Discurso durante a 97ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca de operação da Polícia Federal que desvendou cobrança de propina em hospital do Mato Grosso do Sul em troca da liberação de recursos de emendas parlamentares.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE, CORRUPÇÃO, ORÇAMENTO.:
  • Considerações acerca de operação da Polícia Federal que desvendou cobrança de propina em hospital do Mato Grosso do Sul em troca da liberação de recursos de emendas parlamentares.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2014 - Página 33
Assunto
Outros > SAUDE, CORRUPÇÃO, ORÇAMENTO.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, DIRETOR, HOSPITAL, CANCER, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), MOTIVO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, COBRANÇA, PROPINA, CASA DE SAUDE, REFERENCIA, LIBERAÇÃO, RECURSOS, EMENDA, CONGRESSISTA, PROJETO DE LEI, LEI ORÇAMENTARIA ANUAL (LOA).

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito grato a V. Exª. Será o tempo suficiente.

            Mas, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores que nos prestigiam neste plenário, a minha presença nesta tribuna hoje, Sr. Presidente, é para relatar um fato cuja repercussão se empalideceu em função da euforia da Copa do Mundo, que ora está transcorrendo da melhor forma possível, mas com grande apreensão pelos torcedores brasileiros.

            Todos ficaram apreensivos durante o jogo do Brasil, mas vencemos numa combinação de sorte e talento individual. Mesmo assim, devo dizer que arrefeceu aquele entusiasmo com a nossa seleção, mostrando que ser campeão depende de variáveis impossíveis de serem controladas. Rezemos, pois, pela nossa seleção, porque não será fácil vencer essa Copa.

            Mas, Srªs e Srs. Senadores, a minha presença na tribuna - repito - é justamente para, como disse de início, deixar registrado que coisas estranhas e nebulosas estão ocorrendo por esses dias, sem que a sociedade esteja devidamente atenta, visto que a mídia tem se concentrado preferencialmente num acontecimento de repercussão mundial, criando uma espécie de hegemonia temática que não abre muito espaço para o aprofundamento de outros assuntos de extrema gravidade para o futuro do País.

            Tomara que, depois de passada essa fase da Copa do Mundo, algumas pautas relevantes voltem à cena, mesmo porque há a forte impressão de que coisas mal cheirosas vêm ocorrendo nos corredores do poder central.

            Desejo aproveitar também este momento para elogiar a atitude responsável do Diretor do Hospital do Câncer Alfredo Abrão, de Campo Grande, Sr. Carlos Coimbra, da Fundação Carmem Prudente de Combate ao Câncer.

            Recentemente, ele nos deu um exemplo de dignidade e honradez, ao ajudar a Polícia Federal a desvendar um esquema de corrupção dentro da Fundação Nacional de Saúde, denunciando e colaborando na investigação de uma verdadeira máfia que atua na criação de dificuldades para a venda de facilidades nos processos e convênios e liberação de emendas parlamentares no Ministério da Saúde.

            Irei descrever aqui, Srªs e Srs. Senadores, o acontecimento, conforme registro divulgado pela imprensa do meu Estado e de todo o País, bem como pelas informações prestadas pelo próprio denunciante, o Dr. Carlos Coimbra.

            Foi presa em flagrante, durante a Operação Lantire, desencadeada na noite do dia 16 de junho pela Polícia Federal - portanto, fato recente -, Roberlaine Patrícia Alves, de 28 anos, servidora do Ministério da Saúde, que cobrava R$150 mil em troca da liberação de R$3,6 milhões em emendas parlamentares, cuja finalidade era a compra de um acelerador linear nuclear e também para despesas de custeio para o Hospital do Câncer Alfredo Abrão, repito, na Cidade de Campo Grande, em meu Estado, Mato Grosso do Sul.

            O caso impactou a sociedade sul-mato-grossense, como não poderia ser de outra forma, porque o pedido e recebimento da propina foi totalmente monitorado pela Polícia Federal, com autorização de gravação telefônica e filmagem oculta pelo Juiz Federal Dr. Odilon de Oliveira, que, após a formalização da denúncia do diretor do hospital no mês abril, possibilitou que o caso viesse à tona nos seus mínimos detalhes.

            Face à denúncia à Polícia Federal, a servidora Roberlaine Patrícia Alves encontra-se presa em Campo Grande. Sua origem funcional é a Organização Pan-Americana da Saúde, órgão ligado à ONU que contrata técnicos para operar a análise de convênios do Fundo Nacional de Saúde. Os critérios para a contratação de pessoal dessa área são ainda obscuros, mas acredito que a Polícia Federal deverá desvendar tudo isso de maneira detalhada. Essa é, sinceramente, a nossa esperança.

            O fato, Srªs e Srs. Senadores, é que, por meio desta investigação e conforme o relato que pude ouvir pessoalmente do Diretor do Hospital do Câncer, Dr. Carlos Coimbra, podemos constatar que existe em funcionamento no Ministério da Saúde uma verdadeira fábrica de diligências técnicas com o propósito de dificultar o acesso a recursos públicos para que assim se ofereçam - entre aspas - "facilidades" aos gestores hospitalares para contratar consultorias milionárias em benefício de uma verdadeira máfia que opera no setor.

            O que me surpreende, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, e creio que também V. Exªs, é que, tendo o Governo Federal, no Ministério da Saúde, como em todos os outros ministérios, secretarias de controle interno e, além disso, a Controladoria-Geral da União, ainda admite-se - a que títulos, não sei - a contratação de consultoria estranha, de um órgão internacional, cuja honorabilidade foi posta em cheque com o affaire que acaba de vir à tona com o Hospital do Câncer Alfredo Abrão, da Fundação Carmen Prudente, de Mato Grosso do Sul.

            Permito-me, Sr. Presidente, relatar o que ocorreu. Tive acesso à documentação e pude verificar como opera esse esquema nebuloso. Basta um simples apertar de botões em um computador para que um técnico do Ministério da Saúde controle o andamento de processos e a liberação de recursos.

            No caso da aquisição do acelerador linear para o Hospital do Câncer, de Campo Grande, tenho aqui em minhas mãos todo o processo de análise com as sucessivas diligências feitas, que nada mais é do que um jogo de cartas marcadas, que avança à medida que a propina é negociada.

            Está aqui, Sr. Presidente, a documentação a que me refiro. É longa, vasta, mas demonstra sinceramente o que lá está acontecendo.

            Neste caso, tudo começou no dia 30 de abril de 2014, quando o hospital recebeu a primeira diligência do ministério. O hospital recebeu a comunicação 21h30, véspera do feriado de 1ª de Maio, informando que, se não houvesse o - abre aspas - "atendimento desta diligência imediatamente" - fecha aspas - havia - aspas - "o risco de inviabilização da proposta por decurso de prazo" - fecha aspas.

            Notem, Srªs e Srs. Senadores, que o prazo era impossível de ser cumprido. Ou seja: o Ministério criou uma dificuldade intransponível para, depois, oferecer - entre aspas - "saídas" extraoficiais para viabilizar os recursos.

            Diante da reclamação do postulante da impossibilidade fática de cumprir num feriado nacional a diligência e de sua justa reclamação, os servidores da fundação estenderam o prazo, já com indícios indisfarçáveis - repito, com indícios indisfarçáveis - de que algo desejavam para tanto.

            Cumpridas as exigências legais, o processo foi reaberto no dia 08 de maio. No dia seguinte, veio o pedido de - entre aspas - "consultoria" e a consequente investigação sigilosa.

            Somente depois de acertada a propina e solucionada a burocracia da diligência é que os recursos, finalmente, puderam ser liberados em 15 de maio, às 15h5. E assim foi feito, só que tudo monitorado pela Polícia Federal e pela Justiça Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo.

            É impressionante a engenhosidade de como funciona a corrupção no Brasil.

            Técnicos ligados a um organismo internacional que ocupam posições estratégicas dentro do ministério, ligados politicamente não se sabe a quem, - entre aspas - "vendem", essa é a palavra, a superação de obstáculos burocráticos para roubar o dinheiro dos impostos que deveria atender os brasileiros que necessitam de atendimento à saúde.

            Chega a ser um processo desumano, Sr. Presidente, frio, operado por pessoas sem nenhum caráter, agindo, na verdade, como se fosse um governo paralelo, sem nenhum controle, sem nenhuma transparência, sem nenhuma fiscalização.

            Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, um caso ocorrido no seu Estado, o Rio Grande do Sul, com verossimilhança ao de Mato Grosso do Sul, indica que há algo de podre no reino da Fundação Nacional de Saúde.

            No Município de Lageado, no Rio Grande do Sul, conforme noticiado, e que tem nexo com o ocorrido em Mato Grosso do Sul, gestões escabrosas foram feitas para que recursos fossem liberados no valor de R$2 milhões à Fundação para Reabilitação das Deformidades Craniofaciais (FundeF).

            A verba foi indicada pelo Sr. Deputado Federal Enio Bacci. Parecer técnico da União foi emitido às 18h03 de uma terça-feira. A secretária de Atenção à Saúde, Srª Layane de Fátima Silva de Faria, exigiu três adequações à proposta de convênio. Estipulou como prazo de resposta um dia útil. Como a Fundação não pôde atender no tempo devido, o repasse foi inviabilizado.

            De acordo com o documento, Layane cobrou da FundeF que conseguisse a manifestação do órgão estadual Comissão Intergestores Bipartite (CIB) sobre a construção da clínica. Mas a posição da entidade só ocorreria depois de passar pelas comissões municipais e regionais, o que levaria pelo menos uma semana. “Como somos referência em cinco regiões no Estado, teríamos que passar isso por todas as regiões até chegar ao Estado”, apontou o presidente da Fundação, Adriano Strassburger.

            Outra exigência era quanto à apresentação do memorial descritivo do projeto (descrição das atividades assistenciais, endereço, ambientes, metragem, população atendida, número de leitos). “Faríamos isso sem problemas, mas não dentro do prazo proposto. Tentamos negociar, mas ela foi seca e direta: não.”

            No terceiro apontamento, Layane disse que seria inviável firmar o convênio pela forma que ele estava sendo proposto. Conforme destacado, a obra seria executada pelo governo municipal de Lajeado, e posteriormente cedida para a FundeF, por meio de Termo de Cessão de Uso das instalações.

            A secretária declarou: “a solicitação de recursos é feita pelo Fundo Municipal de Saúde, a obra deve ser destinada como Unidade própria do município, sendo a mesma Filantrópica, mesmo que seja com cessão de uso.”

            Conforme ela, a unidade filantrópica só poderia exercer a função administrativa e não utilizar o prédio para realização de atendimento e prestação de serviços. Disse que o prédio deveria estar direcionado para construção de um hospital público. “Pedimos qual era a legislação que regulamentava isso. Nos deram duas, onde nada dizia. Nos pareceu, muito categoricamente, que o governo usou isso como justificativa para dizer que não era prioridade”, avalia Strassburger.

            Srªs e Srs. Senadores, as notícias que lhes trago com profundo pesar servem para reconhecer que um mar de lama, de desonestidade, de desonra ao múnus público inundam a Esplanada dos Ministérios com reconhecidas exceções - é bom que se deixe claro. Revela também uma história, até agora oculta, conforme as investigações da Polícia Federal.

            Numa das interceptações telefônicas, ficou claro que os recursos não foram liberados porque não se aceitou o pagamento de propina - no caso, evidentemente, lá do seu Estado, na cidade de Lageado.

            Em um dos contatos feitos por Roberlaine e Layane, uma diz para a outra, entre aspas: "Benfeito para aqueles que não quiseram ouvir nossos conselhos" - evidentemente, maus conselhos.

            Diante de tudo isso, pergunto a esta Casa dos Srs. Senadores, a nossa Casa: a saúde pública do Brasil tem solução? O Congresso Nacional deve formar uma comissão para investigar essas diligências e estabelecer critérios de avaliação desses processos escabrosos?

            Não podemos mais permitir que o Ministério da Saúde permita que ajam como raposa no galinheiro.

            É decepcionante, Sr. Presidente! É por essa razão que o povo reclama, de viva voz, que é preciso mudar os costumes de gestão pública neste País.

            Sr. Presidente, ao meu discurso junto os documentos a que me referi e peço a V. Exª que os considere parte integrante dele.

            É lamentável, Sr. Presidente, profundamente lamentável que num País onde a democracia se solidifica, se estratifica pela vontade popular, nós tenhamos o vezo de vir aqui reclamar para que os costumes políticos sejam regenerados, sejam purificados.

            O momento está chegando. Estamos no processo de travessia para as mudanças. Que elas cheguem logo e que o eleitor, em 5 de outubro deste ano, tenha a clarividência de escolher bem - e muito bem - os seus futuros dirigentes.

            Sr. Presidente, era essa a minha manifestação, com o pesar que procuro revelar através das minhas palavras.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR RUBEN FIGUEIRÓ EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- “Ministério da Saúde. Proposta de Convênio. Nº da Proposta: 903221/14-001”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2014 - Página 33