Discurso durante a 116ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do transcurso de oito anos da existência da “Lei Maria da Penha” e destaque à importância desta no combate à violência doméstica contra a mulher.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO, POLITICA SOCIAL, SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comemoração do transcurso de oito anos da existência da “Lei Maria da Penha” e destaque à importância desta no combate à violência doméstica contra a mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2014 - Página 505
Assunto
Outros > LEGISLATIVO, POLITICA SOCIAL, SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, LEI MARIA DA PENHA, ELOGIO, FUNCIONAMENTO, LEI FEDERAL, DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras, habitantes do meu Estado de Roraima. Uma auxiliar de enfermagem, residente em Roraima, viveu 18 de seus 47 anos de vida, sob o jugo do seu primeiro marido; um homem que a agredia diariamente, não trabalhava, e que, ainda por cima, tomava-lhe todo o seu salário, ao final do mês.

            Os colegas de trabalho, que sabiam do sofrimento da auxiliar de enfermagem, lhe orientavam a fugir. Mas, com três filhos pequenos e com medo de morrer, ela resolveu manter o casamento, sendo, inclusive, vítima não somente de agressão física, mas, também, de violência moral e sexual.

            Esta profissional da saúde só se livrou desse martírio em 2011, quando seu agressor foi preso por participar de um assalto, em Boa Vista. Porém, seu sofrimento não acabou aí. Como ela se negou a visitá-lo na cadeia nos finais de semana, seu filho mais velho, hoje com 25 anos, a agrediu jogando sobre ela um ácido, que queimou seu rosto e a deixou cega de um olho.

            Hoje, com cicatrizes por todo o corpo, parcialmente cega e sem nenhum dente na boca, porque o ex-marido quebrou todos eles, a auxiliar de enfermagem adquiriu depressão e alopecia, não trabalha e vive escondida, com seus outros filhos de 19 e 17 anos. Com medo da violência do filho e do ex-marido, nunca informa onde mora e chora quando fala de seu sofrimento.

            Esta triste história é exemplo simbólico de como a violência doméstica e sexual que afeta milhões de mulheres brasileiras, está presente no dia a dia de muitas roraimenses.

            De acordo com o promotor de justiça de Roraima, Valmir Costa Filho, que atua junto ao Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, tramitam, atualmente, no juizado especializado, mais de oito mil processos de violência doméstica, incluídas entre estas, cerca de dois mil processos que tratam de medidas protetivas às vítimas desse tipo de crime.

            Refletindo sobre estes dados - que são de maio deste ano - a sensação que se tem é que está havendo um aumento constante da violência doméstica contra as mulheres. Para o promotor, no entanto, esta modalidade de violência, que é originária do machismo e da ação da força do homem contra a mulher, sempre foi alta em Roraima.

            Na sua avaliação, o que está ocorrendo, é uma mudança da mente das vítimas que, ao tomarem conhecimento da Lei Maria da Penha, passaram a denunciar mais seus agressores. Também ressalta outro fato relevante diante destes números: tanto a população como as autoridades conhecem a Lei Maria da Penha e se preocupam mais em cumpri-la.

            Considerada um marco no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher, a Lei Maria da Penha é um problema de ordem social e cultural que, a cada dia, dá mais demonstração de força.

            Foi para enfrentar este problema social, cultural, político, econômico e emocional, o Governo Federal sancionou a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha e que determina:

            “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.”

            A história desta importante lei, começa com a determinação de uma grande mulher, e para meu orgulho, uma conterrânea minha, a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Vítima da violência doméstica Maria da Penha foi surpreendida por duas vezes, pelo seu marido, que tentou assassiná-la, com arma de fogo, eletrocussão e afogamento. Sobrevivente, Maria da Penha lutou por justiça, indo até à Organização dos Estados Americanos (OEA), e tornou-se símbolo maior da luta das mulheres brasileiras pelo fim da violência doméstica.

            Em 2004, Organizações Não-Governamentais feministas, movimentos de mulheres, operadores do direito, servidores da segurança pública, parlamentares e representantes da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), elaboraram uma proposta que, foi reformulada por um grupo interministerial.

            Esta proposta foi enviada ao Congresso Nacional onde, ao longo de 2005, passou a ser discutida em audiências públicas, realizadas nas cinco regiões do país. O projeto resultou em um substitutivo, que foi aprovado por unanimidade neste Senado.

            Em 2006, a Lei Maria da Penha foi sancionada pelo ex-presidente Lula, passando, enfim, a cumprir a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (a Convenção de Belém do Pará), da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil há mais de uma década.

            Esta lei passou, também, a cumprir a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da Organização das Nações Unidas (ONU).

            Considerada pela ONU como a terceira melhor lei do mundo nesta área, a Lei Maria da Penha é, portanto, fruto da luta de muitas mulheres organizadas que cobravam do Estado brasileiro um instrumento legal capaz de tornar crime a violência doméstica e familiar contra a mulher.

            Oito anos depois de entrar em vigor, a Lei Maria da Penha é tema de debates e palestras que se são realizados por órgãos estaduais e municipais voltados à promoção de políticas para as mulheres, por casas legislativas, sistema de justiça e movimentos de mulheres organizadas em todo o país.

            Todos comemoram os avanços sem precedentes, alcançados com esta lei. Um deles é o aumento do número de varas e juizados especializados no combate na violência contra a mulher, de Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), de casa-abrigo e de núcleos em defensorias públicas.

            A implementação da Lei Maria da Penha foi um grande marco para nós, mulheres brasileiras, que lutamos por isso. Mas ainda temos um longo caminho pela frente com vistas à igualdade de gênero e à efetiva universalização dos direitos humanos.

            Srªs e Srs., não obstante reconhecermos avanços com a Lei Maria da Penha, ainda computamos com terror as terríveis estatísticas de violência contra as mulheres. De acordo com o Mapa da Violência de 2012, a cada cinco minutos, uma mulher é agredida em nosso país, perfazendo 4,4 assassinatos de mulheres em cada grupo de 100 mil.

            Neste mapa, o Brasil ocupa o 7º lugar entre os 87 países que mais matam mulheres. Conforme o mapa, entre 1980 e 2010, quase 92 mil mulheres foram assassinadas, a maioria - 43.486 - delas, só na última década.

            Entre as unidades federativas mais violentas, Roraima aparece em 13º lugar neste mapa, com uma taxa de homicídio de mulheres da ordem de 5,0 por 100 mil. A história da auxiliar de enfermagem, registrada acima, só vem confirmar este estado de extermínio de mulheres.

            E o pior: em Roraima, as vítimas contam apenas com uma Delegacia de Mulheres, uma Casa-abrigo, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar, a Defensoria Pública do Estado e o Centro de Referência da Mulher.

            Neste contexto, assegurar proteção às mulheres que vivem sob o risco de violência de gênero - na floreta, no campo e nas cidades - é um desafio sem precedentes que o governo da presidenta Dilma Rousseff vem encarando, com determinação.

            Uma destas determinações é a criação da Casa da Mulher Brasileira, lançada em primeira mão no meu Estado de Roraima. Nossa capital será uma das primeiras a receber esta Casa que será mais um recurso disponível às mulheres, por meio do programa “Mulher, Viver sem Violência, do governo federal.

            A casa irá centralizar o atendimento dos órgãos envolvidos na rede de proteção às mulheres vítimas de violência, com acesso a delegacia, juizado especial, Defensoria Pública, Ministério Público, tratamento psicossocial e equipes de requalificação e capacitação das mulheres para a autonomia econômica.

            Faz-se importante reconhecer que a Casa da Mulher Brasileira é uma medida determinante, diante do muito que ainda há a ser feito para que os Estados e municípios brasileiros tenham condições de criar e ampliar suas redes de proteção à mulher e garantir a implementação da Lei Maria da Penha.

            Aqui neste Parlamento, lutamos pela criação da Lei do feminicídio, ou seja, o assassinato de mulheres, que é cometido de forma violenta e intencional. Este tema aliás, será abordado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na a VIII Jornada da Lei Maria da Penha, em que serão debatidos os desafios a serem enfrentados para a implementação desta lei.

            Enfim, nestes oito anos da Lei Maria da Penha temos o que comemorar. Mas, sabemos que o Brasil só poderá atingir a universalização dos direitos humanos quando os homens e a sociedade como um todo deixarem de ver as mulheres como foco para a violência seja sexual, psicológica, social, cultural, política, ou até mesmo institucional.

            Era o que tinha a falar. Muito Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2014 - Página 505