Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre relatório da Comissão Pastoral da Terra intitulado “Conflitos no Campo Brasil 2013” e homenagem a Dom Tomás Balduino, falecido no último dia 2, por sua atuação em defesa de causas populares.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA, POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS.:
  • Comentários sobre relatório da Comissão Pastoral da Terra intitulado “Conflitos no Campo Brasil 2013” e homenagem a Dom Tomás Balduino, falecido no último dia 2, por sua atuação em defesa de causas populares.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2014 - Página 195
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA, POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, PESQUISA, COMISSÃO, IGREJA CATOLICA, RELAÇÃO, AUMENTO, CRIME, CONFLITO, AMEAÇA, MORTE, CAMPO, ENFASE, COMUNIDADE INDIGENA, COMUNIDADE, QUILOMBOS.
  • HOMENAGEM POSTUMA, APRESENTAÇÃO, VOTO DE PESAR, MORTE, TOMAS BALDUINO, BISPO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, RELAÇÃO, LUTA, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Apoio Governo/PSB SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a V. Exª.

            Coincidentemente, sobre o mesmo assunto eu estava inscrito para falar. Dom Tomás uma grande figura, conhecida em todo o Brasil pela sua luta em favor dos índios, das minorias, daqueles que viviam nas paisagens rurais do Brasil, que sofriam a perseguição dos mais fortes, dos mais poderosos, e ele estava ali ao lado dos pequenos, dos menores, para defendê-los contra os mais fortes.

            Apresentei requerimento e farei a leitura de um relatório, uma síntese do relatório que foi efetuado pela Comissão Pastoral da Terra e publicado agora, em 2013, intitulado: “Conflitos no Campo Brasil 2013”.

            Esse documento é o mais completo levantamento de dados sobre as principais mazelas das áreas rurais de nosso País. São dados que a Comissão Pastoral da Terra publica anualmente desde 1985. A entidade é a única a realizar tão ampla pesquisa da questão agrária em escala nacional.

            Nos últimos dez anos, a Comissão Pastoral da Terra contabiliza 338 pessoas mortas no campo em decorrência de conflitos. Outras 2.282 pessoas foram ameaçadas de morte.

            Neste ano, a CPT chama atenção para o número de 15 índios mortos em 2013, o que representa quase metade do número de vítimas fatais por conflitos no campo no ano passado. Foram 34 homicídios no total, apenas dois a menos que em 2012.

            Os conflitos no campo de hoje têm relação direta com avanços sem limites da apropriação privada sobre os recursos naturais, como as terras e as águas, o movimento do capital que não respeita o meio ambiente, que violenta as culturas locais e explora o próprio ser humano, haja vista a persistência do trabalho escravo, a superexploração do trabalho e a reação indignada dos protestos de trabalhadores rurais.

            O relatório “Conflitos no Campo Brasil 2013” da CPT destaca também os conflitos em tempos de seca. São as ações coletivas de reivindicações por condições básicas de sobrevivência e políticas de convivência com o Semiárido, que acontecem nas áreas de estiagem do Nordeste.

            Os conflitos no campo também aparecem na ausência ou falhas de políticas públicas. É a falta de infraestrutura, é a falta de serviços básicos de educação e saúde, é a falta de assistência técnica e também de crédito, é a má gestão da política de assentamentos, como desvios de recursos, assentamentos em áreas inadequadas, redução de áreas de posseiros para implantação de assentamentos, não implementação dos procedimentos exigidos para se ter acesso a determinados benefícios.

            Os problemas não têm soluções fáceis, mas devem ser enfrentados com urgência pelas autoridades governamentais.

            Ainda hoje, segundo a CPT, existem 241 pessoas no campo que são ameaçadas de morte por causa desses conflitos. Dessas pessoas, 40 são mulheres.

            Além disso, ainda se verificam despejos judiciais que são executados de forma violenta, com as famílias vendo seu bens serem destruídos, suas plantações de subsistência arrasadas. Isso quando a expulsão não é feita pela força privada.

            Sr. Presidente, é verdade que a redução da violência no campo exige o enfrentamento eficaz da criminalidade por parte das autoridades. A impunidade continua sendo a regra para aqueles que praticam a violência ou crimes como a exploração do trabalho escravo e o aliciamento de trabalhadores.

            Mas eu gostaria de chamar a atenção para um problema que é central: a necessidade que temos, como Nação, de conhecer melhor e aprender a valorizar a rica cultura de nossas populações tradicionais. Esse é um traço fundamental da contribuição que a população brasileira pode dar para reduzir a violência no campo.

            Em grande número dos conflitos, o que está em disputa é o território. Não é simplesmente a terra, o bem imóvel, mas a terra onde vivem e se desenvolvem as chamadas comunidades tradicionais, como os índios, os quilombolas, e tantos outros grupos com diferentes denominações identitárias, como geraizeiros, seringueiros, camponeses de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses, etc.

            Essas populações tradicionais são portadoras de referências à identidade, à ação e à memória da formação da sociedade brasileira. Seus modos de viver, produzir e de se expressar constituem legítimo patrimônio cultural brasileiro. Além disso, são grupos que convivem em harmonia com a natureza, ajudando a manter o equilíbrio ambiental nas áreas onde eles se localizam.

            Ao aprender a valorizar esse patrimônio cultural, o País perceberá a importância de respeitar as terras indígenas, as áreas quilombolas, as reservas extrativistas e tantos espaços que não podem simplesmente ser ocupados, apropriados e saqueados.

            Ao compreender a dinâmica dos povos tradicionais do campo, o País perceberá, ainda, a importância de viabilizar formas dignas de relação do homem com a terra, a importância de assentar agricultores e dar-lhes condições para produzirem e serem produtivos, a importância de investir na reforma agrária e no acesso a terra, com infraestrutura, para reduzir as injustiças sociais.

            A Comissão Pastoral da Terra presta um grande serviço público ao documentar, anualmente, os conflitos no campo brasileiro. Esse trabalho evidencia alguns de nossos problemas crônicos. O principal deles, arrisco dizer, é a dificuldade de criarmos um modelo de desenvolvimento que gere progresso para todos, sem violentar culturas, sem promover a exclusão, sem destruir o meio ambiente. Um modelo que seja inclusivo economicamente, cultural e socialmente diverso, e que possamos chamar de sustentável.

            O relatório “Conflitos no Campo Brasil 2013” merece uma leitura atenta, não só dos gestores públicos, como de todos aqueles que, como nós, estão preocupados e buscam soluções para os problemas do campo em nosso País.

            Esse trabalho da Comissão Pastoral da Terra tem diversas dimensões: teológica, ética, política, pedagógica, histórica e científica.

            Sem dúvida, é um dos legados de seu mais ilustre membro: Dom Tomás Balduíno, esse grande brasileiro, que nos deixa o exemplo de uma vida dedicada à pregação da igualdade.

            Esse relato do trabalho da CPT sobre conflitos no campo tem o sentido de prestar uma homenagem em memória de Dom Tomás Balduíno, Bispo emérito de Goiás, que faleceu no último dia 2 de maio, aos 91 anos de idade. Vários Senadores tiveram a oportunidade de fazer homenagem a esse ilustre religioso e lutador social, Tomás Balduíno. Não somente eu apresentei um requerimento, mas também o Senador Eduardo Suplicy, o Senador Inácio Arruda e a Senadora Lúcia Vânia.

            Dom Tomás Balduíno teve uma vida de luta pela cidadania e pelos direitos humanos. Sempre ao lado das causas populares, defendeu sem tréguas os direitos dos índios e das populações tradicionais dos pequenos agricultores, de sertanejos, dos sem-terra, dos sem-teto e de tantos outros despossuídos. Aliou a fé cristã ao engajamento social e político, deu voz aos excluídos e lutou por justiça social, equidade e uma democracia sem preconceitos. Dom Tomás Balduíno fez, de sua história, parte importante da história de nosso País.

            Portanto, Dom Tomás Balduíno marcou profundamente a história da Igreja do Brasil. Quando sentiu a necessidade de criar um organismo na CNBB que coordenasse todo o empenho em favor dos povos indígenas deste País, em 1972, promoveu a fundação do Conselho Indigenista Missionário. Também ajudou a fundar a Comissão Pastoral da Terra, em 1975, presidindo-a entre 1997 e 1999, mas seguindo como Presidente de Honra da entidade.

            A situação social e política de Dom Tomás Balduíno contra as injustiças sociais provocou a ira do governo militar e de latifundiários que haviam perseguido e assassinado algumas lideranças dos trabalhadores. Ele próprio foi jurado de morte e ameaçado em diversos momentos de sua vida. Devido a seu comprometimento com a luta pelo povo pobre, Dom Tomás recebeu títulos e condecorações no Brasil e no exterior.

            Suas ações tornaram-se esperança para a solução dos conflitos que levam à miséria de tantas pessoas em todo o mundo. Dom Tomás Balduíno foi frei dominicano. A Ordem dos Dominicanos, fundada no século XIII por São Domingos de Gusmão, ficou conhecida como a Ordem dos Pregadores, e São Domingos foi um nobre de origem, que deixou toda a riqueza e se fez humilde, pregador do Evangelho, vivendo de esmola e procurando convencer com o diálogo e o exemplo de vida.

            Dom Tomás Balduíno seguiu o ideal de São Domingos de seguir a Cristo pobre, que se fez irmão de todos os homens e mulheres a partir dos empobrecidos e marginalizados. Seu exemplo e vida já estão escritos na História do Brasil e ficará entre nós uma vida de fé, de amor ao próximo, de fraternidade, com compromisso social e de engajamento na luta por justiça.

            Encaminhei à Mesa, Sr. Presidente, um requerimento de votos de pesar pelo falecimento de Dom Tomás Balduíno, pedindo que seja autorizada a apresentação de condolências à família, ao Estado de Goiás, onde Dom Tomás nasceu, à Diocese de Santíssima Conceição do Araguaia, no Estado do Pará, onde viveu de perto a realidade indígena e sertaneja, à Diocese de Goiás, onde Dom Tomás trabalhou intensamente, bem como ao Conselho Indigenista Missionário e à Comissão Pastoral da Terra, entidades que ajudou a fundar e que presidiu com forte engajamento político e social.

            Agradeço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2014 - Página 195