Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 08/10/2014
Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Reflexões acerca do federalismo fiscal; e outros assuntos.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ELEIÇÕES.
DIVIDA PUBLICA, TRIBUTOS.
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- Reflexões acerca do federalismo fiscal; e outros assuntos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/10/2014 - Página 97
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES. DIVIDA PUBLICA, TRIBUTOS. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ASSUNTO, RESULTADO, ELEIÇÕES, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, EVENTO, OBJETIVO, DEBATE, CAMPANHA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
- COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, CALCULO, DIVIDA PUBLICA, GOVERNO ESTADUAL, RELAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS).
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTOR, PROFESSOR, ECONOMIA, ASSUNTO, SITUAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, GESTÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Odacir Soares, quero aqui registrar que tenho recebido um número extraordinário de manifestações de pessoas, em todo o Brasil e, inclusive, no exterior, dizendo do seu carinho, respeito e apoio a tudo aquilo que tenho feito no Senado Federal. Inclusive, hoje, recebi o telefonema do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para também me transmitir toda a solidariedade e para me convidar para participar da reunião de amanhã em São Paulo, às 6h da tarde, na Quadra dos Bancários, onde iremos refletir a respeito do que aconteceu nas eleições de São Paulo, para estarmos todos dispostos a realizar a campanha mais eficaz possível, para que a Presidenta Dilma Rousseff seja reeleita em 26 de novembro próximo.
Também recebi, entre centenas de mensagens, a do querido Governador Tarso Genro, por enquanto vitorioso no Rio Grande do Sul, bem como a da querida Ministra Eleonora Menicucci, Ministra da Presidenta Dilma Rousseff, sobre a situação da mulher no Brasil. Ela, muitas vezes, participou da campanha junto a mim, ao Alexandre Padilha, nosso candidato ao Governo de São Paulo, e à Presidenta Dilma em muitas ocasiões, nesses últimos meses. Agradeço o seu carinho.
Também recebi o telefonema da Ministra Ideli Salvatti. Agradeço todas as suas palavras.
Mas quero, aqui, hoje, falar acerca do federalismo fiscal. Eu gostaria de tecer algumas reflexões acerca da contribuição que o Senado pode oferecer para a resolução dos problemas pendentes relativos ao federalismo fiscal.
Uma das questões fundamentais da defesa das finanças estaduais e municipais é a aprovação urgente do Projeto de Lei da Câmara nº 99/2013, que trata dos indexadores das dívidas dos entes federativos com a União. A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado Federal no ano passado, tendo sido apreciada nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE).
Nesta Casa, após discussão em torno do assunto, no final de 2013, foi anunciado pelo Senador Luiz Henrique (PMDB/SC), relator do projeto, um acordo com o Governo para que não fossem feitas alterações no projeto recebido da Câmara. Também existia o entendimento, com o apoio do Governo Federal, para que a matéria fosse apreciada logo na reabertura dos trabalhos, em fevereiro de 2014.
Diante do exposto, foi realizada sessão conjunta da CCJ e da CAE, e foi aprovada a proposição com pequenos ajustes de redação.
Em linha com o acordo anunciado, o PLC nº 99/2013 foi incluído, no plenário, na Ordem do Dia da sessão deliberativa ordinária de 04/02/2014, para discussão em turno único. Vale notar que, por se tratar de lei complementar, é necessária a existência de quórum qualificado, no caso maioria absoluta. Todavia, em função da apresentação de emendas de Plenário, o Projeto retornou à CCJ e à CAE.
Em 09/04/12, o relator propôs a rejeição de todas as emendas apresentadas, voto vencedor na sessão conjunta de ambas as comissões. Desde então, tal como veio da Câmara dos Deputados, o projeto aguarda votação em plenário.
Isso posto, esta Legislatura tem a responsabilidade com a Federação brasileira de aprovar o PLC nº 99/2013, o que reduzirá substancialmente o estoque da dívida dos Estados e Municípios envolvidos, ao longo dos anos, fornecendo melhores condições de gestão fiscal, com impactos positivos nos serviços prestados à população.
Por decisão da Câmara dos Deputados, o projeto prevê ainda que a União poderá conceder desconto sobre o saldo devedor nos contratos de refinanciamento, equivalente à diferença da variação acumulada do IGP/DI + taxa de juros e variação da Selic, entre a data da assinatura do contrato, celebrado com a União, até dezembro de 2012. A medida é muito importante para alguns Estados e Municípios, que assim contarão com um alívio financeiro adicional.
Lembro que os Senadores do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, Paulo Paim e Ana Amélia, reiteradamente, têm se pronunciado a favor da aprovação. Espero que isso ocorra ainda neste semestre.
Aprovar o PLC nº 99/2013 significa também sinalizar para a Câmara dos Deputados que é chegado o momento de avançar em outra importante matéria de natureza federativa: a PEC nº 197/2012, que trata da partilha do ICMS nas operações interestaduais para não contribuintes, conhecida como a PEC do comércio eletrônico.
Ainda em 2014, houve um importante acordo no âmbito do Confaz, que sugere introduzir alterações nessa proposta, no sentido de que seja implantado um período de transição, durante o qual, de forma crescente, o imposto será direcionado ao Estado de destino. Ao final do período, será aplicada a mesma regra já em vigor para as operações entre contribuintes, segundo a qual cabe ao Estado de destino o imposto correspondente à diferença da alíquota interna por ele praticada e a alíquota interestadual do ICMS.
Encaminhar uma solução satisfatória para a guerra fiscal do ICMS é o terceiro grande desafio que temos de enfrentar. A esse respeito, temos conhecimento de que, após intensos debates, o Confaz mantém o entendimento de que o convênio a ser oportunamente celebrado para conceder remissão e anistia de créditos tributários vinculados ao ICMS e decorrentes de práticas sem conformidade com o ordenamento nacional deve observar regras expostas no Convênio ICMS 70, de 29 de julho de 2014. A redução de alíquotas interestaduais do ICMS e a instituição de fundos voltados à compensação de perdas de receita e ao desenvolvimento regional são os destaques entre as medidas propugnadas.
Portanto, é importante que se discuta a convergência entre o texto do PLS nº 130/14 e os termos do mencionado Convênio Confaz. Além de contemplar como condições para a entrada em vigor dessa proposta, seria importante nesse sentido excluir o conteúdo hoje presente no art. 3º do substitutivo apresentado na CAE. Tal dispositivo contraria frontalmente o desejado por ampla maioria do Confaz, na medida em que faculta aos poderes locais a prerrogativa de, unilateralmente, afastar as sanções previstas em lei complementar federal, consideradas essenciais para a operacionalidade do ICMS.
Por outro lado, o calendário eleitoral tornou remotas as possibilidades de que tão importante matéria seja apreciada, nesse momento, em uma perspectiva mais ampla, que alinhe as mudanças necessárias no campo do ICMS a um projeto profundo de reforma tributária, que, em verdade, só será conhecido depois de ouvidas as urnas, em 26 de outubro próximo.
Quero, a propósito desta comunicação, aqui solicitar que seja anexado o Convênio ICMS 70, de 29 de julho de 2014, que dispõe sobre as regras que deverão ser observadas para fins de celebração de convênio que trate da concessão de remissão e anistia de créditos tributários relativos a incentivos e benefícios fiscais e financeiros vinculados ao ICMS, autorizados ou concedidos pelas unidades federadas, sem a aprovação do Confaz, bem como da sua restituição.
Quero também aqui registrar a carta que o Conselho Nacional de Política Fazendária, composto pelos Secretários de Fazenda de todo o Estado, encaminhou, em 29 de agosto de 2014. Uma carta assinada pelo Coordenador dos Secretários de Fazenda no Confaz, José Barroso Tostes Neto, ao Senador Relator, Luiz Henrique da Silveira, contendo as proposições que menciono na minha comunicação.
Gostaria também de aqui assinalar o compromisso por mim firmado como candidato ao Senado para o próximo período legislativo. Assinalo que, como venho fazendo desde que o PLC nº 99, de 2013, começou a tramitar no Senado Federal, assumo o compromisso com a população da cidade de São Paulo de lutar pela rápida aprovação dessa importante proposição. Eu quero assinalar ao Conselho da cidade de São Paulo que o meu compromisso é lutar para que essa proposição, o PLC nº 99, de 2013, seja aprovado até dezembro, até o encerramento dos trabalhos deste ano legislativo.
Gostaria, Sr. Presidente, de aqui assinalar dois artigos que considerei de grande relevância, do meu querido amigo, professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor de Economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, ex-Ministro da Administração e ex-Ministro da Fazenda dos governos brasileiros.
O artigo a que me refiro é, primeiro, “O grande acordo das elites”, publicado por Tendências/Debates, no início desta semana, no jornal Folha de S.Paulo, que diz o seguinte:
O Brasil precisa de um acordo nacional que tire a economia do país da armadilha do ‘grande acordo’ das elites, que inviabiliza o crescimento.
O Brasil precisa dramaticamente de um acordo nacional que recoloque os preços básicos (macroeconômicos) no lugar certo e faça o Brasil retomar o desenvolvimento.
É necessário que a taxa de juros básica volte a ser civilizada; que a taxa de câmbio volte a ser competitiva; que a taxa de lucro esperada se torne satisfatória para os empresários e que eles voltem a investir; que os salários cresçam de acordo com a produtividade; e que a taxa de inflação se mantenha em nível aceitável.
O país precisa de um acordo nacional que tire a economia da armadilha de juros altos, do câmbio apreciado (baixo) e da taxa de lucro esperada, insatisfatória, que inviabiliza o crescimento.
Esse acordo não vai unir todos. Ou será um acordo desenvolvimentista, que reunirá empresários, trabalhadores e a burocracia pública em torno das ideias de nação e desenvolvimento, ou será um acordo liberal, reunindo rentistas, financistas e interesses estrangeiros e atenderá apenas aos interesses dos ricos. Ou continuaremos a nos defrontar com um vazio político, como temos visto nesta campanha, na qual os candidatos não têm uma proposta.
Não existe um acordo nacional, mas existe um ‘grande acordo’ [entre aspas] que pode ser enunciado de maneira bem simples: aos rentistas, juros altos; às grandes empresas, taxa de juros subsidiada pelo BNDES; aos pobres, despesas sociais elevadas; e para todos, câmbio apreciado.
Desse acordo perverso só uma proposição coincide com o bem público: as despesas sociais elevadas. Elas constituem um salário indireto eficiente e mais justo porque proporcionam a elevação do padrão de vida de forma mais igual e a um custo menor do que o que haveria se ele se expressasse em salários diretos.
Um nível de taxa de juros real elevado é a demanda dos capitalistas rentistas, que vivem de juros, aluguéis e dividendos, e dos financistas, que administram a riqueza dos primeiros. É a demanda da coalizão de classes neoliberal que perdeu grande parte do seu poder nos países ricos desde que suas políticas causaram a crise de 2008, mas que ainda continua poderosa no Brasil.
Eu falo em ‘nível’ da taxa de juros porque o Banco Central precisa conservar seu poder de conduzir a política monetária. Em vez de fazer com que ela varie em torno de 5% reais, ela deve variar em torno de, no máximo, 2% reais [assinala Luiz Carlos Bresser Pereira].
Os juros subsidiados do BNDES (a TJLP, Taxa de Juros de Longo Prazo) é a demanda das grandes empresas que condicionam os seus investimentos a uma taxa de juros moderada. Como o poder rentista impede a diminuição do nível da taxa de juros, a solução necessária é a TJLP. Mas como ficam, então, as pequenas e médias empresas? Poucas têm acesso ao BNDES. E como ficam todos os que pagam impostos?
Finalmente, uma taxa de câmbio sobreapreciada no longo prazo aumenta artificialmente os rendimentos de todos, sejam eles trabalhadores, empresários ou rentistas. E permite que todos consumam mais do que a economia permite, ao mesmo tempo em que inviabiliza os investimentos na indústria e condena o país ao baixo crescimento.
O que tinham os candidatos a dizer a respeito? Muito pouco. Ou porque não se davam conta do problema e pensavam que basta fazer ajustamento fiscal para que o equilíbrio macroeconômico seja recuperado (Aécio e Marina), ou porque sabiam que o problema existe, mas, como foi o caso de Dilma que, como não teve poder para resolvê-lo, calou-se.
A Presidente bem que tentou baixar os juros e depreciar o câmbio, mas parou na metade do caminho e teve que recuar, pois não fez ao mesmo tempo o ajuste fiscal necessário e porque não teve o apoio das elites brasileiras, que estão acomodadas com seu ‘grande acordo’.
E porque nem as elites, nem o povo está disposto a incorrer nos custos de um acordo nacional: preferem o consumo imediato que o câmbio apreciado proporciona.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 80 [anos], é professor emérito de Economia, Teoria Política e Teoria Social da Fundação Getúlio Vargas. Foi Ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC).
Quero assinalar que essa avaliação da política econômica, feita de maneira muito construtiva, é de um professor de Economia que já pertenceu ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas que se considera um intelectual independente.
Ainda assim, ele recentemente declarou: “Vou votar pela reeleição de Dilma Rousseff, (...) porque é ela quem melhor atende aos critérios que adoto para escolher o candidato [à Presidência da República].”
Nesse outro artigo, ele diz que:
Em 1988 fui um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira e sempre votei em seus candidatos à presidência. Mas, gradualmente, fui me afastando do partido por razões de ordem ideológica e, depois da última eleição presidencial, vendo que o partido havia dado uma forte guinada para a direita, que deixara de ser um partido de centro-esquerda e que abandonara a perspectiva desenvolvimentista e nacional para se tornar um campeão do liberalismo econômico, desliguei-me dele. Por isso quando hoje perguntam em quem vou votar, a pergunta faz sentido.
Vou votar pela reeleição de Dilma Rousseff, não por que seu governo tenha sido bem-sucedido, mas porque é ela quem melhor atende aos critérios que adoto para escolher o candidato. São dois esses critérios: quanto o candidato está comprometido com os interesses dos pobres e quão capaz será ele e os partidos políticos que o apóiam de atender a esses interesses, promovendo o desenvolvimento econômico e a diminuição da desigualdade.
Dilma atende ao primeiro critério melhor do que Marina Silva e muito melhor do que Aécio Neves. Isto nos é dito com clareza pelas pesquisas de intenção de voto, onde ela vence na faixa dos salários mais baixos e reflete a preferência clara pelos pobres que os três governos do PT revelaram. O mesmo se diga em relação ao segundo critério na parte referente à desigualdade. O grande avanço social ocorrido nos doze anos de governo do PT tem um valor inestimável.
Já em relação ao desafio do desenvolvimento econômico, o problema é mais complexo. Estou convencido de que Dilma conhece melhor do que seus competidores quais os obstáculos maiores que vêm impedindo a retomada do desenvolvimento econômico desde que, em 1994, a alta inflação inercial foi superada. Os resultados econômicos no seu governo não foram bons, mas isto se deveu menos a suas fraquezas e erros e mais ao fato de que não teve as condições necessárias de enfrentar a falha de mercado estrutural que está apreciando cronicamente a taxa de câmbio e desligando as empresas competentes do país de seu mercado e, assim, está condenando a economia brasileira à quase-estagnação. Desde 1990-91, ao se realizar a abertura comercial, os economistas brasileiros (inclusive eu, naquele momento) não estávamos nos dando conta de que o imposto sobre exportações de commodities denominado ’confisco cambial’ - essencial para a neutralização da doença holandesa - estava sendo extinto. Em consequência, as empresas industriais brasileiras passavam a ter uma desvantagem (custo maior) para exportar de cerca de 25% em relação às empresas de outros países por razão exclusivamente cambial e uma desvantagem desse valor menos a tarifa de importação (hoje, em média, de 12%) para concorrer no mercado interno com as empresas que para aqui exportam.
A esta causa estrutural de apreciação cambial (a não-neutralização da doença holandesa) devem ser adicionadas duas políticas equivocadas normalmente adotadas pelos países em desenvolvimento. A política de crescimento com poupança externa (de déficit em conta corrente) e a política de âncora cambial para controlar a inflação apreciam o câmbio no longo prazo.
Elas são responsáveis por cerca de mais 10 pontos percentuais de apreciação da taxa de câmbio que devem ser somados aos 25% acima referidos. Logo, a desvantagem total das empresas brasileiras em relação às empresas de outros países que exportam para os mesmos mercados que nós é, em média, de 35% [...], e a desvantagem total em relação às empresas estrangeiras que exportam para o mercado brasileiro é de 23% [...]. Estas duas desvantagens desaparecem nos momentos de crise financeira, que, mais cedo ou mais tarde, decorrem necessariamente dessa sobreapreciação.
Quando digo que a presidente não teve "condições", estou dizendo que ela não teve poder suficiente para eliminar essa desvantagem competitiva de longo prazo. Ela tentou: iniciou o governo fazendo um ajuste fiscal, reduzindo os juros e promovendo uma depreciação real de cerca de 20%. Mas ela recebeu do governo anterior, marcado pelo populismo cambial, uma taxa de câmbio brutalmente apreciada, de R$1,90 por dólar, a preços de hoje. Por isso, a elevação da taxa de câmbio para cerca de R$2,28 por dólar não foi suficiente para torná-la competitiva. [Hoje a taxa está maior do que essa].
A taxa de câmbio que torna competitivas as empresas competentes existentes no Brasil (que denomino "de equilíbrio industrial") deve estar em torno de R$3,00 por dólar. Em consequência desse fato e da retração da economia mundial, a depreciação não foi suficiente para levar as empresas a voltar a investir; foi, porém, suficiente para aumentar um pouco a inflação. Diante desses dois resultados negativos, os economistas do mercado financeiro e a mídia liberal gritaram, mostraram erros do governo (como o controle dos preços da eletricidade e do petróleo e a "aritmética criativa" para aumentar o superávit primário) e, assim, sob forte pressão e preocupada em não ser reeleita, a presidente foi obrigada a recuar.
Mas não terão os outros dois candidatos mais importantes condições de fazer o que Dilma não fez? Estou convencido que não. Não apenas porque eles também não terão poder para enfrentar os interesses de curto prazo dos que rejeitam a depreciação cambial porque não querem ver seus salários e demais rendimentos diminuam e a inflação aumente, ainda que temporariamente. Também porque seus economistas não reconhecem o problema da doença holandesa e não são críticos das duas políticas acima referidas. Supõem, equivocadamente, que a grande sobreapreciação cambial existente no país é um problema de curto prazo, de "volatilidade cambial". Basta ler seus programas de governo.
Terá a presidente [Dilma] poder suficiente para mudar esse quadro caso reeleita? É duvidoso. Ela não enfrenta apenas a oposição liberal e colonial, que é incapaz de criticar a ortodoxia liberal e não vê os conflitos entre os interesses do Brasil e dos países ricos. A presidente enfrenta também a incompetência da grande maioria dos economistas brasileiros, que, apegados a seus livros-texto convencionais, não compreendem hoje a tese central da macroeconomia novo-desenvolvimentista (a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio) como não entendiam entre 1981 e 1994 a teoria da inflação inercial. Naquele tempo havia apenas oito (sim, oito) economistas que entendiam a inflação inercial. Quantos entenderão hoje os economistas que compreendem porque, deixada livre, a taxa de câmbio tende a ser sobreapreciada no longo prazo, só se depreciando bruscamente nos momentos de crise de balanço de pagamentos?
Voto pela reeleição da presidente [assinala Luiz Carlos Bresser Pereira], mas já deve estar ficando claro que não estou otimista em relação ao futuro do Brasil. Quando as elites brasileiras não conseguem sequer identificar o fato novo (mas que já tem 23 anos) que impede que o Brasil volte a crescer de maneira satisfatória desde 1990-91, como podemos pensar em retomar o desenvolvimento econômico? A esquerda associada ao PT está muda, perplexa; a direita liberal supõe que basta fazer um ajuste fiscal para resolver o problema. Embora um ajuste fiscal forte seja essencial para a política novo-desenvolvimentista de colocar os preços macroeconômicos no lugar certo, apenas esse ajuste não basta. Será necessário também baixar o nível da taxa de juros e depreciar a taxa de câmbio para que a taxa de lucro se torne satisfatória e as empresas voltem a investir. Só assim a economia brasileira deixará de estar a serviço de rentistas e financistas, como está há muito tempo, e os interesses dos empresários ou do setor produtivo da economia voltem a coincidir razoavelmente com os interesses dos trabalhadores.
A presidente tem uma famosa dificuldade de ouvir os outros, mas é dotada de coragem, determinação, espírito republicano e se orienta por um padrão moral elevado. Conta, ao seu lado, com alguns políticos de boa qualidade. Ela foi derrotada no primeiro round, mas, quem sabe, vencerá o segundo?
Leio apenas duas notas da Redação:
Em economia, doença holandesa (do inglês Dutch disease) refere-se à relação entre a exportação de recursos naturais e o declínio do setor manufatureiro. A abundância de recursos naturais gera vantagens comparativas para o país que os possui, levando-o a se especializar na produção desses bens e a não se industrializar ou mesmo a se desindustrializar - o que, a longo prazo, inibe o processo de desenvolvimento econômico.
A expressão “doença holandesa” foi inspirada em eventos dos anos 1960, quando uma escalada dos preços do gás teve como consequência um aumento substancial das receitas de exportação dos Países Baixos e a valorização do florim (moeda da época). A valorização cambial acabou por derrubar as exportações dos demais produtos holandeses, cujos preços se tornaram menos competitivos internacionalmente, na década seguinte. (Fonte: Wikipédia, verbete "Doença holandesa”.)
Aqui, Sr. Presidente, li, portanto, dois artigos do querido professor Luiz Carlos Bresser Pereira. Ele faz uma reflexão que traz algo bastante interessante e em que todos nós podemos pensar, inclusive a equipe econômica da Presidenta Dilma, de forma mais construtiva.
Agradeço muito a tolerância, Senador Odacir Soares. Seja bem-vindo, novamente, ao Senado. Peço apenas que os documentos a que aqui me referi sejam inseridos no meu pronunciamento.
Muito obrigado.