Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da mobilização de atletas profissionais contra o texto atual da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • Registro da mobilização de atletas profissionais contra o texto atual da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2014 - Página 166
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, ATLETA PROFISSIONAL, OPOSIÇÃO, TEXTO, LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL, ESPORTE, MOTIVO, CONTEUDO, BENEFICIO, DIRIGENTE, CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF), CLUBE, FUTEBOL, REGISTRO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, CONTAS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, senhores que nos assistem pela TV Senado e que nos ouvem pela Rádio Senado, por falar em futebol, ontem foi um dia histórico para o futebol brasileiro no Congresso Nacional. Pela primeira vez na história do principal esporte do nosso País, a pressão feita no Congresso Nacional não foi feita pelos cartolas.

            Eu me recuso a chamar a atuação de alguns Parlamentares do Congresso de Bancada da Bola. A bola não merece adjetivo. É melhor adjetivá-los de Bancada da CBF. Fica melhor esse adjetivo. A atuação deles ficará mais explícita quando eles assim atuarem defendendo os interesses dos cartolas.

            Senador Anibal, meu Presidente, o senhor, com certeza, alinha-se com a bancada do futebol e não com a da CBF.

            Ficará sempre mais explícita a atuação desses da Bancada da CBF, quando ficarem claras, nos próximos momentos, no Congresso Nacional, as mudanças necessárias no futebol brasileiro. São esses que, no Congresso Nacional, defendem os interesses da mais corrupta entidade existente no futebol do País, que é a Confederação Brasileira de Futebol. E digo isso não só por que ela é corrupta. A entidade é necessária, mas ela deveria ser somente a entidade que administraria a Seleção Brasileira de Futebol. Mas assim não o é. E já explicito por que assim deveria ser. Ela acabou se transformando, ao longo do tempo, num valhacouto de corruptos ao longo dos últimos 30 anos. Mas ela é assim porque, lamentavelmente, no Congresso Nacional, constituiu-se também uma bancada de defesa dos interesses dessa instituição.

            Ontem, pela primeira vez, no Congresso Nacional, ocorreu uma pressão e uma mobilização por parte de atletas, ocorreu uma pressão e uma mobilização na busca de interesses dos de baixo no principal esporte deste País, ocorreu uma mobilização e uma pressão daqueles que são explorados pelos cartolas. Enfim, ocorreu uma mobilização e uma pressão por parte de atletas, não uma mobilização e uma pressão por parte de cartolas.

            Ontem, estava prevista na Câmara a votação da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte. Como está, ela não seria de responsabilidade fiscal e não beneficiaria o esporte brasileiro, mas somente beneficiaria os cartolas dos clubes brasileiros.

            Quero explicar por que, ontem, com Romário e com outros Parlamentares, nós nos aliamos a atletas como Alex, Gilberto Silva, Dida, Juan. Outras atletas, como Aline Calandrini, orgulho do futebol feminino do meu Estado do Amapá, da Seleção Brasileira feminina de futebol, organizaram-se no que há de melhor hoje no esporte no Brasil, que é o Bom Senso Futebol Clube, e se mobilizaram na Câmara dos Deputados.

            Quero explicar quais razões levaram o Bom Senso Futebol Clube a se mobilizar contra o atual texto do Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte. É que o texto do Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte se propõe a cancelar a dívida dos clubes. Pois bem, esse projeto de lei, do jeito que está, exige apenas que os clubes apresentem a certidão negativa de débito uma vez por ano, como garantia inquestionável de uma gestão transparente no futebol nacional.

            Sr. Presidente, meus senhores, minhas senhoras, isso é uma vergonha e justifica o desespero dos dirigentes e a pressão no Congresso Nacional da chamada Bancada da CBF. E querem aprovar esse projeto urgentemente, como ficou claro nas últimas semanas, no último encontro que ocorreu entre os presidentes de clubes e a Presidente da República.

            Além disso, Sr. Presidente, dói só de pensar que mais de R$4 bilhões - e é este mesmo o número - sumiram do futebol brasileiro, e nenhuma alma sequer será punida. Aliás, serão punidos os torcedores que frequentam os estádios brasileiros de norte a sul, os torcedores dos principais clubes do Brasil, os torcedores que se alimentam da paixão nacional pelo principal esporte do País, que diariamente veem seus clubes de futebol capengando por aí, devido à irresponsabilidade dos seus dirigentes e dos presidentes de clubes.

            No caso específico dos débitos de que trata a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, se o Governo aceitar parcelar a dívida, os dirigentes que cometeram irregularidades não mais poderão ser acionados por crime de apropriação indébita. Ou seja, é uma anistia aos crimes que cometeram, inclusive alguns por terem se apropriado indevidamente do INSS e do Imposto de Renda dos jogadores para realizarem contratações de novos jogadores, indevidamente e com total irresponsabilidade fiscal por parte dos dirigentes de clubes.

            Vou traduzir isso. Alguém deve dinheiro ao banco. O banco, sabendo da dificuldade do devedor de quitar a dívida, resolver parcelá-la. O assunto está encerrado. Basta o cidadão cumprir as condições propostas e fazer o pagamento em dia que ninguém poderá acusá-lo de indébito.

            Então, é essa a discussão que temos de entender. Ora, se o Congresso Nacional e a Presidente da República - que nessa discussão representa o povo brasileiro - optam pelo caminho de parcelar a dívida e consequentemente isentar os dirigentes por essa infração, que essa decisão seja tomada com a certeza de contrapartidas claras e severas, cuja fiscalização seja eficaz. Que a punição aos clubes e aos dirigentes seja garantias claras e garantias diretas aos cidadãos, ao povo brasileiro; garantias aos torcedores que frequentam os estádios; e garantias principalmente aos atletas, que são os principais responsáveis pelos espetáculos.

            Os cartolas, em uma atitude de espertalhões do marketing, declararam recentemente que, abre aspas: “defendem uma punição mais dura do que a que propõe o movimento dos atletas, o Bom Senso Futebol Clube”. Dizem os cartolas: “90% da proposta deles, dos jogadores, estão incluídos na dos clubes. Eles falam em perda de pontos; nós falamos em rebaixamento. Essa é a grande diferença”. Ora, isso é de uma cara de pau gigantesca por parte dos cartolas. Eles sabem muito bem que o projeto de lei de responsabilidade fiscal do esporte, da forma como está, não punirá ninguém. Dizer que há responsabilidade fiscal em apresentar única e exclusivamente a certidão negativa de débito uma vez por ano é uma piada de muito mau gosto com os atletas brasileiros, é uma piada de péssimo gosto com o torcedor brasileiro, é continuar tudo como está, é manter a irresponsabilidade fiscal dos clubes, é manter a situação capenga dos clubes brasileiro, é fazer o oitavo gol da Alemanha contra o futebol brasileiro, é ampliar o fosso e a vergonha do futebol brasileiro. Não é aceitável.

            Em termos técnicos, tem que se perguntar para os cartolas onde está, no atual Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, o controle de déficit, sob pena de punição esportiva, como propõe o bom senso. Cadê a garantia do cumprimento dos contratos de trabalho, sob pena de punição esportiva? Cadê o limite do custo futebol, sob pena de punição esportiva, como propõe o bom senso? Cadê a padronização das demonstrações financeiras dos clubes, como propõe o bom senso, e a reavaliação do endividamento, sob pena de punição esportiva? Cadê a reavaliação do endividamento, sob pena de punição esportiva, como propõe o Bom Senso Futebol Clube? Cadê o parcelamento da dívida trabalhista, já transitada, sob pena de punição esportiva, como propõe o bom senso?

            Essas são algumas das propostas que o Bom Senso Futebol Clube apresenta concretamente.

            Ontem, graças à mobilização dos atletas, surgiu uma contraproposta concreta por parte do Governo de acatar essas propostas do Bom Senso Futebol Clube. Foi assumida, na Câmara dos Deputados, por parte do Romário, a responsabilidade de apresentar as emendas, caso essas emendas não sejam assumidas pelo Relator, Deputado Otavio Leite.

            O que tem que ser perguntado concretamente é o seguinte: há clubes que estão há pelo menos décadas se apropriando do Imposto de Renda e do INSS de atletas, usando esse dinheiro indevido e sujo para contratar mais jogadores e aumentar, num círculo vicioso, as suas dívidas à espera de perdões, vinculados perdões do Governo, à espera de vir aqui no Congresso Nacional e aprovar projetos de perdões de dívida como esse.

            Alguém vai dizer: “Ora, temos que aprovar isso, se não há clube que vai fechar.” Ora, na Europa, o clube escocês Glasgow Rangers, mais vezes campeão nacional no Planeta, quebrou e recomeçou na quarta divisão, e a sua torcida não abandonou o clube por isso. A mesma coisa aconteceu com o Napoli, com o Fiorentina e com o Racing. Tudo isso na Europa.

            Em audiência que fizemos aqui, antes da Copa do Mundo, um dirigente, chefe da delegação brasileira, quando foi perguntado por isso, comparado com o campeonato russo, respondeu arrogantemente, Senador Anibal: “Só sei de uma coisa: a nossa Seleção é pentacampeã mundial, e a seleção da Rússia nenhuma vez foi.”

            Veio a Copa do Mundo e levamos de sete. Temos que ter a humildade de reconhecer que o nosso futebol, graças a essas pessoas que dirigem o futebol nacional, corruptos por excelência, não é mais o melhor futebol do mundo, mas não por causa dos nossos atletas, mas graças a esses dirigentes que levaram o nosso futebol ao fundo do poço. Insistem em se fazer de cara de pau, como se nada estivesse acontecendo, como se nós não tivéssemos, ao sediar um campeonato mundial de futebol em nosso País, passado o maior vexame da história de todas as Copas do Mundo. Como se nós tivéssemos, na fase final do campeonato mundial de futebol, levado duas sovas em nosso território nacional, sete gols na semifinal e três gols na fase final da Copa do Mundo. Dez gols na fase final de uma Copa do Mundo. Nunca uma seleção que sediou um campeonato mundial de futebol passou um vexame dessa natureza! Eles agem como se nada tivesse acontecido, como se tudo fosse normal.

            É inaceitável que isso continue sendo tratado dessa forma, com essa irresponsabilidade. Mais inaceitável é que aqui, no Congresso Nacional, alguns Parlamentares continuem atuando, se comportando como se cúmplices disso fossem. Mais inaceitável, tão inaceitável quanto isso é.

            Senador Casildo Maldaner, eu tenho o maior prazer em ouvi-lo.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Senador Randolfe Rodrigues, V. Exª levanta um tema que é muito pontual. Aliás, ele já vem, há tempo, sendo discutido no Brasil. Refere-se à tese da responsabilidade, à tese de se levar a sério. Inclusive, há um projeto meu tramitando na Casa, em que as reeleições no Brasil, nos comandos, em tese, no Executivo, no Legislativo e em entidades que, de uma forma ou de outra, em clubes de serviços e outras entidades em que haja participação pública direta ou indireta, que têm incentivos, que não haja o céu como limite das inúmeras reeleições. Tem que haver a oxigenação. Às vezes, alguém chega a diversas entidades e quer se apoderar. Fica aquilo como propriedade privada. Acho que, onde há participação pública, há o interesse para que haja diversidade, haja outras ideias, outras pessoas, outros grupos, outros pensamentos. Acho que este é um dos fatores também do Brasil hoje: fica tudo eternamente, sempre a mesma coisa, e vai-se levando. Usam-se artifícios, e-mails, instrumentos. Praticamente não há como se fazer a renovação, porque aí se esmaga, ninguém cresce, não pode aparecer. Acho que nós precisamos, no Brasil, de enfrentar isso. Há uma proposta tramitando na Casa. Eu acho que é alguma coisa de que nós precisamos. Dentro desse espírito, também deve haver responsabilidade, fazer com afinco, com dedicação, porque o time que tem torcida, se der bom exemplo, a torcida não o abandona. Os times depois comparecem. Não é sempre que se tem que estar em cima. Desce, mas pode voltar das cinzas e reaparecer. Dá muito mais ânimo, é muito melhor. E transparência das questões. Eu quero cumprimentá-lo pelo tema. É um tema nacional, é um tema que muita gente acompanha, e acho que V. Exª está dando ao Brasil, hoje à tarde, na tribuna do Senado, uma espécie de uma conferência, uma aula para todos.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco Maioria/PMDB - SC) - Acho que é um tema muito aprofundado, muito pontual, sem dúvida alguma, Senador Randolfe Rodrigues.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Senador Casildo, incorporo o seu aparte. Eu sei que V. Exª, por sua postura, se alinha àqueles que defendem o futebol brasileiro.

            Nós ficamos conhecidos. Nós temos que ter a humildade de compreender que passamos por uma crise e que o futebol faz parte da cultura nacional. Ele é mais do que uma simples modalidade.

            No século 20, nós tivemos três grandes tragédias no Brasil: uma, a morte do Tancredo Neves; outra, a morte do Ayrton Senna; e a outra, a derrota na Copa do Mundo em 1950, tal é o futebol para todos nós, brasileiros.

            Portanto e por isso, nós não podemos negligenciar, aceitar e continuar admitindo que dirigentes que recebem recursos públicos...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Ontem, foi aprovado um projeto de enorme importância - já concluo, Presidente -, do Senador Alvaro Dias, para que a CBF passe a ter as suas contas fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União.

            Os dirigentes da CBF argumentam: “Nós não recebemos um tostão de recursos públicos.”

            Contra-argumento diz o seguinte: a CBF, a Entidade Nacional de Administração do Desporto e suas federações são órgãos gestores do futebol brasileiro. O futebol é patrimônio cultural do povo brasileiro, nos termos do art. 216 da Constituição Federal.

            Ora, nós aprovamos aqui também a Lei Geral da Copa, no Congresso Nacional, e isentamos de impostos, nos eventos da Copa das Confederações e na Copa do Mundo, duas entidades, uma internacional e uma nacional, a Confederação Brasileira de Futebol.

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Então, esse argumento já cai por terra.

            Segundo, a ampla maioria dos estádios onde ocorre o campeonato brasileiro é de estádios públicos, e há isenção de taxas nesses estádios públicos, eles são cedidos para a Confederação Brasileira de Futebol. E a própria Confederação Brasileira de Futebol diz que a seleção brasileira de futebol, quando atua na esfera nacional, representa a nossa nacionalidade.

            Esses são argumentos mais do que suficientes e concretos para entender que essa entidade não pode argumentar para os seus fins privados, a sua natureza privada,...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - ... e para justificar os esquemas de corrupção que tutelam a vergonha nacional que o nosso futebol tem passado.

            Eu concluo, Presidente, dizendo que ontem foi um dia de vitória para o futebol nacional, a mobilização de atletas pelo bom senso no futebol brasileiro. O futebol brasileiro, aliás, o esporte nacional não pode continuar passando a vergonha que tem passado internacionalmente, como passou no último Campeonato Mundial de Futebol.

            Nós precisamos democratizar e modernizar o nosso futebol. E estou convencido de que ontem foi dado um passo importante para isso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2014 - Página 166