Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Dom Tomás Balduino, bispo emérito da Cidade de Goiás e fundador da Comissão Pastoral da Terra.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Dom Tomás Balduino, bispo emérito da Cidade de Goiás e fundador da Comissão Pastoral da Terra.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2014 - Página 275
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, TOMAS BALDUINO, BISPO, ESTADO DE GOIAS (GO), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LEITURA, TEXTO.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, venho a esta tribuna homenagear o amigo e companheiro Dom Tomás Balduino, Bispo emérito da Cidade de Goiás e fundador da Comissão Pastoral da Terra.

            Presto minhas homenagens a partir de um poema de Bertolt Brecht, que muito ilustra sua trajetória de vida: Abro aspas, "Há homens que lutam um dia e são bons; há outros que lutam um ano e são melhores; há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons; porém há os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis."

            Sem sombra de dúvidas, Dom Tomás é um desses imprescindíveis.

            Em um momento de ofensiva contra os direitos dos povos indígenas, dos trabalhadores sem terra, quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores, a autoridade moral, a firmeza ideológica e o compromisso militante com a luta pelo direito à terra, marcas sempre presentes na vida de Dom Tomás, nos farão muita falta.

            No entanto, tenho convicção de que a vida de plenitude e comunhão de Dom Tomás com os mais empobrecidos continuarão sendo exemplo de inspiração e luta para todos que acreditam e mantêm viva a luta por um mundo melhor, mais fraterno e com justiça social.

            Dom Tomás nunca se distanciou de seus ideais e de suas tarefas militantes. Mesmo com a saúde comprometida, ele nunca deixava de se preocupar com a questão da terra, mantendo-se sempre atualizado sobre os conflitos agrários, sobre as questões que envolvem a disputa fundiária em nosso País. Também pastor, dedicado e presente, nunca deixava de fazer suas preces e orientar quem buscava consolo e a palavra amiga.

            Ao recém completar 91 anos, Dom Tomás Balduíno, o Bispo da reforma agrária e dos indígenas, nos deixa seu exemplo de luta, fé, esperança e crença no Deus dos pobres. Ficamos, todos e todas, um pouco órfãos, mas seguimos na certeza de que Dom Tomás está e estará presente sempre nos pés que marcham por este País e nas bandeiras que tremulam por este mundo em busca de uma sociedade justa e fraterna.

            De origem goiana, Dom Tomás, nasceu em Posse, no último dia de dezembro de 1922.

            Filho de um goiano com uma paulista, seu nome de batismo é Paulo Balduino de Sousa Décio. Foi o último filho homem de uma família de 11 irmãos, sendo oito mulheres e três homens. Ao tornar-se religioso dominicano, recebeu o nome de Frei Tomás, como de costume à época.

            Ainda na infância, mudou-se de Posse para Formosa, cidade localizada no Planalto Central, onde seu pai desempenhou as funções de promotor público e, depois, de juiz, aposentando-se neste último cargo.

            Após sua decisão de dedicar toda a sua vida à Igreja, mudou-se para a cidade mineira de Juiz de Fora, com o intuito de cursar o seminário da Escola Apostólica Dominicana. Estudante dedicado, posteriormente foi aprovado no curso de Filosofia, em São Paulo, e, posteriormente, Teologia, em Saint Maximin, na França, onde também fez mestrado na mesma área de conhecimento.

            Aos 28 anos, lecionou Filosofia em Uberaba. Em virtude de seu talento e dedicação no magistério, foi convidado para assumir a vice-reitoria da conceituada Escola Apostólica Dominicana, em Juiz de Fora, acumulando com as funções de professor da Faculdade de Filosofia da cidade.

            O início de seu compromisso com a causa indígena se deu em 1957, quando foi nomeado superior da missão dos dominicanos da Prelazia de Conceição do Araguaia, Estado do Pará, onde viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época, a Pastoral da Prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para desenvolver um trabalho mais eficaz junto aos índios, fez mestrado em Antropologia e Linguística na Universidade de Brasília, concluído em 1965.

            Estudou e aprendeu a língua dos índios Xicrin, do grupo Bacajá, e Kayapó.

            Para melhor atender à enorme região da Prelazia, que abrangia todo o Vale do Araguaia paraense e parte do Baixo Araguaia mato-grossense, fez o curso de piloto de avião. Amigos solidários da Itália o presentearam com um avião teco-teco, com o qual prestou inestimável serviço, sobretudo no apoio e articulação dos povos indígenas,

            Em ano em que se relembra o cinquentenário da ditadura militar no Brasil, não poderia deixar de mencionar a heróica contribuição de Dom Tomás na proteção e no resgate de militantes de esquerda perseguidos pelo regime nos anos de chumbo.

            Em 1965, ano em que terminou o Concílio Ecumênico Vaticano II, foi nomeado Prelado de Conceição do Araguaia. Lá viveu, Sr. Presidente, de maneira determinante e combativa os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam na região com os incentivos fiscais da então Sudam, que invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas - os posseiros - e traziam trabalhadores braçais de outros Estados, sobretudo do Nordeste brasileiro, que eram submetidos, muitas vezes, a regime de trabalho análogo à escravidão.

            Em 1967 foi nomeado Bispo Diocesano da Cidade de Goiás. Nesse mesmo ano foi ordenado Bispo e assumiu o pastoreio da Diocese, na qual permaneceu durante 31 anos, até 1999, quando, ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e mudou-se para Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, a maior parte do tempo, com a ditadura militar (1964-1985).

            Dom Tomás, junto à Diocese de Goiás, procurou adequar a entidade ao novo espírito do Concilio Ecumênico Vaticano II e de Medelín (1968). Por isso sua atuação, ao lado dos pobres, no espírito da opção pelos pobres, marcou profundamente a Diocese e seu povo. Lavradores reuniam-se no Centro de treinamento onde Dom Tomás morava para definir suas formas de organização e suas estratégias de luta. Essa atuação provocou a ira do Governo militar e dos latifundiários, que perseguiram e assassinaram algumas lideranças dos trabalhadores.

            Em julho de 1976, Dom Tomás foi ao sepultamento do Padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororó, assassinados pelos jagunços na aldeia de Merure, Mato Grosso. Em sua agenda estava programada uma outra atividade. Soube depois, por um jornalista, que, durante esta atividade programada, estava sendo preparada uma emboscada para eliminá-lo.

           Alguns movimentos nacionais como o Movimento do Custo de Vida e a Campanha Nacional pela Reforma Agrária encontraram apoio e guarida de Dom Tomás e nasceram na Diocese de Goiás.

           Dom Tomás foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Nas duas instituições, Dom Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a 2005. A Assembléia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente.

           Depois de deixar a Diocese, além de ser presidente da CPT, desenvolveu uma extensa e longa pauta de conferências e palestras em seminários, simpósios e congressos tanto no Brasil quanto no exterior. Por sua atuação firme e corajosa recebeu diversas condecorações e homenagens Brasil afora. Em 2002, a Assembléia Legislativa do Estado de Goiás lhe concedeu a Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira. No mesmo ano recebeu o Título de Cidadão Goianiense, outorgado pela Câmara Municipal de Goiânia.

           Foi designado, em 2003, membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES, do Governo Federal. Foi também nomeado membro do Conselho Nacional de Educação.

           No dia 8 de novembro de 2006, Dom Tomás recebeu da Universidade Católica de Goiás (UCG) o título de Doutor Honoris Causa, devido ao seu comprometimento com a luta pelo povo pobre.

           Em 2012 a Universidade Federal de Goiás (UFG) também lhe outorgou o título de Doutor Honoris Causa. Em dezembro do mesmo ano, durante as comemorações dos seus 90 anos, a CPT homenageou-o, dando o seu nome ao Setor de Documentação da Secretaria Nacional, que passou a se chamar "Centro de Documentação Dom Tomás Balduino".

           Os ideais de Dom Tomás, de uma sociedade que respeita os indígenas e seus territórios, assim como o sonho de um País democrático no acesso à terra estão sendo ameaçados no Parlamento. Cito, em especial, Sr. Presidente, as PECs nº 38 e 215, que limitam as demarcações das terras indígenas.

            Há 15 anos, tramita aqui no Congresso outra proposta legislativa, a qual tinha o apoio integral de Dom Tomás, que é a PEC do Trabalho Escravo. A PEC autoriza a expropriação de imóveis urbanos e rurais onde for constatada mão de obra análoga à escravidão.

            É com o espírito de luta, a coragem, a fé e a determinação de Dom Tomás Balduino que seguiremos firmes, resistindo contra todo tipo de ataque, contra toda a ofensiva de setores conservadores que atuam diuturnamente para cassar direitos constitucionais duramente conquistados pelos povos indígenas, contra o genocídio desses povos e na luta pela defesa da reforma agrária, pela democratização do acesso à terra e por condições de trabalho dignas no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em homenagem à luta de Dom Tomás, trago a poesia Vida e Revida, um adeus a nosso mestre e Pastor Dom Tomás Balduino, escrita por Ademar Bogo.

            Quero aqui, Sr. Presidente, fazer a leitura desta poesia:

Vida e Revida

Como a flor cheirosa, do campo se despede;

Dobra-se ao ciclo da eterna evolução

Fica a semente que a mão do vento expede

Com seu murmúrio em forma de canção.

Canção de vida que na morte é revida...

Revida, renascendo em testemunho dado!

Revida, em luta do índio revoltado!

Revida, em marcha do camponês magoado!

Revida, mulher pobre, branca, negra e homem favelado...

Por um instante, desçam do alto dos mastros as bandeiras;

Cale-se a terra concentrada, lamentando a perda...

Juntem-se os pés nas bases das fileiras...

Caia sincera a lágrima da pálpebra esquerda...

Juntem-se as mãos deixando os gestos vãos...

Baixe o olhar em sinal de respeito

Ergam-se os braços em forma de oração

Dobre-se o corpo, inclinando o peito.

Não é por dor, tampouco por tristeza!

Mas pelo brilho da obra e sua grandeza

Que fez a vida profetizadora...

Se a natureza a põe interrompida...

Não haverá nenhuma despedida

Se cada mão for sua continuadora.

Fica o exemplo firme e militante...

A crítica e o desprezo aos governantes

Que não ouviram as suas sugestões.

Fica um bendito a quem com luta espera...

A maldição aos que tomam a terra

E a esvaziam de suas populações.

Fica o chamado para o seguimento...

Para os valores e o bom comportamento

Na formação da consciência humanista.

Vigiai por nós enquanto caminhamos;

Que aqui ficamos e de ti lembramos

De punho erguido e frontes otimistas...

Assim sentimos leve o nosso coração

Pois com certeza irás ao panteão

Onde estão os grandes socialistas.

4 de maio de 2014

            Então, Sr. Presidente, essa é minha homenagem a Dom Tomás Balduino, um grande batalhador pela justiça social e pelos direitos humanos em nosso País.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2014 - Página 275