Discurso durante a 114ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a situação dos moradores do Projeto de Assentamento Nova Amazônia, assentados pelo Incra após a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA, POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com a situação dos moradores do Projeto de Assentamento Nova Amazônia, assentados pelo Incra após a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2014 - Página 249
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA, POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), LOCAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, ASSINATURA, DECRETO EXECUTIVO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, TRANSFERENCIA, LOCALIDADE, RESIDENCIA, DEMARCAÇÃO, TERRITORIO, INDIO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DOCUMENTO, ANAIS DO SENADO.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, hoje até fui recomendado pelo meu fonoaudiólogo para não falar, porque estou realmente com a voz prejudicada. Mas eu não pude me calar hoje, depois de ter estado anteontem em um aniversário de uma pessoa lá, no meu Estado, num assentamento que o Incra fez chamado PA (Projeto de Assentamento) Nova Amazônia.

            Essas pessoas - são centenas de famílias - estão lá expulsas da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, demarcada pelo Presidente Lula, apesar dos argumentos que a Comissão Temporária Externa do Senado e da Câmara apresentou para se fazer uma demarcação em que não se precisasse excluir ninguém daquela área.

            Havia gente ali cujo bisavô comprou terras e foi para lá. Então, já eram três, quatro gerações de pessoas. Portanto, expulsaram essas pessoas das suas fazendas, dos seus sítios, até do emprego que exerciam dentro daquela área. Extinguiram mais ou menos umas quatro ou cinco vilas, inclusive a Vila do Surumu, aonde muitas vezes eu fui para atender como médico no hospital que era da Diocese de Roraima.

            Pois bem, o Presidente Lula, apesar de ter concordado e sugerido até que nós fizéssemos essa comissão temporária externa, não levou em conta isso. Levou em conta muito mais a pressão das ONGs internacionais e, no dia 15 de abril de 2005, demarcou essa reserva indígena. Então, a Funai, através da Presidência da República, demarcou a reserva indígena. Aliás, o Presidente homologou. Isso ocorreu no dia 15 de abril de 2005. Portanto, há mais de nove anos. E como estão essas pessoas?

            Anteontem, Senador Flexa, fui lá ao aniversário de um senhor que completou 68 anos de idade e que várias vezes chorou quando se lembrou do passado que ele perdeu. Do pouco que ele tinha perdeu tudo. Ele recebeu uma indenização de R$15 mil pela sua casa, que era de alvenaria. Ele teve que desmanchar telhado, porta, e levar para esse lugar onde foi assentado - assentado ou, diria até, jogado, porque assentado não foi.

            Então, órgãos federais. A Funai tirou-os da reserva indígena; o Incra colocou-os num projeto de assentamento. E como eles vivem lá? Sem nenhum tipo de assistência nem do Governo Federal nem do Governo Estadual. Mas, nesse caso, a obrigação maior tinha que ser do Governo Federal. O Governo Federal os abandonou, como o Sr. Bugre, de que eu falei e que fez 68 anos de idade anteontem. Eu vi várias pessoas que foram ao aniversário dele contando a revolta que ainda sentem por terem sofrido essa ação do próprio Governo brasileiro contra brasileiros que foram para lá quando ainda era Estado do Amazonas.

            E, muitas vezes, esses brasileiros que foram para lá, ou pelo garimpo ou para criar gado, atraíam os índios que estavam na Venezuela. Sabemos que os índios que há em Roraima hoje, como na Venezuela, vieram do Caribe, expulsos pela ação dos aventureiros espanhóis que estavam dominando aquela área.

            Pois bem. Mas eu aqui, como é, aliás, em todo tema, preocupo-me com os seres humanos. Primeiro, vamos perguntar assim: fazer isso melhorou a vida dos índios? Não, não melhorou. O Município do Uiramutã, por exemplo, que é o miolo dessa reserva indígena, está passando inúmeras dificuldades: não tem assistência do Governo Federal, não tem apoio do Governo Federal. Hoje, é um Município indígena, o prefeito é índio, os vereadores são índios, e, no entanto, não tem nenhum tipo de apoio do Governo Federal.

            Não satisfeitos em, através da Funai, tirar essas pessoas, não satisfeito em jogá-las nesse projeto de assentamento, sem nenhuma assistência, eles, agora, foram fazer, Presidente, próximo do momento da eleição, a construção das casas - o chamado Minha Casa, Minha Vida - e todas, todas estão inacabadas. Uma medida claramente eleitoreira porque o ex-presidente do Incra é candidato a Deputado Federal. Então, fico estarrecido.

            Meu Estado tem pagado muito caro por pertencer ao Brasil - 57% da área do nosso Estado é de reserva indígena. Agora, pergunto de novo, como médico: e como é que estão os seres humanos índios lá? Melhoraram de vida? Negativo! Eles estão vindo para a cidade porque não podem mais sobreviver ali, pois o emprego que tinham, até do próprio Estado, foi extinto, tiveram que ir para a capital. Então, é uma lógica completamente irracional, que pune os dois lados: pune os índios porque os isola e não os atende, e pune os não índios, muitos deles, não índios, casados com índios ou com índias.

            É bom que se repita aqui: raça só há uma, a raça humana, com as suas variações de cor. Não muda o cérebro, não mudam os pensamentos, não muda a vontade das pessoas ter esta ou aquela cor, ser disso ou daquilo.

            Mas quero denunciar isso aqui, hoje, e fazer um pedido à Presidente Dilma. Como o Governo Federal é o responsável por isso lá no meu Estado, estou dando aqui esse relato, portanto um testemunho de que vi isso anteontem. Passados nove anos da demarcação, estão piores os índios e estão piores os não índios. E o pior, intitulam os não índios que foram retirados de desintrusados. Quer dizer, eles estavam como intrusos no próprio país, dando origem ao surgimento de aldeias indígenas.

            Eu não tenho nada contra a demarcação de terras indígenas. Acho justa. Agora, é ilógico tratar esse tipo de demarcação, abandonando a prioridade que é o ser humano, índio e não índio, e simplesmente deixar as pessoas, digamos assim, passando fome, necessidades, adoecendo, sem nenhum trabalho do Governo Federal.

            Vou fazer um ofício à Presidente Dilma, porque foi o Presidente Lula, do partido dela, que demarcou. Foi o partido dela que, através da Funai e do Incra, fez isso. E, para completar, alguns desses que estão lá colocados no assentamento são de vez em quando punidos pela Ibama, porque fazem essa ou aquela atividade.

            Então, é impossível pensar num país em que o ser humano não seja a prioridade. Eu, como médico, sempre pensei assim. Não me interessa se a pessoa é negra, índia, asiática ou branca. Agora, tratam de fazer essa separação por cores ou por origens e, no entanto, o Brasil não ganha nada com isso. E o que é pior, não ganham aqueles que deveriam ser beneficiados, que são os índios, e muito menos os que são atingidos.

            Para se ter uma ideia, nós temos de reservas indígenas da Funai, em Roraima, 46,37%; preservação ambiental, 8%. Portanto, mais de 50% do território. Além disso, há áreas da União, que são 33,99%. Portanto, sobra para o Estado alguma coisa em torno de 20% da sua área para qualquer atividade de agricultura, pecuária. Lá nessa reserva indígena eram produzidos, Senador, 25% do PIB do Estado. Produzidos o quê? Arroz, soja, milho, por pessoas que vieram do Rio Grande do Sul, que compraram as terras e que foram expulsas de lá.

            Eu quero, portanto, deixar este registro aqui. E repito: vou fazer um ofício à Presidente Dilma e também pedir aos órgãos fiscalizadores, ao Ministério Público Federal, principalmente, que investiguem essa situação, porque está pior do que aquele desterro que houve na Sibéria.

            A coisa mais indigna do mundo é você pegar uma pessoa que nasceu num lugar, já recebeu a casa do seu pai ou construiu uma outrazinha e é expulso, sem nenhuma satisfação, de forma indigna, e ainda é rotulado de intruso.

            O que eu vi anteontem, Senador, não permitia que eu ficasse calado hoje, mesmo com o prejuízo da voz, porque só vamos ter esta semana de esforço concentrado e este assunto me dói na alma. Como filho de Roraima,...

(Soa a campainha.)

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR) -... me criei lá, convivia com os indígenas. Eu tenho uma terrinha lá, que ao lado há três comunidades indígenas. Eu me dou muito bem com todos eles. Estou sempre fazendo alguma parceria com eles, ajudando nos eventos que eles promovem. Tenho realmente muito respeito. Agora, o que é que eu vejo? Esses, próximos da cidade, ainda plantam e vão vender na cidade. Mas e os outros? Nem isso, nem isso.

            Então eu não posso, realmente, mesmo com a voz comprometida, deixar de fazer este registro hoje. Peço a V. Exª que autorize a transcrição de documentos que eu trouxe aqui, para fazerem parte integrante do meu pronunciamento. Mas vou repetir, me dirigindo àquelas pessoas que estão lá no PA Nova Amazônia, em Roraima, como àquelas que nem sequer foram colocadas lá, que estão na periferia da cidade, sobrevivendo de todo jeito, vendendo churrasquinho, limpando ruas. Eu tinha que fazer esse registro porque é atual. Não é uma coisa que aconteceu e está uma beleza, não. Está horrível!

            Eu não posso, portanto, deixar de desabafar e denunciar aqui, da tribuna do Senado, e tomar as providências de encaminhamento para a Presidente da República e o Procurador-Geral da República, para que seja vista essa indignidade que se praticou, tanto contra os índios, quanto contra os não índios.

 

DOCUMENTOS ENCAMINHADOS PELO SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matérias referidas:

- “Decreto de 15 de abril de 2005”, Diário Oficial da União;

- Decisão do Plenário do STF;

- Lista de ocupantes de terra indígena Raposa Serra do Sol;

- Relatório de distribuição das terras de Roraima e da União (Fonte Incra/Funai/IBGE/IBAMA);

- Portaria Nº 581, de 13 de abril de 2009;

- Portaria Nº 4, de 7 de janeiro de 2009;

- PET 3388.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2014 - Página 249