Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a possibilidade de que a alteração da Câmara dos Deputados ao projeto do novo Código de Processo Civil possa gerar subjetividade na aplicação da norma.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE PROCESSO CIVIL, JUDICIARIO, CONGRESSO NACIONAL.:
  • Alerta para a possibilidade de que a alteração da Câmara dos Deputados ao projeto do novo Código de Processo Civil possa gerar subjetividade na aplicação da norma.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2014 - Página 5
Assunto
Outros > CODIGO DE PROCESSO CIVIL, JUDICIARIO, CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, REDAÇÃO, SUBSTITUTIVO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ATUALIZAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO CIVIL, REFERENCIA, AMPLIAÇÃO, SUBJETIVIDADE, APLICAÇÃO, NORMAS, LEITURA, TEXTO, AUTORIA, PROFESSOR, PROCURADOR, FAZENDA NACIONAL, PEDIDO, RECONSIDERAÇÃO, VITAL DO REGO, SENADOR, RELATOR, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Sr. Presidente, Sr. Odacir Soares, Srs. Senadores, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores que nos honram com sua presença neste plenário, o meu objetivo nesta tribuna e nesta tarde é para fazer algumas considerações a respeito da tramitação nesta Casa de um importante projeto que, se votado neste período, há de consagrar esta legislatura, que já se encontra no apagar das luzes.

            Trata-se da tramitação do novo Código de Processo Civil que se encontra já bastante adiantado nesta Casa. A Comissão de Juristas encarregada da elaboração do anteprojeto foi instituída em 30 de setembro de 2009 pelo então Presidente do Senado, o eminente Senador José Sarney, tendo concluído seus trabalhos em 8 de junho do ano seguinte.

            Em 15 de dezembro de 2010, foi aprovado aqui neste plenário, sendo remetido, em seguida, à Câmara dos Deputados. A matéria retornou a esta Casa em março deste ano, sob a forma de substitutivo aprovado na Câmara. Desde então, tramita novamente no Senado, sob a numeração 166/2010. A fase de emendas já foi encerrada e aguarda-se o relatório por parte do ilustre Senador Vital do Rêgo.

            Por conhecer bastante a matéria, o autor... Perdoe-me, Excelência. Houve um lapso de minha parte.

            Sobre esse projeto, recentemente chegou às minhas mãos artigo elaborado pelo Professor Rafael Vasconcellos de Araújo Pereira, Procurador da Fazenda e Professor de Direito Processual Civil há mais de uma década. Esse artigo encontra-se publicado na revista jurídica Consulex nº 418, de 30 de junho deste ano. O autor, diga-se de passagem, participou do processo na qualidade de convidado da Comissão Revisora do Projeto do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.

            Por conhecer bastante a matéria, o autor traz importante alerta sobre o texto final do substitutivo da Câmara dos Deputados, levantando um aspecto que ainda não vi comentado aqui nesta Casa, Sr. Presidente. Trata-se da redação dada ao art. 8º do substitutivo que modificou a redação do art. 6º do original, votado no Senado. O artigo refere-se ao espírito que deve orientar o juiz no momento em que ele é acionado.

            O artigo original dizia o seguinte... Repito: artigo original aprovado pelo Senado antes da apreciação na Câmara dos Deputados. O que dizia o artigo 6º? Excelências, peço atenção para esta parte que é muito importante: “Art. 6º. Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum, observando - faço questão de frisar, Sr. Senador Maldaner - sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência."

            O projeto retornou da Câmara com a seguinte redação... Peço atenção também a V. Exªs para o texto que veio da Câmara: "Art. 8º - já não era o art. 6º - Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo - esta é a expressão modificativa - a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência."

            Essas duas mudanças, ou seja, “resguardando e promovendo”, são bastante sutis, mas nem por isso menos preocupantes; são quase danosas.

            Explica o Professor Rafael que o conceito de ordenamento jurídico é mais amplo que o de lei, incluindo costumes, doutrina e jurisprudência, além da lei propriamente dita. Resulta daí um claro enfraquecimento da supremacia da lei, que passa a ter status exatamente igual ao das outras fontes do direito, na contramão de toda a nossa tradição jurídica.

            A inclusão da expressão "resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana" antes da enumeração dos princípios gerais a serem observados pelo julgador também causa espécie. Promove, de forma exacerbada, uma forma bastante estranha de ativismo judiciário, ainda que contra os princípios legais.

            A rigor, Srs. Senadores, sob essa obrigação de promover a dignidade da pessoa humana, o juiz poderá decidir contrariamente à lei sempre que entender que determinada norma não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana. Substituir-se-á, assim, o império da lei pelo império do subjetivismo e da discricionariedade, tornando o juiz completamente livre para fazer o que bem entenda.

           Curiosamente, se concordarmos com essas modificações, fica o próprio Poder Legislativo inteiramente superado na sua função de legislar. As normas escritas, produzidas aqui como resultado de todo um processo que envolve discussões, posicionamentos, tomadas de decisão e soluções de compromisso, negociadas entre os representantes eleitos da população, passam a ser secundárias diante de uma pretensa superioridade do processo jurídico na garantia de soluções para a sociedade.

           Sofre com isso o próprio Estado democrático de direito, que exige separação das funções executiva, legislativa e judiciária, criando oficialmente o juiz legislador - vejam bem, Excelências, criando a figura do juiz legislador -, tão danoso quanto o executivo legislador, típico do período autoritário que julgávamos ultrapassado.

            O juiz pode usar as outras fontes de direito, como o costume ou a jurisprudência, na ausência da norma legal específica - que fique bem claro aqui: a jurisprudência na ausência da norma legal específica -, como é garantido no código atualmente em vigor e mesmo no projeto original do Senado, como esta Casa votou, quando da primeira discussão da matéria.

            Não lhe cabe, entretanto, decidir qual parte da vastidão do ordenamento jurídico lhe é conveniente aplicar, podendo ignorar a fonte maior representada pela norma escrita.

            Ressalta o professor Rafael, aspas:

A Lei dá segurança jurídica, pois decorre de uma autoridade dotada de legitimidade. E é legítima por observar o princípio democrático [...], pois elaborada mediante processo legislativo regular, pelo Poder constituído a exercer o poder do povo indiretamente através de seus representantes ou diretamente, tal como previsto no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal (Parágrafo único. [Repito.] Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição).

            Srs. Senadores, como se garante a aplicação da lei em todo o Território nacional, se os costumes locais são diferentes? Cada juiz decidirá de uma maneira diferente, todas pretensamente corretas, desde que calcadas na dignidade da pessoa humana. E como se comportará o juiz de segunda instância, dos tribunais, portanto, que deverá examinar a intenção e a subjetividade do primeiro juiz à luz da sua própria subjetividade? Pergunto.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, não há racionalidade em deixar prosperar a redação proposta no substitutivo da Câmara dos Deputados.

            Entretanto, observei, pelas emendas apresentadas, que esses problemas apontados na minha fala não foram percebidos pela maioria dos Senadores. Nenhuma emenda - vejam, Excelências, nenhuma emenda - apresentada até aqui faz referência a esse art. 8º, que modificou o art. 6º votado nesta Casa.

            Preocupa-me, Excelências, sobretudo, que ignoremos o problema e acabemos votando na forma como ele está, como veio da Câmara dos Deputados, apequenando a supremacia da lei, relegando o Legislativo a um plano absolutamente secundário, trazendo insegurança jurídica e ofendendo, sobretudo, nossa tenra democracia.

            Os problemas eventualmente existentes no quadro legal vigente, uma vez identificados, devem retornar ao Parlamento. Aqui, respeitados os procedimentos da democracia representativa inscritos na nossa Constituição, serão promovidas as modificações eventualmente necessárias - aperfeiçoando, corrigindo e atualizando as leis -, por meio do concerto entre maiorias e minorias devidamente representadas, retornando à sociedade nova regra que irá regê-la, de forma clara, impessoal e de aplicação universal.

            Saúdo, Excelências, o Professor Rafael Vasconcellos de Araújo Pereira, que ressaltou essa irregularidade, que pode passar despercebida pelo Senado da República. Saúdo o Professor Rafael Vasconcellos de Araújo pela lucidez e exposição didática do tema em seu artigo, a que me referi, e recomendo a todos os Srs. Senadores a sua leitura. Fortemente, recomendo a leitura e analise do eminente Relator, Senador Vital do Rego, na Comissão de Constituição e Justiça, cuja clarividência jurídica haverá de recompor o texto aprovado no Senado da República.

            Sr. Presidente, ilustre Senador Jorge Viana, sinceramente, V. Exª, que, além de Vice-Presidente desta Casa, tem uma posição proeminente na maioria que comanda os destinos da Casa, poderia, tomando conhecimento dessa matéria, fazer instâncias junto ao Sr. Senador Vital do Rêgo, para que ele observe essa distorção que existe entre o que foi votado aqui, pelo Senado, e o que a Câmara dos Deputados apresentou em seu substitutivo.

            É uma norma muito importante, para que fomos alertados por um dos mais proeminentes juristas do nosso País, o Dr. Rafael Vasconcellos.

            Isso feito, estará reparada uma imperfeição que poderá ocorrer se o Senado não perceber o erro que a Câmara dos Deputados cometeu.

            Sr. Presidente, é o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2014 - Página 5