Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contrariedade à tentativa do Governo Federal de estender o Regime Diferenciado de Contratação a todas contratações da administração pública.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Contrariedade à tentativa do Governo Federal de estender o Regime Diferenciado de Contratação a todas contratações da administração pública.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2014 - Página 104
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, TENTATIVA, GOVERNO FEDERAL, EXTENSÃO, REGIME ESPECIAL, CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS, RELAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós teremos pela frente um debate, certamente nos próximos dias, sobre a Medida Provisória nº 630, que estende o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) a todas as licitações e contratos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

            A primeira indagação: por que isso, sobretudo agora, no momento em que se debate no País escândalos de corrupção que envolvem não somente a Petrobras, mas outras áreas da Administração Pública? Por que discutir isso agora, quando a denúncia de superfaturamento de obras, especialmente aquelas destinadas à realização da Copa do Mundo, é recorrente?

            A toda hora, a todo momento, repete-se a denúncia de que as obras estão superfaturadas. Elas são consequência desse Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Alegou-se a necessidade de conferir celeridade às providências visando à organização da Copa e escancaram-se as portas da Administração Pública para a corrupção no campo de obras realizadas.

            A oposição encaminhou ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade; obteve apoio do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, que prontamente destacou ser uma afronta à Constituição. Pelo menos dois Ministros do Supremo se anteciparam e afirmaram tratar-se de violência à Carta Magna. No entanto, essa ação direta de inconstitucionalidade não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

            Mas eu indago outra vez: por que o Governo pretende estender este regime para todas as obras, se o exemplo que temos é de permissividade, é de promiscuidade, é de corrupção?

            Eu vou, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ler um texto que aborda esta questão tecnicamente:

Este regime prevê prazos mais curtos e procedimentos simplificados para a contratação de obras e serviços de engenharia pela Administração Pública.

Pensado inicialmente para as contratações referentes aos Jogos Olímpicos [...] e a Copa do Mundo [...], a ampliação açodada de tal regime para aplicação indiscriminada na contratação de obras públicas, sem maiores reflexões e avaliações técnicas e jurídicas, causa-nos preocupação. Não há justificativa para essa precipitação!

Transferir, pura e simplesmente, a responsabilidade, pela falta de planejamento e eficiência da Administração Pública, à iniciativa privada, conforme preconizado no RDC, notadamente a partir da contratação integrada, pode resultar em problemas ainda maiores. Como se sabe, a contratação integrada abrange a elaboração dos projetos básicos e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, montagem, realização de testes, pré-operação e todas as outras operações necessárias à entrega do objeto contratado. Portanto, o projeto deixa de ser desenvolvido de forma independente.

Entendemos que o RDC, por si só, não irá resolver [...] os problemas decorrentes da falta de agilidade, qualidade e eficiência das contrações de obras públicas. Tais aspectos são importantes, mas o verdadeiro foco a ser perseguido deve ser o combate ao desperdício de recursos públicos, a escolha adequada de prioridades públicas e a qualidade dos serviços e das obras disponibilizados à população.

Por isso, preocupa-nos a previsão de que o valor estimado da contratação integrada será calculado com base em valores praticados pelo mercado, pagos pelo governo em licitações anteriores ou na avaliação do custo global da obra, examinada por orçamento sintético ou por estimativa. Essa preocupação aumenta ainda mais porque, no regime de contratação integrada, o futuro contratado está dispensado da apresentação de planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários e do detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas [...] e dos Encargos Sociais [...], que compuseram a proposta vencedora de certame.

Se não bastasse isso, mesmo no regime de contratação integrada, com todas essas liberalidades, existe a possibilidade de formalização de termos aditivos em duas situações: (i) recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou de força maior e (ii) no caso de necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração Pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado (observados os limites da Lei nº 8.666/93). Segundo o TCU, mesmo com a adoção do RDC, a formalização de aditivos permanece prática recorrente.

Não há como negar a importância de se imprimir maior velocidade à execução e à conclusão de determinada obra pública. Mas isso não se materializa apenas com a implantação do RDC. Pelo contrário, só será possível alcançar o resultado almejado se a referida obra pública tiver sido criteriosamente planejada. Pressa sem planejamento adequado só gera desperdício. E, nesse caso, desperdício de recursos públicos!

O abandono do planejamento como instrumento estratégico da Administração Pública pode vir a ser muito danoso à sociedade. Se as obras para a Copa 2014 - que deveriam ter sido planejadas no final de 2007, quando o Brasil foi escolhido como país sede - não andaram por falta de providências no tempo adequado, o Governo saca da cartola o Regime Diferenciado [...], instituído pela Lei 12.462, em 2011. O argumento à época era de que o RDC serviria para acelerar as obras para a Copa e Olimpíada. Às vésperas do início do Mundial, mais de 75% das obras de mobilidade urbana não saíram do papel ou estão longe de ficar prontas, apesar do RDC. Ainda assim, o Governo editou a MP 630 no apagar das luzes de 2013, ampliando o seu alcance. Agora, o projeto de conversão em lei da MP 630 propõe a adoção do RDC para todos os contratos públicos, inclusive para obras e serviços de engenharia. Tal iniciativa faz-nos lembrar a máxima de que "Quando alguém não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve".

O argumento de que o novo regime, notadamente quando aplicada a contratação integrada, implica "agilidade" e menor custo não [...] verdadeiro. Reportagem de fevereiro do jornal Valor mostrou que a redução de custos foi de apenas 5%, em média, e muitas licitações por RDC fracassaram. De fato, o RDC, através da inversão de fases,...

(Soa a campainha.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR) -

... com apresentação do preço em primeiro lugar, agiliza o processo da licitação. Porém, o Governo não divulga a quantidade de licitações fracassadas, revogadas, canceladas e desertas. No caso do DNIT, as licitações sem sucesso chegam a 1/3 das realizadas entre setembro de 2012 a março de 2014, conforme levantamento feito pelos “sites” do próprio DNIT, do DOU, do Comprasnet e do Portal da Transparência.

A questão do orçamento sigiloso nas licitações é outro ponto que merece um registro: como se sabe, o que é divulgado é do conhecimento de todos e o sigilo é do conhecimento de poucos. Em se tratando de licitação pública, o recomendável é a publicidade e não o sigilo.

            (Interrupção do som.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR) - O sigilo beneficia os mais próximos do poder. O sigilo valoriza o tráfico de influência. Certamente não é esse o caminho para a lisura nos procedimentos administrativos.

Por fim, o anteprojeto preconizado pelo RDC não permite à Administração Pública conhecer com detalhes o que estará adquirindo, pois a única maneira de conhecer com precisão o que será feito é contratar a execução da obra com base no projeto executivo completo. Na realidade, o RDC representa a forma mais rápida de comprar potenciais bombas-relógio em termos de qualidade e durabilidade. Se o Órgão Contratante, ou melhor, o Poder Público não definir com precisão o que quer, vai receber o que não quer. E o Poder Público não pode fugir dessa responsabilidade.

            (Soa a campainha.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR) - Estou concluindo, Sr. Presidente.

A "agilidade" na contratação e na execução de obras e o preço mais baixo podem aparentemente funcionar, no curto prazo. Quem sabe, para atender projetos eleitorais de ocasião. Mas custarão muito caro adiante. Não há como fugir dessa constatação: ou os governos adotam conceitos rigorosos de planejamento, contratando projetos previamente, com o prazo necessário ao seu bom desenvolvimento e, a partir daí, definindo a empresa que executará a obra, ou seguiremos com essa política de atirar no escuro. A vítima será a sociedade, que sempre paga a conta, diz José Roberto Bernasconi, presidente do [...] Sindicato da Arquitetura e da Engenharia.

O mérito do RDC, quando aplicado em casos bem específicos e determinados, deve ser reconhecido. Mas não se pode...

            (Interrupção do som.)

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco Minoria/PSDB - PR) -

Mas não se pode nem se deve eleger esse regime de contratação como a cura divina de todos os males decorrentes da letargia e ineficiência da máquina administrativa, conforme está sendo proposto.

            Por isso, Sr. Presidente, cautela na apreciação dessa proposta.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2014 - Página 104