Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões acerca das causas da morosidade do acesso à Justiça no Brasil.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Reflexões acerca das causas da morosidade do acesso à Justiça no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2014 - Página 30
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, DIFICULDADE, ACESSO, DEMORA, JUSTIÇA, BRASIL, ENFASE, OBSTACULO, EXCESSO, LITIGIO, BUROCRACIA, REFERENCIA, RELATORIO, PUBLICAÇÃO, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), ASSUNTO, INEFICACIA, CRESCIMENTO, DEMANDA, EXPECTATIVA, MELHORIA, RENOVAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO CIVIL, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, NECESSIDADE, AUMENTO, CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO.

            O SR. CASILDO MALDANER (Bloco Maioria/PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caro Presidente Eduardo Suplicy, eminentes colegas, logicamente o pronunciamento da Senadora Ana Amélia no dia do mestre, no qual tive a honra de aparteá-la, é deveras consagrado, por todos nós festejado, rememorado no dia de hoje. Aqui, no plenário, não só o Professor Cristovam tem sido meu professor, mas, com destaque, sabemos que o Senador Eduardo Suplicy é um mestre também. Sei que é da Fundação Getúlio Vargas, eu sei que é professor de diversas áreas, principalmente no campo da Economia.

O nosso Senador Eduardo Suplicy é um emérito extraordinário nessa área. Não só os catarinenses, mas os brasileiros todos reconhecem, inclusive os do exterior.

            Caro Presidente e demais colegas, na tarde de hoje, quero trazer algumas ponderações, fazer uma reflexão sobre a lentidão do acesso à Justiça no Brasil, fazer uma reflexão sobre isso: a demanda judicial, as pessoas que a procuram. E, para satisfazer esse desejo, para entregar uma solução, para que satisfaça essa procura, ela tem percalços dos mais diversos no nosso País.

            A Justiça é e sempre será a última instância de garantia de direitos dos cidadãos. É lá que se resolvem os litígios, as lides, as questões das mais diversas ordens que garantem a paz social, seja no âmbito civil ou penal.

            O excesso de litigiosidade, a falta de informatização e a burocracia, contudo, afastam cada vez mais a Justiça brasileira de seus objetivos. Convivemos hoje, efetivamente, com uma Justiça lenta, cara e ineficiente, posição compartilhada por magistrados de todo o País.

            Há poucos dias, Senador Kaká, o Conselho Nacional de Justiça divulgou seu relatório anual, Justiça em Números, edição 2014, que revelou uma realidade inequívoca: do jeito que está, o Judiciário não dá conta da demanda em permanente crescimento, devolvendo à sociedade uma prestação jurisdicional lenta e, por isso, ineficaz.

            De acordo com o relatório, o Judiciário conheceu, somente no ano passado, portanto em 2013, 28,3 milhões de novos processos aos quais se acresce um estoque de 66,8 milhões de demandas pendentes para alcançar o total de 91,1 milhões de autos em tramitação no ano que se findou.

            Nós temos, portanto, 91 milhões de processos em andamento no País.

            Como os 16,5 mil juízes do País deram cabo de 27,7 milhões desses casos (média de 1.684 por magistrado), este ano começou com um passivo acumulado de 67,4 milhões, quantia 0,9% superior à de 2013. A pilha só faz crescer. Terminamos o ano com 91 milhões em estoque e, no ano passado, dos aproximadamente 28 milhões que tinham entrado, os 16,5 mil juízes do Brasil conseguiram julgar, levar a cabo 27,7 milhões de processos, numa média de 1.684 processos por magistrado durante o ano. E, por isso, houve esse acúmulo.

            É preciso destacar o esforço feito pelos magistrados. Quando contabilizamos cerca de 1.600 sentenças, em média, por magistrado, chegamos ao cálculo de quase cinco por dia do ano, incluindo sábados, domingos e feriados, Senador Fleury. Ainda assim, a taxa de congestionamento ficou em 60% nos processos de conhecimento e mais de 85% nos processos de execução.

            Os casos mais críticos estão onde a demanda é maior: a capital paulista, por exemplo, e a capital fluminense. Mas há casos alarmantes em cidades pequenas, onde faltam juízes e sobram processos.

            Em uma primeira análise, é natural pensar que, para solucionar o problema, basta aumentar o número de juízes e, com eles, os servidores do Judiciário. A taxa média de magistrados para cada cem mil habitantes, no Brasil, é de oito, com variações, podendo ser menor do que quatro em alguns Estados e maior do que dez em outros.

            O número pode ser considerado baixo, quando comparado com países como Espanha, França, Portugal e Itália, que possuem entre 10 e 17 magistrados por 100 mil habitantes.

            Por outro lado, encontra-se na média internacional, que é de 8 juízes por 100 mil habitantes. A média do mundo, mais ou menos, é de 8. Não no Brasil, não há dúvida.

            Temos outros caminhos a perseguir - e aí é que é o nó górdio. Precisamos encontrar outros caminhos para atender a essa demanda.

            No campo legislativo, Sr. Presidente, é preciso rever procedimentos processuais que limitem a eterna tramitação pela via recursal, permitindo que processos arrastem-se por décadas. A análise do novo Código de Processo Civil, em tramitação no Congresso Nacional, já é um passo. É um meio, um mecanismo que está tramitando aqui.

            Na percepção geral, hoje, desde que se possam pagar bons advogados, há recursos e apelações para tudo, enquanto aos menos favorecidos resta a disponibilidade, ainda reduzida, da Defensoria Pública.

            Outrossim, não podemos negar certa tendência judicializante entre nós. Há essa tendência no Brasil de se judicializar. Tornou-se cada vez mais comum ouvirmos um "vou entrar na Justiça", ou "vou te processar", por qualquer tipo de conflito. Isso se tornou comum hoje no Brasil.

            Devemos apostar, primeiro, na autocomposição, na conciliação e na mediação para resolução de dúvidas e problemas de menor monta. Essa é a maneira mais rápida, simples e civilizada de solução de conflitos.

            Podemos pensar inclusive, Sr. Presidente e colegas, na criação de uma instância administrativa composta exclusivamente por juízes conciliadores, com formação específica e competência para processar, julgar e executar as decisões. É um caminho; é uma maneira. Para ampliar sua ação e permitir o pleno acesso da população, poderiam funcionar junto às casas de cidadania, Prefeituras, PROCONs, ou mesmo Fóruns. Então, repito este parágrafo: para realizarmos uma ação que permitisse o pleno acesso da população, tal instância administrativa composta por juízes conciliadores poderia funcionar junto às casas de cidadania que existem, as próprias prefeituras, os PROCONs, ou mesmo os Fóruns.

            No mesmo sentido, Sr. Presidente, o fortalecimento da arbitragem e dos juizados especiais pode desafogar os abarrotados escaninhos da Justiça. Em Santa Catarina, por exemplo, o meu Estado, já registramos experiências bem-sucedidas nesse sentido.

            Outro grande responsável pelo congestionamento da Justiça é a atuação do Poder Público nessa esfera - e esse é um particular que vale a pena citar. Um grande responsável pelo congestionamento da Justiça é o próprio Poder Público. Calcula-se que 50%, a metade, de todos os processos em tramitação tem como parte o Poder Público do Brasil. Como é que pode isso? De todos esses sessenta e poucos milhões de processos que estão pendentes, a metade, praticamente, é do Poder Público. Dos 28 milhões de processos que deram entrada no ano passado no Poder Judiciário, praticamente a origem de metade disso é do Poder Público. Somente os processos de execução fiscal respondem por 33% do total de casos que tramitam ou tramitaram em 2013 - a terça parte dos processos que tramitaram durante o ano passado é de execução fiscal.

            O procedimento é moroso e impõe ao Judiciário a localização do devedor e a busca dos bens. O modelo atual de judicialização total de ações, inclusive aquelas fadadas ao insucesso, transforma os tribunais em um cemitério de processos, aguardando a prescrição.

            Segundo o Conselho Nacional de Justiça (Conselho Nacional de Justiça), o tempo médio em um processo de execução fiscal no Brasil é de cinco anos somente para fazer a citação do réu - ou seja, para avisá-lo da cobrança. Somente isso. Então, há uma demora e aquele negócio todo, e, daí, vai para a prescrição muitas vezes.

            Além de tudo, não podemos esquecer da importância do âmbito administrativo da Justiça, que inclui a modernização da gestão de pessoas e de processos. Enfim, uma inovadora política de gerenciamento, com estabelecimento de metas, pode trazer resultados positivos.

            E, para encerrar, Sr. Presidente, essa é a preocupação, essa é a reflexão que trago na tarde de hoje.

            Em seu modelo atual, a prestação jurisdicional é morosa, cara e, por consequência, ineficiente. Medidas de modernização, combate à litigiosidade exagerada e incentivo à conciliação são essenciais para o fortalecimento da Justiça, pilar fundamental do Estado democrático do direito. Não há democracia plena sem justiça eficiente, para todos.

            Essas são as reflexões que trago na tarde de hoje, Sr. Presidente Eduardo Suplicy e eminentes colegas. Esse é um dos temas para o qual nós precisamos encontrar caminhos no Brasil. É preciso atender à demanda de milhões de brasileiros que ficam no aguardo, milhões de pessoas. Eu inclusive recebo demandas, apelos, de pessoas de que estão lá no fim da sua vida, muitas vezes, e gostariam de ver resolvidas as questões. Ou é na Previdência, ou é em outra, ou é na decisão de compensação de uma coisa que gostariam de ver sanada, para poderem despedir-se dessa vida - e vai e vai... - e deixar para os seus filhos, para os seus netos, bisnetos. Gostariam de ter uma solução de contendas. E há milhares e milhares dessas. São coisas assim, para não adentrarmos mais, que demandam de nós caminhos a serem buscados para atendê-las.

            É uma grande reflexão que trago, nós precisamos encarar isso. E lembro também a necessidade de tramitação do processo do Código Civil aqui no Senado, nesta Casa, neste Congresso. Eu acho que é um dos caminhos que podemos trilhar para mediarmos essas demandas todas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente e caros colegas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2014 - Página 30