Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre as diretrizes básicas estabelecidas no Marco Civil da Internet.

Autor
Eduardo Braga (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Carlos Eduardo de Souza Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Comentários sobre as diretrizes básicas estabelecidas no Marco Civil da Internet.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2014 - Página 384
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, MARCO REGULATORIO, UTILIZAÇÃO, INTERNET, DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, APROVAÇÃO, SENADO.

            O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Maioria/PMDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, usuários das redes sociais, a sociedade brasileira vive um momento de grande expectativa. Após quase cinco anos de discussões e de intensos debates, o projeto do Marco Civil da Internet chega à votação final no Plenário desta Casa. Esse é um projeto ímpar, e que reflete os novos tempos da democracia brasileira, tempos esses que eu ousaria chamar de "democracia digital".

            O texto do Marco Civil da Internet começou a ser construído em 2009, a partir de uma parceria firmada entre o Ministério da Justiça e o então Centro de Tecnologia e Sociedade, da Fundação Getúlio Vargas. A idéia inicial era construir um texto que não fosse definido em um gabinete fechado, elaborado por burocratas do governo, e que tivesse uma legitimidade e uma construção aceita e participativa por parte da sociedade civil. A partir dessa idéia inicial, foi criado um blog hospedado no Ministério da Cultura, no qual foi aberto o debate público, recolhendo sugestões de toda a sociedade, tomando por base os dez Princípios para a Governança da Internet no Brasil, aprovados pelo Comitê Gestor da Internet - CGI.br.

            Muito bem. A partir daí, em 2011, o governo encaminhou o projeto à Câmara dos Deputados, onde os debates prosseguiram e onde, novamente, a sociedade brasileira pôde participar, não apenas durante as audiências públicas, mas também por intermédio do Portal Democracia, da Câmara dos Deputados. Todas essas contribuições, todos esses debates, aperfeiçoaram o projeto enviado pelo governo, que, após a competente relatoria do Deputado Alessandro Molon, foi aprovado pelo Plenário daquela Casa.

            Aqui no Senado, o texto do PLC nº 21/2014 tem sido objeto de debates, de discussões, nas audiências públicas conjuntas que foram realizadas pelas Comissões permanentes por onde tramitou a matéria por força regimental: CCT, CMA e CCJ. Mas antes mesmo que esse projeto aqui chegasse, Senhor Presidente, nós Senadores já realizávamos audiências públicas no âmbito da CCT, por entendermos a importância da matéria, e por sabermos que ela aqui chegaria com a urgência constitucional solicitada pela Presidenta da República, o que nos deixaria muito pouco tempo para discutir o assunto.

            Quero aqui destacar, como Líder do Governo nesta Casa, que a Presidenta da República solicitou urgência para a tramitação da matéria diante das gravíssimas denúncias de espionagem veiculadas pelo senhor Edward Snowden. De acordo com essas denúncias, a Presidenta Dilma foi alvo direto de espionagem realizada pela National Securíty Agency - NSA, dos Estados Unidos, em flagrante violação às normas de direito internacional e à soberania brasileira.

            Diante disso, não podemos mais negar que a normatização do espaço cibernético é uma necessidade.

            A internet que, recentemente, completou 25 anos de existência, cresceu de forma espantosa, desde o seu surgimento no Brasil, em meados da década de 1990. Inicialmente restrita ao meio acadêmico e militar, a internet se expandiu e, hoje, temos mais de 100 milhões de pessoas no Brasil com acesso à rede; dessas, praticamente metade, ou seja, 50 milhões de pessoas declararam ter festo pelo menos uma operação de compra e venda na internet no ano passado. Por isso, o mercado brasileiro de e-commerce está estimado em R$ 30 bilhões por ano.

            Mas não é apenas pelo volume de e-commerce que a internet é importante. Os Inúmeros serviços prestados pela rede mundial de computadores a transformaram numa verdadeira plataforma de comunicações global, com acesso instantâneo a áudio, vídeo, programas educacionais, e diversos outros recursos. Por tudo isso, a internet hoje é um patrimônio, não apenas dos brasileiros, mas de toda a humanidade.

            Daí a necessidade de sua regulamentação. A importância do espaço cibernético na atualidade impõe que o Estado brasileiro legisle sobre ele, não apenas para garantir que a internet continue sendo o espaço democrático que sempre foi, mas também para proteger os cidadãos brasileiros contra o crime e a espionagem virtuais.

            Esse é o espírito do Marco Civil da Internet.

            Ele está baseado sobre três pilares inegociáveis: a privacidade do usuário; a neutralidade de rede; e a garantia da liberdade de expressão.

            E quando falamos em privacidade, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, reafirmamos os princípios já consagrados na Constituição Federai, reafirmamos a necessidade do sigilo dos dados pessoais, reafirmamos o respeito à vida privada do cidadão.

            O Marco Civil procura estabelecer regras claras para que isso ocorra na prática; para que o Judiciário possa, de fato, fazer valer o que diz a Constituição.

            Isso é fundamental, não apenas para a segurança da rede, mas também para que a vida privada do cidadão brasileiro não se transforme numa mercadoria da internet: hoje é muito fácil a venda de dados de navegação do usuário, identificando seu perfil de consumo e fluxo de navegação. Isso pode até acontecer, desde que seja autorizado previamente pelo internauta. É nesse sentido que caminha o Marco Civil da Internet.

            Outro pilar do projeto é a neutralidade de rede. Esse é um ponto polêmico, mas absolutamente fundamental. A internet aberta e livre, como a conhecemos atualmente, decorre da neutralidade como um principio da arquitetura da rede.

            Esse princípio não permite que a camada de infraestrutura domine ou determine aquilo que trafega na camada de aplicações, que são os sites, os blogs, os aplicativos que conhecemos.

            Para ilustrar esse conceito, faço uma comparação com o setor de energia: a rede elétrica transporta eletricidade sem fazer distinção de que tipo de equipamento será alimentado, que tipo de usuário utiliza aquele equipamento ou qual a origem da eletricidade.

            Ela simplesmente leva a energia de um ponto a outro, atendendo à demanda dos consumidores.

            Isso é o que significa neutralidade de rede. E o pilar que sustenta essa neutralidade é o tratamento isonômico dos pacotes de dados. Quebrar esse princípio significa criar dois tipos de internet no Brasil: a dos pobres -limitada e com poucos recursos, e a dos ricos - ilimitada e com acesso a todos os recursos da rede.

            O terceiro pilar do Marco Civil é a liberdade de expressão. Novamente, aqui, trata-se de reafirmar o que diz a Constituição Federal, que garante a livre manifestação do pensamento.

            A partir da internet, o cidadão, que até então era apenas um receptor passivo da informação veiculada pelos meios de comunicação de massa, passou a produzir essa informação, tornando-a disponível numa escala global. Essa é uma conquista fundamental de todos nós, que agora podemos nos fazer ouvidos em qualquer lugar do mundo.

            Mas é preciso lembrar que a internet não é um espaço público, como poderíamos classificá-lo do ponto de vista estritamente jurídico.

            Ela é constituída de espaços privados, ou seja, plataformas de vídeos, blogs ou redes sociais, que são espaços privados de discussão, mas que têm impacto público, na medida em que constituem instrumentos de livre manifestação de todos os cidadãos. Então isso precisa ser preservado e regulamentado.

            Além desses três pilares fundamentais, o projeto do Marco Civil da Internet estabelece outros princípios para a disciplina da internet no Brasil, princípios esses que, a meu ver, guardam também uma correspondência com a Constituição Federal, quais sejam:

            1) o respeito aos direitos humanos; 2) o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; 3) a pluralidade e a diversidade; 4) a abertura e a colaboração; 5) a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

            Por tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, podemos dizer, sem sombra de dúvida, que o projeto do Marco Civil se configura como uma verdadeira Constituição da Internet no Brasil. Por isso lutamos tanto por sua aprovação, porque sabemos da sua importância para a sociedade brasileira.

            Além de tudo o que já disse, é importante destacar também que o Brasil está vivendo um momento amplamente favorável para a aprovação da matéria. Nos próximos dias 23 e 24 de abril estaremos recebendo, em São Paulo, o encontro da Net Mundial sobre governança da internet. Será um momento em que todos os olhos do mundo das comunicações estarão voltados para o nosso País, e um momento ideal para que possamos apresentar à comunidade internacional a nossa contribuição para a normatização da internet - uma contribuição absolutamente democrática e cidadã, como é o Marco Civil.

            Aproveito que estamos nos aproximando da Copa do Mundo para dizer que esta é uma oportunidade histórica para o Brasil marcar um gol de placa em matéria de regulação da internet, criando uma referência para o assunto em termos mundiais,

            Já finalizando meu pronunciamento, Senhor Presidente, gostaria apenas de ler um comunicado divulgado no último dia 24 de março, pelo físico britânico Tim Bames-Lee, considerado o "pai da web", em apoio ao projeto do Marco Civil da Internet no Brasil.

            Diz o comunicado (abro aspas):

            Neste ano em que celebramos o aniversário da Web, as pessoas em todos os lugares estão exigindo que seus direitos humanos sejam protegidos online. Se o Marco Civil for aprovado, sem mais demora ou alteração, este seria o melhor presente de aniversário possível para os usuários da Web brasileira e mundial. Espero que ao aprovar essa lei, o Brasil consolide sua orgulhosa reputação como um líder mundial em democracia e progresso social e ajude a inaugurar uma nova era - aquela em que os direitos dos cidadãos em todos os países ao redor do mundo serão protegidos por uma carta de direitos digital.

            Assim como a Web, o Marco Civil foi construído por seus usuários - o processo inovador, inclusivo e participativo de sua elaboração resultou em uma política que equilibra os direitos e responsabilidades dos indivíduos, governos e empresas que utilizam a internet Claro que ainda há discussão em torno de algumas áreas, mas, finalmente, o projeto de lei reflete a Internet como ela deve ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, em que os usuários são o motor para a colaboração e a inovação. É elogiável que o projeto tenha, entre seus fundamentos, a garantia aos direitos humanos, tais como a privacidade, a cidadania e a preservação da diversidade e da finalidade social da Web (fecho aspas).

            Antes de encerrar meu pronunciamento, Senhor Presidente, gostaria de cumprimentar o Deputado Alessandro Molon, pelo excelente trabalho que realizou na relatoria desse projeto na Câmara dos Deputados, construindo o texto que possibilitou chegarmos até este momento importante para o Congresso Nacional e para a sociedade brasileira.

            Finalizando, como Líder do Governo, encaminho a votação pela aprovação do PLC nº 21/2014, que institui o Marco Civil da Internet no Brasil.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2014 - Página 384