Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobrança por ações efetivas do Governo Federal destinadas a solucionar os conflitos entre proprietários rurais e comunidades indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Cobrança por ações efetivas do Governo Federal destinadas a solucionar os conflitos entre proprietários rurais e comunidades indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2014 - Página 152
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, CONFLITO, GRUPO INDIGENA, PRODUTOR RURAL, REGIÃO, GLEBA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, BAIXA, INDENIZAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, GARANTIA, DIREITOS SOCIAIS, COMUNIDADE INDIGENA, DESAPROVAÇÃO, VONTADE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), AMPLIAÇÃO, TERRITORIO, RESERVA INDIGENA.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, meu caro amigo e companheiro daqueles históricos tempos da Constituinte, que nos permitiu dar esta Carta Magna, que é motivo de orgulho não só dos brasileiros, mas de todos os democratas que amam este sistema de governo.

            V. Exª sabe, Senador Paulo Paim, do profundo respeito que tenho por V. Exª. A manifestação que faz aqui a minha pessoa muito me honra e será sempre registrada na minha consciência e no meu coração.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores que nos honram com a sua presença aqui neste plenário, depois de passar dias em total - entre aspas - “recesso branco”, decisão que respeito, mas que não entendo suas razões, retorno a Brasília, preocupado e apreensivo com a questão indígena em meu Estado, notadamente o conflito que ocorre na conhecida nacionalmente região da Gleba Buriti.

            Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, confesso que não é por ser do bloco de oposição, e sim pela minha condição parlamentar que o povo me delegou, que estou profundamente decepcionado com o Governo da Senhora Presidente Dilma. Isso porque a falta de sinceridade de algumas de nossas autoridades causa verdadeira indignação.

            Não há como tributar credibilidade à palavra empenhada por aqueles que, teoricamente, teriam que ser zelosos com promessas feitas, até para que não sejam mais tarde acusados de serem os verdadeiros fomentadores de uma tragédia anunciada.

            Sr. Presidente, relatarei fatos para que fiquem registrados nos Anais desta Casa, para que a história possa julgar de maneira correta aqueles que se acostumaram a falar e nada fazer, “levar - como se diz vulgarmente - as coisas com a barriga”.

            Em maio de 2013, durante uma operação policial que visava cumprir ordem judicial de reintegração de posse na Fazenda Buriti - dias antes invadida com extremada violência pelos índios terenas, que chegaram a expulsar policiais federais armados e os proprietários e empregados da Fazenda -, morreu baleado o terena Oziel Gabriel, atingido até hoje não se sabe por quem.

            Isso porque, até hoje, a Polícia Federal não concluiu o caso, ficando a dúvida sobre de quem foi a arma que levou à morte o indígena, ou seja, se foi da polícia ou do chamado - entre aspas - "fogo amigo".

            Um vídeo gravado durante a operação mostra que Oziel estava armado e atirando contra os policiais, resistindo à ordem judicial. Mesmo assim, o caso provocou comoção nacional e internacional, com amplo aproveitamento político de ONGs internacionais e do Cimi.

            Dias depois desse lamentável episódio, chegaram a Campo Grande diversas autoridades federais, entre elas os Ministros Chefes da Advocacia-Geral da União, Luis Inácio Adams, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Sr. Gilberto Carvalho, que prometeu a todos os Parlamentares - e sou, inclusive, testemunha, pois estava presente -, ao governador, às lideranças dos produtores e às lideranças indígenas, que, em 45 dias - repito, 45 dias! -, o conflito entre índios e proprietários rurais estaria solucionado, conforme determinara a Senhora Presidente da República, Dilma Rousseff.

            Decorrido exatamente um ano dessa promessa, Sr. Presidente, após muitas viagens, reuniões e gastos de milhares de reais, a situação é a seguinte: os indígenas, percebendo o vácuo de autoridade, avançaram sobre mais de 12 mil hectares, expulsaram proprietários e seus empregados, roubaram centenas de animais, destruíram casas, queimaram máquinas, enfim, impuseram à região a - entre aspas - "lei" do mais forte, tendo o Governo Federal assistido a tudo sem nada fazer ou dizer.

            Para deixar bem claro a questão, recordemos que, desde meados do ano passado, produtores rurais tiveram 31 fazendas invadidas em função da pretensão da Funai de aumentar os limites da Terra Indígena Buriti de 2.090 hectares para mais de 17.000 hectares.

            Diante disso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou improcedente o pedido da Funai, declarando ilegal a ampliação.

            Depois disso, o tempo passou e nada ocorreu para que o problema fosse solucionado. Mas, para bem entender essa dramática questão, é preciso recuar ainda mais no tempo.

            Em 1999, a Funai resolveu criar um grupo de trabalho para reestudar os limites da denominada Terra Indígena Buriti, situada entre os Municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, área essa doada à União pelo então Estado de Mato Grosso em 1928, doação feita a pedido do Serviço de Proteção aos Índios e com a participação direta do saudoso Presidente daquela entidade, o Marechal Cândido Rondon, que desejava reunir diversas famílias de índios desaldeados que, após a Guerra do Paraguai, haviam descido dos altos da Serra de Maracaju, vindos das vertentes do Rio Paraná, ao leste, onde haviam se refugiado no início dos combates com as gentes guaranis da República vizinha.

            Esses índios vieram no passado das cercanias de Miranda e Aquidauana, onde se instalaram a partir dos fins do século XVIII, após terem vindo do Chaco paraguaio. Os historiadores são firmes em reconhecer que, até 1750, não havia índios terenas no território brasileiro.

            Sucede, contudo, que, após o conflito com o Paraguai, encerrado em 1870, o governo imperial do Brasil, desejando povoar o sul do então Mato Grosso para evitar uma nova invasão guarani, estimulou que lá não só se radicassem os militares desmobilizados, concedendo-lhes terras, como concedeu largas extensões territoriais aos indígenas que ajudaram o Exército brasileiro no combate às forças invasoras, e assim foram premiados os índios das nações Kadiwéu, Guató e outras, nas regiões de Nabileque e Albuquerque.

            Logo, quando os índios - no caso, os terenas - desceram a Serra de Maracaju, lá encontraram os novos povoadores, razão pela qual o Serviço de Proteção aos Índios teve de requerer para eles uma porção de terras entre fazendas já abertas.

            Desconhecendo esse fato, o grupo de trabalho criado pela Funai em 1999, chefiado pelo antropólogo Gilberto Azanha, concluiu que os índios teriam direito a uma área de cerca de 15.000 hectares, além das 2.090 que já ocupavam, declarando que se tratavam de terra indígena 31 imóveis rurais de diversos proprietários, que, por si ou seus antecessores, haviam obtido essas terras de maneira absolutamente regular, de Mato Grosso, entre as quais está a Fazenda Buriti, com 300 hectares.

            Devo esclarecer, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, que essas terras foram concedidas pela então província de Mato Grosso, em 1848, a Porfírio de Brito, que, por sua vez, as transferiu para os seus descendentes e outros proprietários e, só depois, repetindo, em 1928, a pedido do Marechal Rondon, foi-lhes concedida uma área de 2.090 hectares. Mas, Sr. Presidente, os proprietários, inconformados em razão da ação declaratória de domínio, ajuizaram ação declaratória de domínio perante a Justiça Federal, sagrando-se vencedores em dezembro de 2012.

            Insatisfeitos com o desfecho do processo, os índios passaram a invadir com violência as terras que, ao longo de todo esse tempo, desde a conclusão alcançada pelo grupo de trabalho da Funai, ainda não haviam esbulhado.

            Desde o ajuizamento da ação declaratória, em 10 de junho de 2001, até logo em seguida à morte do índio Oziel Gabriel, o governo federal jamais falou em acordo ou em diálogo, antes defendendo no processo o confisco das terras em prol dos índios.

            Os proprietários rurais - que, até 1999, sempre conviveram em harmonia com seus vizinhos terena - tiveram suas vidas despedaçadas física e moralmente, razão pela qual, de pronto, aceitaram dialogar com o Governo sobre uma indenização para que deixassem suas terras.

            No entanto, passado um ano, o valor proposto está muito aquém do razoável, recursos estes insuficientes para recomeçarem a vida em outros lugares.

            O Incra foi encarregado, pelo Governo Federal, de calcular essa indenização com base no preço das terras, mas seu laudo alcançou um preço irrisório, avaliando as terras em média de R$5,3 mil o hectare, o que seria pago mediante precatório e quitação plena dos proprietários, que nem sequer poderiam buscar o ressarcimento de outros danos e prejuízos, como o valor do gado e bens que lhes foram roubados e destruídos por ocasião das seguidas invasões de que foram vítimas. Ainda mais, Sr. Presidente, exigiam que, ao fazerem o acordo, os proprietários não fossem à Justiça para requerer os direitos que ainda acreditavam ter, numa atitude realmente arbitrária e impositiva, que não poderia ser aceita, absolutamente, por parte dos proprietários rurais.

            Obviamente, não concordaram com isso e encerraram o diálogo, deixando ao Judiciário a incumbência de declarar com quem está o direito.

            A Funai, braço do Ministério da Justiça, criou o conflito, pois incentivou a invasão de terras particulares, regularmente tituladas, como decidiu posteriormente a Justiça. O Governo Federal, vendo sua pretensão vencida, buscou o diálogo, mas demorou quase um ano para oferecer uma indenização vil, que não pode ser aceita, pois nem sequer equivale ao preço de mercado da terra nua.

            Lideranças indígenas, Sr. Presidente Paulo Paim, algumas com as quais tive conversações, estão apreensivas também. Desejam que o Governo cumpra o que prometera, inclusive com relação a eles, dos benefícios a que fazem jus, como o direito à educação, à saúde, às possibilidades de alcançarem escadas maiores na vida; que sejam justos não só com eles, mas também com os proprietários despejados de seus bens; que a paz, a tranquilidade para o trabalho e a convivência centenária entre índios e não índios voltem a imperar na hoje conflagrada região do Buriti.

            Diante disso, Sr. Presidente, aguardam-se novos fatos. Quem sabe, ao aproximar-se das eleições de outubro, o Governo resolva fazer uma bondade e ofereça um acordo consistente para dar solução ao conflito? Só que aí, Srªs e Srs. Senadores, ficará a sensação de que o Governo age demagogicamente, só pensando em tirar proveito eleitoral de um drama que se arrasta há muitos anos à base de falsas promessas, como a que relatei durante este meu pronunciamento.

            É o registro que faço, Sr. Presidente, em nome daqueles que, proprietários rurais legítimos, se sentem lesados, como também dos indígenas que se sentem permanentemente tapeados pela Funai, esse centro de intrigas que separa irmãos brasileiros.

            Sr. Presidente, V. Exª também tem conflitos indígenas em seu Estado e sabe o quanto as duas nações sofrem: a nossa e a dos nossos irmãos indígenas. Não é possível que o Governo procrastine por mais tempo uma solução equânime, que atenda os índios, mas que também respeite os direitos inalienáveis de quem conquistou essa terra com seu trabalho e está dando condições, hoje, ao Brasil para que nós tenhamos um PIB - irrisório, não resta a menor dúvida - que representa o esforço daqueles que amanham a terra e desejam, sinceramente, que os seus direitos não sejam pisoteados com a omissão das autoridades da República.

            Muito obrigado, Excelência.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Ruben Figueiró, que mostra a sua preocupação tanto com os agricultores, como com a nação indígena, e que é preciso uma solução imediata, porque todos devem ter seus direitos legítimos assegurados. É nessa linha que V. Exª fala.

            Meus parabéns pelo equilíbrio e pelo não sectarismo, porque às vezes as pessoas jogam índio contra agricultor e agricultor contra índio.

            Eu acho que a minha posição e a sua são a mesma: tentar assegurar o direito de ambos.

            Se no passado, como aconteceu no Rio Grande do Sul - onde se prometeram terras e terras, passaram título de propriedade -, os agricultores, Senador Casildo, se deslocaram para lá, porque foi o governo da época que deu, e agora há o reconhecimento de terra como terra indígena, então, que indenizem a preço justo, e não preço vil, de forma tal que quem quiser se deslocar de uma área para outra tenha o direito de ter a mesma propriedade e as mesmas benfeitorias.

            Por isso que o equilíbrio da sua fala vai na linha de uma negociação - de que eu até participei - que foi feita no Rio Grande do Sul, em terras de quilombolas e agricultores. Enfim, nós temos que achar uma solução para isso, e não permitir que haja uma verdadeira guerra entre o nosso povo, seja indígena, seja quilombola, seja o agricultor, que não é quilombola, porque tem quilombola que é agricultor, e tem índio que também é agricultor. Eu só estou falando que, simbolicamente, tem que haver uma concertação, para garantir o direito dos agricultores, em tese; dos quilombolas, em tese; e dos índios, em tese.

            Parabéns a V. Exª. V. Exª tem sido um diplomata nesse tema, na busca de evitar o conflito.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Muito obrigado a V. Exª, Sr. Presidente. Quando V. Exª se manifestava com tanta propriedade e conhecimento da questão, eu me lembrava também de que, no ano passado, quando eu levantei essa questão aqui, da tribuna do Senado, eu afirmei as minhas origens. Lá, em Mato Grosso do Sul, nós somos um caldeamento de raças. Lá participam brasileiros de sangue afro-brasileiro, brasileiros que vieram da Europa, brasileiros da raça indígena, da nação indígena. Todos nós somos o resultado dessa miscigenação de raças. Eu, por exemplo, me honro de ter nas veias, pelo lado materno, o sangue indígena da nação terena. E foi nesse sentido que eu vim aqui proclamar, solicitar ao Governo que desse atenção à questão, que resolvesse de forma tal que fossem ressarcidos os proprietários rurais. Eles têm o direito legítimo, o direito de domínio dessas terras, concedido a eles em 1848, por uma decisão do governo imperial; assim, que eles tenham o ressarcimento dos recursos aplicados não somente com relação à terra nua, mas às benfeitorias existentes e aos animais que possuíam.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É mais do que justo.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - E que os índios, por sua vez, tenham a oportunidade de alargar as terras que utilizam para que tenham também uma vida condigna, o que desejamos para todos nós brasileiros.

            De sorte que folgo muito em ouvir as expressões de V. Exª, que constituem para mim um incentivo para que continue procurando, de maneira pacífica, uma solução para essa questão, de forma a que ninguém seja prejudicado, porque o prejuízo, afinal, será do nosso País, do nosso sistema de governo, porque a democracia é uma abertura para todos os que aqui vivem.

            Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2014 - Página 152