Discurso durante a 86ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da concessão de asilo político pelo Brasil a Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, POLITICA EXTERNA.:
  • Defesa da concessão de asilo político pelo Brasil a Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2014 - Página 144
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DEFESA, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, BRASIL, CIDADÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ACUSADO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÃO, AGENCIA, SEGURANÇA, ESPIONAGEM, VITIMA, PAIS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo. PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, os que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, o programa de televisão Fantástico, ontem, da Rede Globo, trouxe para nós novamente uma reportagem envolvendo o Sr. Edward Snowden.

            A informação que, para nós, causou espanto é a trazida pelo Sr. Edward Snowden de que ele já havia pedido asilo anteriormente ao Estado brasileiro. Essa informação é para nós, autoridades do Senado da República, e para o povo brasileiro, novidade. E isso contradiz as informações anteriormente prestadas pelas autoridades brasileiras e, em especial, pelo Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores do Estado brasileiro.

            É necessário, Sr. Presidente, neste momento, fazermos uma rápida cronologia dos fatos, envolvendo o Sr. Edward Snowden.

            Trata-se - o Sr. Edward Snowden - do analista de sistemas, ex-funcionário da CIA americana e ex-contratado da NSA, que tornou público detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global da NSA.

            A vida desse cidadão, a vida desse jovem hoje tem particular interesse para a segurança do nosso País. Para as centenas de países, para os vários países que foram espionados pelo governo dos Estados Unidos da América, há especial interesse a espionagem praticada pelo governo norte-americano, pela agência de espionagem americana, pela NSA. Há particular interesse a espionagem que foi praticada contra instituições do Governo brasileiro, sobre personalidades brasileiras, sobre indivíduos brasileiros e, em especial, sobre autoridades brasileiras, notadamente, em especial e inclusive, a própria Presidente da República.

            É importante, eu reitero, fazer uma cronologia dos fatos relativos a esse caso para entendermos o que diz respeito ao que foi declarado ontem pelo Sr. Edward Snowden e a contradição que tem o que foi declarado ontem com o que foi declarado anteriormente pelas próprias autoridades do Governo brasileiro.

            Em 23 de junho de 2013, a primeira declaração do Sr. Edward Snowden dá conta de que - em 23 de junho, então há mais ou menos um ano - ele pede asilo a 21 países. Entre esses 21 países, Senadora Lídice, está o nosso País, está o Brasil.

            No dia 2 de julho, ou seja, oito dias depois, o Governo brasileiro, por intermédio do Ministro Antonio Patriota, em declaração à imprensa, diz que não pretende responder ao pedido de asilo formulado por Snowden. Ou seja, oito dias após o pedido de asilo do Sr. Edward Snowden, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil diz que o Governo brasileiro não pretende responder ao pedido de asilo do cidadão Edward Snowden.

            No dia 7 de julho, é publicada a primeira matéria pelo jornal O Globo que revela que autoridades do Governo brasileiro eram monitoradas pela NSA e que Edward Snowden deteria informações relevantes sobre o caso. No mesmo dia, à noite, reportagem do Fantástico revela que, além de autoridades do Governo brasileiro, a Petrobras era também espionada pela NSA e pelo governo norte-americano.

            Logo em seguida, na mesma semana, no dia 9 de julho, o Senado, através da sua Comissão de Relações Exteriores, em reunião extraordinária, aprova aqui uma moção de apoio, assinada por mim, ao pedido de asilo do Sr. Edward Snowden. Logo em seguida, ocorre uma série de reportagens, tanto do jornal O Globo quanto da Rede Globo de Televisão, do Fantástico, que dão conta de que autoridades do Governo brasileiro, de que instituições do Governo brasileiro, de que a Petrobras e uma série de autoridades brasileiras, inclusive e em especial a Presidente da República, eram espionadas pela NSA.

            No dia 17 de dezembro de 2013, o Sr. Edward Snowden divulga uma carta aberta ao povo do Brasil, em que faz novo apelo ao povo do nosso País para que fosse concedido asilo. No dia 18 de dezembro de 2013, a Presidente da República, em declaração à imprensa, diz o seguinte: “Não acho que o Governo tem que se manifestar. Ele não dirigiu, oficialmente, nada a nós”.

            Faço questão, Sr. Presidente, de reproduzir aqui, ipsis litteris, a carta do Sr. Edward Snowden, que, no meu entender - nestes tempos de século XXI, nestes tempos de comunicação via internet e nestes tempos de inviolabilidade da informação, neste século da informação -, se trata, na verdade, de um manifesto pela liberdade individual. Trata-se, na verdade, de um manifesto por um direito humano que considero inalienável. Reproduzo, então, na íntegra, esta carta, de 17 de dezembro do ano passado, do Sr. Edward Snowden. Diz a carta:

Seis meses atrás, emergi das sombras da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA para me posicionar diante da câmera de um jornalista. Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos.

Fui para diante daquela câmera de olhos abertos, com a consciência de que a decisão custaria minha família e meu lar e colocaria minha vida em risco. O que me motivava era a ideia de que os cidadãos do mundo merecem entender o sistema dentro do qual vivem.

Meu maior medo era que ninguém desse ouvidos ao meu aviso. Nunca antes fiquei tão feliz por ter estado tão equivocado. A reação em certos países vem sendo especialmente inspiradora para mim, e o Brasil é um deles, sem dúvida.

Na NSA, testemunhei com preocupação crescente a vigilância de populações inteiras sem que houvesse qualquer suspeita de ato criminoso, e essa vigilância ameaça tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos tempos.

A NSA e outras agências de espionagem nos dizem que, pelo bem de nossa própria “segurança” - em nome da “segurança” de Dilma, em nome da “segurança” da Petrobras -, revogaram nosso direito de privacidade e invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a permissão da população de qualquer país, nem mesmo do delas.

Hoje, se você carrega um celular em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você se encontra, e o faz: ela faz isso 5 bilhões de vezes por dia com pessoas no mundo inteiro.

Quando uma pessoa em Florianópolis visita um site na internet, a NSA mantém um registro de quando isso aconteceu e do que você fez naquele site. Se uma mãe em Porto Alegre telefona a seu filho para lhe desejar sorte no vestibular, a NSA pode guardar o registro da ligação por cinco anos ou mais tempo.

A agência chega a guardar registros de quem tem um caso extraconjugal ou visita sites de pornografia, para o caso de precisarem sujar a reputação de seus alvos.

Senadores dos EUA nos dizem que o Brasil não deveria se preocupar, porque isso não é “vigilância”, é [abre aspas] “coleta de dados”. Dizem que isso é feito para manter as pessoas em segurança. Estão enganados.

Existe uma diferença enorme entre programas legais, espionagem legítima, atuação policial legítima - em que indivíduos são vigiados com base em suspeitas razoáveis, individualizadas - e esses programas de vigilância em massa para a formação de uma rede de informações, que colocam populações inteiras sob vigilância onipresente e salvam cópias de tudo para sempre.

Esses programas nunca foram motivados pela luta contra o terrorismo: são motivados por espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Pela busca de poder.

Muitos senadores brasileiros concordam e pediram minha ajuda com suas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos contra cidadãos brasileiros.

Expressei minha disposição de auxiliar quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo, chegando ao ponto de obrigar o avião presidencial de Evo Morales a pousar para me impedir de viajar à América Latina!

Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir com minha capacidade de falar.

Seis meses atrás, revelei que a NSA queria ouvir o mundo inteiro. Agora o mundo inteiro está ouvindo de volta e também falando. E a NSA não gosta do que está ouvindo.

A cultura de vigilância mundial indiscriminada, que foi exposta a debates públicos e investigações reais em todos os continentes, está desabando.

Apenas três semanas atrás, o Brasil liderou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para reconhecer, pela primeira vez na história, que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos.

A maré virou, e finalmente podemos visualizar um futuro em que possamos desfrutar de segurança sem sacrificar nossa privacidade.

Nossos direitos não podem ser limitados por uma organização secreta, e autoridades americanas nunca deveriam decidir sobre as liberdades de cidadãos brasileiros.

Mesmo os defensores da vigilância de massa, aqueles que talvez não estejam convencidos de que tecnologias de vigilância ultrapassaram perigosamente controles democráticos, hoje concordem que, em democracias, a vigilância do público tem de ser debatida pelo público.

             (Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Maioria/PMDB - AL) - Com a palavra, V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) -

Meu ato de consciência começou com uma declaração: “Não quero viver em um mundo em que tudo o que digo, tudo o que faço, todos com quem falo, cada expressão de criatividade, de amor ou amizade seja registrado. Não é algo que estou disposto a apoiar, não é algo que estou disposto a construir e não é algo sob o qual estou disposto a viver.”

Dias mais tarde, fui informado que meu governo me tinha convertido em apátrida e queria me encarcerar. O preço do meu discurso foi meu passaporte, mas eu o pagaria novamente: não serei eu que ignorarei a criminalidade em nome do conforto político. Prefiro virar apátrida a perder minha voz.

Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos direitos humanos básicos, poderemos nos defender até dos mais poderosos sistemas.

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Esta é a carta de Edward Snowden.

            E, para concluir, Sr. Presidente, essa carta expressa claramente uma declaração de direitos humanos individuais, a qual o nosso País não pode insistir em dizer que não a ouviu. O nosso País, a nossa Presidente da República, o nosso Ministério das Relações Exteriores não pode ficar em um jogo de gato e rato, não pode ficar dizendo que não ouviu insistentemente o pedido de asilo diplomático do Sr. Edward Snowden.

            Esse cidadão, esse jovem de 29 anos deve ser recebido em nosso País como herói nacional. Ele tem importantes informações sobre a segurança do nosso País.

            O Brasil, uma das oito…

(Interrupção do som.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) -Só para concluir. (Fora do microfone.)

            O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros.Bloco Maioria/PMDB - AL) - Com a palavra, V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - O Brasil, uma das oito economias do Planeta, um dos maiores países deste hemisfério, não pode se intimidar diante de quem quer que seja. Nós somos uma Nação soberana, que teve seus direitos soberanos violados, e esse jovem de 29 anos prestou informações fundamentais para a nossa soberania. Nós não podemos ficar intimidados por quem quer que seja, por outra nação, e não receber esse jovem em nosso território, sob o direito internacional do asilo.

            Não podemos deixar de ouvir o clamor desse jovem, por três vezes consecutivas, no intervalo inferior a dois anos.

            Ouvimos o clamor desse jovem em junho. Ouvimos o clamor desse jovem em dezembro. E ouvimos, ontem, o clamor desse jovem em rede nacional de televisão. E aí, por efeito protocolar - repito: por efeito protocolar -, a Presidente da República e o Itamaraty dizem que não ouviram.

            Que o Brasil esteja à altura da comunidade internacional das nações e receba esse jovem em Território nacional como asilado e como alguém importante à nossa Nação.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Concedo, com muita honra, o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Estou de pleno acordo com V. Exª, Senador Randolfe Rodrigues, ao ressaltar que Edward Snowden prestou um serviço à humanidade, a nós brasileiros, inclusive. Acho que cabe ao Governo brasileiro realizar um esforço de persuasão do governo Barack Obama, do Congresso Nacional norte-americano, para mostrar como é que Edward Snowden prestou um serviço à humanidade, a tantos países, e isso precisa ser levado em consideração. Qualquer eventual justiçamento ou decisão por parte da Justiça norte-americana tem que levar em conta que ele prestou um serviço de grande relevância à humanidade. Acho que, no diálogo que deve haver entre o Governo da Presidenta Dilma Rousseff e o governo do Presidente Barack Obama, esse aspecto precisa ser considerado, para que possam ser superadas quaisquer divergências entre os nossos países. Meus cumprimentos a V. Exª.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Agradeço, Senador Eduardo Suplicy.

            Concluo, Sr. Presidente, agradecendo a condescendência e a tolerância de V. Exª com o tempo.

            Concluo dizendo: ainda ontem, o Sr. Edward Snowden disse que não via, nos Estados Unidos, qualquer possibilidade de algum julgamento justo. Não via possibilidade de julgamento justo, principalmente pelo que ele falou, principalmente pelos serviços que ele prestou ao mundo, por ter falado a verdade.

            Neste momento, a única coisa que o nosso País pode fazer pelos serviços que ele prestou ao mundo e ao nosso País é a concessão do serviço humanitário de asilo a esse cidadão, a esse jovem, neste momento, indispensável para a humanidade, indispensável para o nosso País.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2014 - Página 144