Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da inclusão dos juízes de primeiro grau no colégio eleitoral para a escolha dos presidentes dos Tribunais de Justiça.

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa da inclusão dos juízes de primeiro grau no colégio eleitoral para a escolha dos presidentes dos Tribunais de Justiça.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2014 - Página 197
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • DEFESA, INCLUSÃO, JUIZ, PRIMEIRO GRAU, COLEGIO ELEITORAL, REFERENCIA, ESCOLHA, PRESIDENTE, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PAIS.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Minoria/DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje falar sobre um importante tema na engrenagem institucional do Poder Judiciário. Falo das eleições diretas para a presidência dos tribunais. Ou seja, da inclusão dos magistrados de primeiro grau no colégio eleitoral para a escolha dos dirigentes das Cortes brasileiras. Essa iniciativa materializa a campanha desenvolvida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), nos anos de 2012 e 2013.

            Na essência, segundo matéria publicada no site oficial da AMB, a maioria dos juízes brasileiros apenas quer exercer ativamente a legitimidade que implicitamente possuem, por serem membros desse Poder.

            Nesse tema, os ministérios públicos dos Estados fazem e continuam fazendo escola. Seus dirigentes, Sr. Presidente, há mais de vinte anos são escolhidos, em lista tríplice, por procuradores e promotores de Justiça. E mais, nesse período, os governadores têm nomeado o mais votado pela classe, em reverência à vontade da maioria representada. Aliás, todos os membros podem dirigir a instituição, não apenas os integrantes da cúpula, no caso a Procuradoria-Geral de Justiça.

            Isso é democracia institucional.

            Apresenta-se oportuno recordar a história recente do Judiciário.

            Vejamos.

            A Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) é produto do regime militar. Foi elaborada com base no trabalho do Procurador-Geral da República do Governo do Presidente Ernesto Geisel, o Sr. Henrique Fonseca de Araújo, Procurador de Justiça aposentado do Rio Grande do Sul, então advogado que nutria animosidade não escondida à magistratura brasileira, então alijada do processo autoritário de elaboração de normas jurídicas.

            Mais especificamente, a promulgação da LOMAN deu-se num contexto político de recrudescimento do ataque à democracia no País. A reforma do Judiciário inseriu-se num pacote de alterações institucionais que reduziu significativamente o teor democrático em todos os Poderes da Nação. Com efeito, foram instituídas eleições indiretas para governador e criou-se a figura do Senador igualmente indireto, apelidado de biônico. Ressalte-se que todas essas medidas foram veiculadas por emendas constitucionais editadas sem a participação do Congresso Nacional.

            Na época, o Poder Judiciário e os juízes foram expostos à opinião pública como "bodes expiatórios" para as mudanças legais de interesse da preservação do grupo político militar então no poder.

            Contudo, mesmo com essa linhagem autoritária e passados vinte e cinco anos da redemocratização, a LOMAN sobrevive, mantendo os grilhões de força impostos à magistratura.

            Dentre os tribunais de justiça, do trabalho e federais, somam-se 56 unidades judiciárias, cujas direções (presidência e vice) são eleitas via sufrágio restrito - apenas os membros da Corte têm direito a voto.

            Sobre o tema há três projetos de emenda constitucional no Congresso. Todos eles convergem no sentido de excluir a eleição para a corregedoria, dada sua natureza fiscalizatória, e de ampliar o direito ao sufrágio para os juízes de primeiro grau de jurisdição no tocante às eleições para a presidência e vice-presidência. Ademais, excluem-se do colégio eleitoral os juízes substitutos, que são aqueles que ainda estão em estágio probatório.

            A eleição será para os órgãos de cúpula dos tribunais de justiça, os regionais federais e os regionais do trabalho, excluindo-se os eleitorais, pela própria composição plural e específica, e os tribunais superiores. Mais que isso: apenas os desembargadores terão a capacidade eleitoral passiva. Vale dizer, somente os integrantes das Cortes é que poderão ser eleitos.

            As indagações que se põem são: qual o fator positivo em se quebrar uma tradição secular na composição dos tribunais? Os modelos de administração dos tribunais, como vemos, são eficientes? Eles produziram uma justiça eficiente?

            As vozes favoráveis à modificação sustentam-se nos seguintes pontos, Sr. Presidente:

            Em primeiro lugar, a valorização da magistratura de primeiro grau. Não haveria razão plausível, Sr. Presidente, para alijar dos juízes a capacidade eleitoral ativa, mantendo-se a fórceps um status quo que deslegitima os ocupantes das cadeiras via sufrágio restrito.

            Sabemos que não se podem resolver questões complexas com equações simples, mas a negativa para as indagações impõe, desde logo, uma mudança no viés atual.

            Outro aspecto é conferir a legitimidade ativa - não a passiva - aos mais de 16 mil juízes brasileiros. Ora, se o Judiciário é o guardião da ordem democrática, a ele deve se assegurar uma efetiva democratização no processo de escolha dos dirigentes.

            É um contrassenso o Poder, Senador Paulo Paim, que garante as eleições mais céleres e seguras do mundo carecer de democracia para si próprio. Seria até leviano supor que os juízes não tenham qualidade e discernimento suficientes para a escolha dos dirigentes dos tribunais.

            Um terceiro ponto, Senador Paulo Paim, refere-se à eficiência administrativa: não se pode pressupor que o gestor máximo da instituição seja a melhor escolha tão só por ser o mais antigo. Deixa-se de lado o mérito centralizando-se de forma única e inflexível a disputa. Se no campo da atividade julgadora a premissa da primazia pela antiguidade possa ser mais palatável, no campo da administração é totalmente equivocado. Isso por uma simples diferenciação: o julgador é diferente de administrador. Este tem que imergir nos problemas administrativos dos tribunais, ser agregador, conciliador, discutir projetos, ter uma boa diretoria, ser avesso às preferências pessoais e zelar pelo princípio da igualdade.

            Pelo que vimos, as administrações dos tribunais não primaram pela criação de uma justiça mais efetiva. É óbvio que os problemas são variados e de diversos matizes. Muito está sendo feito, é bem verdade. Contudo, a participação dos juízes de primeiro grau, que estão em contato direto com os advogados, partes e a população em geral, muito poderia contribuir para a construção de uma justiça mais acessível.

            Os juízes de primeiro grau, em face da proximidade com a população, colaboram significativamente para a própria evolução legislativa. Há inúmeros institutos modificados pela força de sua atividade. A sensibilidade que guia a atuação dos juízes decorre do contato direto com os anseios populares, com uma justiça mais célere e mais efetiva, motivo por que sua vontade deve ser levada em conta.

            Em se tratando de Poder Judiciário, a evolução há de ser contínua. A própria criação do Conselho Nacional de Justiça foi fundamental para que tivessem voz os juízes de primeiro grau, considerados agentes políticos de menor importância. O órgão passou a ser uma instância de acesso aos reclames sociais sobre a prestação jurisdicional e o acesso à Justiça.

            Contudo, Sr. Presidente, é necessário mais.

            Em um momento em que se prega pluralismo, ativismo judicial e interpretação aberta, no qual se exige do juiz uma maior participação social e efetivação dos direitos fundamentais insertos da Constituição, nada mais racional que os juízes monocráticos tenham direito de voto na eleição dos representantes do poder.

            A possibilidade de participação mais ampla e democrática somente atualiza o Judiciário às suas aspirações internas e externas. Estas, como dito, melhor captadas pelos juízes de primeira instância. É um imperativo da modernidade!

            Uma última ponderação, referente à necessidade de maior integração estrutural e administrativa das instâncias. A disparidade entre elas é, na maioria dos casos, gritante. No 1º grau é corriqueira a escassez de funcionários e de material, assim como a precariedade de instalações. Situações que não se repetem na 2ª instância, onde, aliás, se nota o reverso. Isso, Sr. Presidente, é fato, é real, e vem sendo constatado pela Corregedoria Nacional de Justiça em suas correições.

            São esses os argumentos que impõem a democratização do Judiciário permitindo-se o direito a voto dos juízes na eleição do presidente e vice-presidente das Cortes dos tribunais de justiça, regionais federais e regionais do trabalho. É uma exigência da modernidade, que permitirá uma Justiça mais plural, democrática, transparente e efetiva.

            Para concluir, Sr. Presidente, convém lembrar que Max Weber, ao analisar a legitimidade do poder dos governantes em face dos governados, asseverou que "a relação entre uns e outros se estabelece como uma relação entre o direito, por parte dos primeiros, de comandar, e o dever, por partes dos segundos, de obedecer.". Na mesma linha seguem Hobbes, Locke e Rousseau, que baseiam o princípio da legitimação no consenso entre os homens - o que pressupõe a audição de todos, acrescento eu.

            Nesse contexto, reconheço que o ato de escolha do dirigente do tribunal por aqueles que integram a magistratura, base fundamental do Judiciário, agrega respeito interpessoal. Mas não é só, Sr. Presidente. Todo o processo de consulta habilita o eleito para o exercício pleno de certos atos ou gozo de determinados direitos, de modo a se legitimar a autoridade que se passa a exercer sobre todos aqueles consultados.

            De forma, Sr. Presidente, que eu, particularmente, defendo a democratização em todos os setores e, por que não, na magistratura brasileira?

            Certamente, todos aqueles que participam dessa Corte têm o direito também de participar da direção. É uma injustiça um juiz não participar da eleição. Ou seja, o Ministério Público já participa, por que não, também, a magistratura do nosso País?

            De forma que, quando faço este meu pronunciamento, eu o estou defendendo aqui, com muita convicção, na certeza de que só assim poderemos, de maneira concreta, sobretudo transparente, mudar a Justiça brasileira através da democratização na escolha de seus dirigentes.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2014 - Página 197