Pronunciamento de Kaká Andrade em 26/08/2014
Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Sugestões de medidas que visam à solução dos problemas que assolam o Rio São Francisco.
- Autor
- Kaká Andrade (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
- Nome completo: Antonio Carlos Porto de Andrade
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ENERGETICA.
PESCA, POLITICA DE TRANSPORTES, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
:
- Sugestões de medidas que visam à solução dos problemas que assolam o Rio São Francisco.
- Aparteantes
- Antonio Aureliano.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/08/2014 - Página 12
- Assunto
- Outros > POLITICA ENERGETICA. PESCA, POLITICA DE TRANSPORTES, DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
-
- REGISTRO, PROBLEMA, RIO SÃO FRANCISCO, LOCAL, ESTADO DE SERGIPE (SE), MOTIVO, UTILIZAÇÃO, USINA HIDROELETRICA, COMENTARIO, PROPOSTA, OBJETIVO, MELHORIA, SITUAÇÃO, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, AUDIENCIA.
- REGISTRO, BAIXA, NIVEL, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, LOCAL, ESTADO DE SERGIPE (SE), RESULTADO, POPULAÇÃO, DIFICULDADE, TRANSPORTE, AUSENCIA, PRODUTO, COMERCIO, ORIGEM, VARZEA, REDUÇÃO, ATIVIDADE, PESCA, DEFESA, REPOSIÇÃO, ANIMAL, LOCALIDADE, FUNÇÃO, ASSISTENCIA, PESCADOR.
- REGISTRO, OPERADOR, SISTEMA, AMBITO NACIONAL, REALIZAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, REDUÇÃO, NIVEL, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, RESULTADO, SITUAÇÃO, PERIGO, MEIO AMBIENTE, AUMENTO, PROBLEMA, CRITICA, CONCENTRAÇÃO, PODER, ORGÃO, NECESSIDADE, DIVULGAÇÃO, ATIVIDADE, DEFESA, CRESCIMENTO, ATUAÇÃO, COMITE, BACIA HIDROGRAFICA.
Agosto de 2014 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL Quarta-Feira 27 12
O SR. PRESIDENTE (Antonio Aureliano. Bloco Minoria/PSDB - MG) - Concedo a palavra ao Senador Kaká Andrade.
O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pessoas queridas que nos acompanham Brasil afora pela internet, pelo complexo de comunicação do Senado Federal, solicitei o uso da palavra, neste momento, para falar so- bre o Rio São Francisco, sobre os problemas que o baixo curso do Rio São Francisco vem enfrentando espe- cialmente no Estado de Sergipe.
Quero tratar da realidade de hoje, sem entrar no mérito do projeto de sua transposição, que, como ci- dadão brasileiro, torço para que dê certo, para que atinja os objetivos tão propalados pelos seus defensores, mesmo sem esquecer o quanto suas obras encontram-se atrasadas e o quanto mais de recursos públicos foi exigido além do inicialmente previsto.
Minha opinião é de que se trata de obra extemporânea e de que, talvez, fosse mais importante no fu- turo, mas não será esse o meu mote. Também não vou criticar as barragens construídas ao longo do curso do rio para alimentar usinas hidrelétricas, pois seria uma crítica descolada da realidade do País e da necessidade humana de energia elétrica e de desenvolvimento.
Minha intenção, neste pronunciamento, é detalhar alguns dos graves problemas que passaram a assolar o Rio São Francisco desde a década de 70, quando começaram a utilizá-lo para fins hidrelétricos. Esses proble- mas, atualmente, encontram-se em níveis assombradores.
Desejo também tentar apresentar algumas possíveis soluções, medidas que, se adotadas, poderiam amenizar um pouco a situação.
Talvez, o melhor caminho para atingir a materialização desse objetivo fosse uma audiência pública ou a criação de uma comissão específica, contribuição que gostaria de deixar nesta Casa, pois, como tenho dito desde a minha posse, quero transformar minha interinidade em trabalho intensivo e efetivo.
Eu gostaria, assim, de usar a força que tem esta tribuna para falar sobre a situação do rio e pedir o apoio de todas as Srªs e Srs. Senadores, especialmente dos representantes do Nordeste e, em particular, dos Estados de Sergipe e de Alagoas, para que levem em frente estas ideias que estou apresentando agora.
É claro que tema assim tão complexo não pode ser esgotado em um só discurso, mas servirá para que nos aprofundemos nos estudos das medidas possíveis para salvar o Rio São Francisco e também a população ribeirinha que vive ao longo de seu curso, pois, o que vou falar aqui hoje são, em última análise, medidas para salvar empregos, salvar cidades, salvar vidas mesmo.
Reparem que a maioria dos Municípios sergipanos, incluindo a nossa capital, Aracaju, e um grande nú- mero de cidades alagoanas são abastecidas com águas de nosso combalido Velho Chico. Também o são vários outros Municípios que despontam nos submédio, médio e alto São Francisco, na Bahia, em Pernambuco e onde o rio nasce, na sua terra, Minas Gerais.
Primeiramente, vou falar sobre problemas de navegabilidade do rio, os quais datam da construção da Barragem de Sobradinho, mas se tornaram mais graves com a diminuição da vazão na referida barragem.
O São Francisco, no seu baixo curso, entre Brejo Grande e Canindé de São Francisco, em Sergipe, era ab- solutamente navegável. A população se valia muito do transporte aquaviário, o qual, atualmente, enfrenta a quase extinção. Há bancos de areia espalhados por todo o leito do rio. Trechos antes facilmente navegáveis, como as travessias de Niterói, em Sergipe, a Pão de Açúcar, em Alagoas, e de Neópolis, em Sergipe, a Penedo, em Alagoas, correm risco de ter o uso da balsa suspenso devido à quase impossibilidade de navegação.
Até os anos 70, as várzeas de Sergipe e Alagoas eram lugares de uma economia abastada e de pujante agricultura, baseada na produção de arroz, e o rio era imensamente rico em peixes, pois as várzeas se trans- formavam, anualmente, em imensos berçários para diversas espécies de peixes, como o surubim ou pintado, o curimatã, o piau, o mandim, entre outros; além de crustáceos como o nosso famoso e quase extinto pitu.
Para quem é do sertão sergipano, como eu, viveu essa época e viu isso, como eu vivi e vi, o cenário é deso-
lador. A produção de arroz foi quase eliminada, pois se tornou inviável em função dos altos custos de operação dos projetos de irrigação. Das 11 empresas que viviam da produção de arroz na minha região, especificamente em Propriá, apenas uma permanece e, ainda assim, enfrentando dificuldades.
Para quem viveu o São Francisco da década de 1970, é inconcebível o Estado de Sergipe ter que com- prar arroz de outros Estados, como ocorre atualmente. Nossa várzea era tão rica, tão fértil, e hoje quase não existe. Houve, no passado, a tentativa de resolver a situação com a implantação de projetos de irrigação e a construção de dezenas de quilômetros de diques. Em vão. Não conseguiram reproduzir as condições naturais anteriores, e houve um empobrecimento generalizado da população rural. Prova disso é que muitos dos Mu- nicípios de menores IDHs de Sergipe estão no Sertão e no Baixo São Francisco. É preciso pensar outras solu- ções ou mesmo aperfeiçoar os sistemas de pôlderes, adotados para adaptá-lo à realidade do São Francisco, e, dessa vez, obter melhores resultados.
A piscicultura enfrenta situação talvez ainda pior. A pesca, como atividade econômica, praticamente
acabou em determinados trechos do São Francisco, localizados nesses dois Estados, pois os estoques de pes- cado reduziram-se drasticamente, com perda de diversidade e diminuição do tamanho dos peixes. Encontrar surubim ou pintado, hoje em dia, só em cativeiro. Pitu e outras espécies, antes abundantes, como o curimatã, o piau, o mandim e o niquim, também não se veem mais. Os pescadores, hoje, vivem quase que exclusivamente dos benefícios sociais do Estado, especialmente do seguro-defeso.
Não há o que pescar. Precisamos agir de imediato para repovoar o rio de suas espécies nativas antes que seja tarde demais. O São Francisco não se recupera mais de forma natural. Precisamos de medidas artificiais para o repovoamento, e é essencial que isso seja feito com as espécies nativas, para evitar problemas de espé- cies não adaptáveis e predadoras, o que poderia piorar, ainda mais, o cenário, que já é desolador.
Peço às Srªs e aos Srs. Senadores apoio para levarmos esse projeto adiante. A repovoação do Rio São Francisco com espécies nativas é medida urgente e importantíssima. Bem sabemos nós que muitas barragens, quando foram construídas, não levaram em conta as adaptações necessárias para garantir a piracema, aquele
encantador fenômeno de vida que leva as espécies à procriação. Não foram feitos degraus para que os peixes conseguissem atingir os locais de reprodução. Por isso, insisto na compensatória repovoação do rio.
O grande caudal das enchentes anuais levava os bancos de areia para o mar, e o oceano não invadia o Baixo Vale com a sua“língua salina”, como atualmente, pois havia, permanentemente, um canal escavado pelas enchentes para levar as águas do Velho Chico até o mar.
A completa destruição do povoado Cabeço, localizado em ilha na foz do Rio São Francisco, na divisa entre Sergipe e Alagoas, no Município de Brejo Grande, é uma testemunha das mudanças causadas pela Barragem Sobradinho no funcionamento do regime hidrológico do rio e nas características de sua foz. A pressão que o São Francisco fazia contra o mar inverteu-se, e hoje o mar é que invade o rio. Coisas antes impensáveis, como a pesca de peixes marítimos quase na metade do Baixo São Francisco, hoje não são incomuns. O “efeito Nilo”, um milagre à vida no meio do deserto, foi, na prática, comprometido no Rio São Francisco em decorrência da imposição da supremacia dos interesses e objetivos do funcionamento da cascata hidrelétrica da Chesf sobre os interesses e objetivos dos demais usuários dos recursos hídricos.
Piorando ainda mais o cenário, no início de 2014, o Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão respon- sável pela coordenação e pelo controle da operação, da geração e da transmissão de energia elétrica, autorizou a diminuição da vazão mínima da Barragem de Sobradinho de 1.300 m3/s para 1.100 m3/seg. Observe-se que esta vazão de 1.300 m3/s era a vazão mínima, era um nível de segurança, e o ONS, sem estudos adequados que garantissem a viabilidade de todos os usos do rio, incluindo a sustentabilidade ambiental, autorizou a diminui- ção. Uma situação que já era ruim - a vazão já era baixa - ficou infinitamente pior. Todos os benefícios ficaram comprometidos quando a vazão do rio foi reduzida.
Ora, Excelências, o ONS não pode concentrar todo esse poder. Precisamos fortalecer um órgão colegia- do, criado por decreto presidencial em 2001, que é o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, cujos objetivos são implementar a política de recursos hídricos em toda a bacia, estabelecer regras de conduta locais e gerenciar os conflitos e interesses em toda a bacia.
Seria necessária, antes de qualquer diminuição na vazão do rio, a manifestação desse órgão. Que atue na defesa dos interesses ambientais do rio e na perenidade das vidas e das cidades que dependem de uma alta vazão para se manter.
Estou trabalhando em uma proposta que tenho para aliviar o quadro atual, que é a apresentação de um projeto de lei que limite esse poder absoluto nas mãos da ONS.
Srªs e Srs. Senadores, não tenho dúvida de que a energia é importante. Claro que é. E não estou aqui falando em fazer escolha entre energia ou vazão do rio. Não se trata disso. Todos sabemos que o sistema ener- gético do Brasil hoje é quase que totalmente interligado. Tenho plena convicção de que uma melhor gestão do sistema como um todo seria suficiente para a manutenção de uma vazão mínima mais elevada no Rio São Francisco, para garantir que não vão ocorrer oscilações nos moldes que vimos no início do ano.
Sobra energia no Norte, o sistema é interligado. Não é justo e nem necessário castigar ainda mais a já sofrida população ribeirinha com essas intervenções abusivas do Operador Nacional do Sistema. Temos que tirar maior proveito do fato de o sistema ser interligado, usar esse fator para interferir o mínimo possível na vazão do rio.
Minha proposta é alterar a Lei n° 9.433, de 1997, que institui o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, para acrescentar a exigência de ser o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco o lócus de decisão quanto à alteração da vazão em reservatórios regularizadores abaixo dos patamares mínimos, podendo o ONS ter o poder de decisão apenas até atingida essa vazão mínima.
Alteração é fundamental, pois tem sido cada vez mais frequente a realização de reduções emergenciais, em que se libera uma vazão mínima sem tempo suficiente para que os usuários situados abaixo do respecti- vo reservatório se organizem para fazer face às novas contingências. Atualmente, as alterações de vazão têm como objetivo principal otimizar as condições de operação de reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos e são feitas pela Agência Nacional de Águas (ANA) em articulação com o Operador Nacional do Sistema Elétri- co (ONS), nos termos do §3º do art. 4º da Lei n° 9.984, de 17 de julho de 2000.
Tenho para mim que as alterações de vazão devem priorizar não apenas a segurança energética como também os demais usos múltiplos do rio, conforme exige a Política Nacional de Recursos Hídricos. Assim, en- tendo que a decisão de alterar vazões abaixo de um patamar mínimo deve ser realizada de forma gradual, se- gundo decisão do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica.
É de fácil percepção que alterações naturais aconteceram em decorrência das mudanças climáticas, que agravaram os dramas do rio, mas insisto que o principal problema é gerencial, pois a CHESF, de longa data, detém informações hidrometeorológicas sobre toda a bacia do Rio São Francisco. São dados preciosos, capazes de permitir um planejamento das descargas de vazão, respeitando os diversos usos do rio, mas a CHESF, é o
que se percebe, insiste em utilizar o rio prioritariamente como fonte de geração de energia, em detrimento de suas outras inúmeras formas de aproveitamento.
A redução ou o aumento de vazão sem regras fixas e sem participação dos demais usuários tem gerado impactos econômicos e ambientais significativos aos Municípios, em especial aos setores ligados ao sanea- mento ambiental, à produção agrícola, à navegação, bem como às populações ribeirinhas.
Assim, proponho alteração no regime de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, no sentido de que o respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica autorize previamente a redução abaixo de um mínimo pre- determinado das vazões oriundas de reservatórios regularizadores, bem como estabeleça cronograma para a implementação dessa medida, de modo a preservar o uso múltiplo das diversas destinações do rio. Peço aos Srs. Senadores e às Srªs Senadoras que me apoiem também nessa empreitada.
Precisamos tentar, artificialmente, reproduzir as antigas condições naturais do rio, programando, nos mes- mos períodos, as cheias artificiais, através da liberação maior de água das represas. Mas é um procedimento a ser feito com grande transparência e previdência, informando com segura antecedência os períodos de incre- mento na vazão, prevenindo toda a população ribeirinha e as instituições relacionadas, para as providências necessárias. Alimento o sonho e a esperança de ver novamente as lagoas marginais com as suas portas d’água fechadas para a criação de peixes e a produção do arroz.
Da mesma forma que o Egito é um presente do Nilo, grande parte do Nordeste é um presente do São Francisco. Conclamo a todos a cuidarmos melhor dessa dádiva, pois, do contrário, o já debilitado Velho Chico caminha para a sua morte. Não podemos passar para a história como a geração que contribuiu para o fim do rio da integração nacional.
Preservar o Rio São Francisco é vital para os ribeirinhos, indispensável para o Nordeste, estratégico para o desenvolvimento do Brasil e é determinante para o destino que deixamos para as próximas gera- ções de brasileiros, como a nossa audiência aqui no plenário, para essas crianças que estão aqui. Temos a obrigação e o dever de deixar um meio ambiente com sustentabilidade, para que eles possam usufruir dos benefícios.
Sr. Presidente, na esperança de ter demonstrado a amplitude da problemática que rodeia o Velho Chi- co e de ter chamado a atenção de todos para a urgência de soluções, eram essas as minhas considerações. Espero imensamente que dessa minha fala surjam ideias e ações para melhorias no nosso velho e sofrido São Francisco.
Muito obrigado.