavras uma outra compreensão, uma outra dimensão. O que eu quero dizer com isso? Nós não podemos viver sem o dever fundamental do Estado de proteger o cidadão. Agora, o Estado tem protegido de forma insuficiente em algumas situações. No Brasil, nós temos 550 mil presos.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Pedro Taques (Bloco Apoio Governo/PDT - MT) - Quinhentos e cinquenta mil presos! Prende-se muito ou prende-se mal? Essa é uma pergunta que também deve ser feita. Prende-se muito e prende-se muito mal no Brasil. Existem muitas pessoas que deveriam estar presas, e estão aqui fora, e existem pessoas que estão lá e que deveriam estar fora. Portanto, a ausência do Estado faz com que sentimentos primitivos, atávicos possam surgir, como esses, porque se o cidadão confia nas instituições, confia na lei, no limite da lei, não há que se falar em acontecimentos tristes como esse.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu agradeço o aparte, mais uma vez, do Senador Pedro Taques.

            Só quero dizer que é lamentável ter que vir à tribuna tratar de temas como esse. Eu acho que também está havendo um certo embrutecimento da sociedade. Eu não sei quanto nós devemos conversar, discutir sobre família, sobre criação...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Fora do microfone.) - Eu vejo países pobres que não recorrem à violência.

            Temos situações aqui no nosso País que têm conquistado quase pleno emprego, que têm criado condições melhores para algumas estruturas do Estado importantes. Vejam só como ficaram os salários de membros do Judiciário, a estrutura de poder do Judiciário, mas será que a resposta está sendo adequada? Será que nós, aqui, do Parlamento estamos dando a resposta adequada aprovando, rapidamente, o novo Código Penal? Só nós não podemos transformar esse crime ou esses crimes que nos envergonham a todos em algo que seja de um ou de outro; é de todos nós.

            Eu espero sinceramente que tomemos atitude porque estão deixando de ser exceção crimes como esses; estão passando a ser regra. E a violência não pode seguir crescendo no nosso País como vem crescendo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2014 - Página 160