Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o fenômeno da desertificação no Brasil e no mundo; e outro assunto.

Autor
Kaká Andrade (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Porto de Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, EDUCAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Preocupação com o fenômeno da desertificação no Brasil e no mundo; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2014 - Página 35
Assunto
Outros > HOMENAGEM, EDUCAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR, ENFASE, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, SALARIO, CONDIÇÕES DE TRABALHO.
  • REGISTRO, APREENSÃO, MEIO AMBIENTE, ENFASE, PERIODO HIDROLOGICO CRITICO, SECA, DESTRUIÇÃO, VEGETAÇÃO, ESTADO DE SERGIPE (SE), SISTEMA DE ABASTECIMENTO, SÃO PAULO (SP).

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Suplicy, quero aqui reiterar a minha homenagem a todos os professores do Brasil, especialmente, como disse há pouco, àqueles que lecionam nos recônditos deste País, nos locais mais distantes, e que exercem, na realidade, além da missão de ensinar, um sacerdócio de retirar da escuridão do analfabetismo milhares de brasileiros para que tenham oportunidade de conhecer o saber e de, conhecendo o saber, poder ajudar no desenvolvimento do nosso País.

            Gostaria de reiterar aqui também o nosso desejo: gostaria de ter ouvido aqui, Senador Cristovam Buarque, que todos os Estados brasileiros estivessem pagando o piso nacional. Seja por qualquer motivo que tenha havido, por não haver condições, mas o ideal é que todos os Estados brasileiros estivessem aqui pagando o piso, e, pelo que V. Exª relatou, apenas nove Estados brasileiros o estão fazendo.

            Que os professores sejam cada vez mais valorizados, valorizados na sua remuneração e nas condições de trabalho. Sem condições de trabalho, não basta remunerar; é preciso dar condições para que o professor desenvolva a sua atividade e transforme a sua atividade na multiplicação do saber.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho dedicado um pouco do meu tempo ao estudo das questões ambientais e, de modo particular, a um tema que me é muito caro, como nordestino e representante do Estado de Sergipe nesta Casa. Refiro-me ao fenômeno da desertificação, esse flagelo que atinge 110 países, nos quais vivem aproximadamente dois bilhões de pessoas. Trata-se de algo extremamente grave e preocupante, mas que pouco tem sido abordado pela grande mídia.

            Quero lembrar que o nosso País passa, talvez, por sua maior crise hidrológica. A cidade de São Paulo, por exemplo, atingiu níveis críticos de reserva de água. De acordo com o Instituto de Astronomia e Geofísica da USP, esta foi a temporada com menos chuvas desde 1969, este é o 13º ano mais seco desde que as medições começaram, em 1934, e também a pior seca desde a criação do Sistema Cantareira, em 1973.

            Ressalto ainda que, de acordo com as Nações Unidas, entre 1981 e 2003, 24% das terras do mundo foram degradadas. No mesmo período, 16% das terras degradadas foram recuperadas, o que mostra ser possível reverter o processo de desertificação. Ainda, segundo as Nações Unidas, o solo perdido anualmente, devido a essa degradação, possibilita a produção anual de 20 milhões de toneladas de grãos. Então, Srªs e Srs. Senadores, a desertificação é um fenômeno terrível, com profundo impacto de natureza econômica, social e ambiental.

            Quando falamos em desertificação, não nos referimos à expansão dos desertos já existentes; estamos falando da degradação do solo em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de diversos fatores, inclusive variações climáticas e atividades humanas.

            Este é o conceito atual de desertificação, de acordo com a Agenda 21, conceito este adotado após a Conferência do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente em 1992.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Permite?

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Prezado Senador Kaká Andrade, gostaria de registrar que estão nos visitando, na galeria do Senado Federal, os representantes do Curso Internacional de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro, representado pelos países: México, Nigéria, Índia, África do Sul e Egito.

            Sejam muito bem-vindos.

            Be welcome all of you.

            O SR. KAKÁ ANDRADE (Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Sejam bem-vindos.

            A comunidade científica começou a voltar a sua atenção para o problema da desertificação nos anos de 1930, em razão do fenômeno conhecido como Dust Bowl - fenômeno climático de tempestade de areia que ocorreu nos Estados Unidos e durou cerca de dez anos, quando intensa degradação dos solos afetou uma área de cerca de 380.000 km2 nos Estados Unidos, nos estados de Oklahoma, Kansas, Novo México e Colorado, situados no meio-oeste norte-americano.

            No entanto, foi somente na década de 1970, quando uma grande seca assolou drasticamente a região do Sahel, na periferia do deserto do Saara, e mais de 500 mil pessoas morreram de fome, que a comunidade internacional despertou, de fato, para os impactos adversos da desertificação - impactos ambientais, sociais e econômicos - e propôs um programa mundial de combate ao problema.

            Nesse momento, entendeu-se que a desertificação era uma questão de dimensão global e requeria, por consequência, a adoção de medidas de caráter global.

            Essa conscientização a respeito do problema fez com que, anos mais tarde, durante a conferência Rio 92 sobre o meio ambiente, as discussões em torno do assunto fossem amadurecidas e resultassem na edição da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, adotada em 17 de junho de 1994, da qual o Brasil é parte signatária.

            Essa convenção possui valor jurídico internacional, gerando compromissos e obrigações para os países Partes, e tem fundamentado as iniciativas domésticas para combate à desertificação, já que diversos Estados encontram-se vulneráveis na região semiárida que abrange o Nordeste e parte de Minas Gerais.

            No Brasil, as áreas mais sujeitas à desertificação e que se enquadram no conceito adotado pela Convenção de Combate à Desertificação abrangem uma extensão de aproximadamente 1.130.000 km2.

            Conforme dados do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil), essas áreas abrangem porções dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais.

            São mais de 1,1 mil Municípios e 21 milhões de habitantes nessas localidades. Isso corresponde a 40% da população do Nordeste: é a maior população do mundo concentrada em uma região semiárida.

            É também uma região com extrema pobreza, em que mais de 50% da população dependem do Programa Bolsa Família.

            Ainda de acordo com o PAN-Brasil, todos os Estados do Nordeste apresentam áreas já atingidas pelo processo de desertificação, variando somente a extensão de terras comprometidas e o grau de degradação.

            Destaco ainda que o PAN-Brasil classifica núcleos de desertificação em que a situação é mais grave, destacando-se Gilbués, no Piauí; Cabrobó, em Pernambuco; Irauçuba, no Ceará; e Seridó, na divisa dos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Nesses núcleos, a degradação foi resultado da substituição da vegetação de Caatinga por atividades de pecuária, agricultura, exploração mineral e extração de madeira para lenha.

            Então, Srªs e Srs. Senadores, essa é uma situação extremamente grave e preocupante, e por isso é importante saber o que tem sido feito para enfrentar esse gravíssimo problema, com especial destaque para a situação de Sergipe.

            Nessa linha de raciocínio, primeiramente eu gostaria de destacar o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil) e seus programas estaduais. Por exigência da Convenção de Combate à Desertificação, o Brasil elaborou o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN-Brasil). A gestão e a implementação desse programa são de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. Nos Estados, as ações estão a cargo das secretarias de Meio Ambiente, de Recursos Hídricos e de Agricultura.

            Até agora, os seguintes Estados já elaboraram seus planos: Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Maranhão. Apesar de terem sido elaborados esses planos, pouca coisa tem sido feita.

            Quero destacar aqui o caso de Sergipe. De acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, o Estado de Sergipe é considerado área frágil, com riscos de desertificação na faixa central, abrangendo todo o Estado, de norte a sul; possui ainda um elevado risco de desertificação na faixa do Sertão semiárida, denominada de Alto Sertão sergipano, e que abrange os Municípios de Canindé de São Francisco, Gararu, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo e Porto da Folha.

            Esses Municípios representam 25% do Estado e concentram uma população de aproximadamente 140 mil pessoas, das quais 75 mil estão na área rural. Por esse motivo, o Estado de Sergipe foi escolhido pelo Programa das Nações Unidas para ser referência no Brasil em matéria de combate à desertificação.

            No Alto Sertão sergipano está sendo desenvolvido um projeto apoiado pelo Fundo Global Ambiental, com valor de investimento estimado em US$4 milhões. Esse projeto tem por objetivo reduzir e mitigar a degradação de terras em áreas sujeitas à desertificação.

            Além dessa iniciativa, nosso Estado também conta com o seu Programa Estadual de Combate à Desertificação (PAE-Sergipe), formulado em 2011, cuja área objeto também é o território do Alto Sertão.

            O Programa possui cinco objetivos principais:

            1. Reduzir a pobreza e evitar o êxodo rural

            2. Garantir a segurança alimentar e nutricional, assegurando uma produção sustentável e adequada para as famílias ali residentes;

            3. Garantir a segurança hídrica da população, ou seja, acesso à água potável e ao saneamento básico;

            4. Garantir a conservação, preservação e o uso sustentável da biodiversidade; e, por fim

            5. Desenvolver mecanismos orientados à garantia de efetiva implementação das políticas, programas e projetos de combate à desertificação.

            Além do PAN-Brasil, outra ação relevante adotada em nível nacional é a Comissão Nacional de Combate à Desertificação, criada em 2008 e a Política Nacional de Controle da Desertificação, resultante da Resolução n° 23/1997, do Conama.

            Essas são iniciativas que têm por objetivo institucionalizar o combate à desertificação, mostrando que existe uma preocupação do Estado brasileiro com esse importante problema.

            Contudo, apesar dessas preocupações, não temos visto ações concretas por parte do Governo Federal que, de fato, contribuam para minimizar a questão.

            A reversão dessa tendência de degradação das terras das áreas suscetíveis à desertificação demanda iniciativas que tragam soluções técnicas de proteção e de gestão deste ambiente, criando condições materiais, humanas, financeiras e normativas para que a sociedade e governo se estruturem e desempenhem suas tarefas e competências com maior grau de eficácia.

            Para isso, faz-se necessário harmonizar intervenções e buscar maior cooperação e sinergia entre todos os atores responsáveis e engajados na luta contra a desertificação.

            No âmbito do Congresso Nacional, a única iniciativa que pude encontrar com esse objetivo foi o Projeto de Lei do Senado n° 70, de 2007, de autoria do Senador Inácio Arruda, que institui a Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação.

            A matéria foi aprovada no Senado e encaminhada à Câmara dos Deputados em 19 de novembro de 2007, onde foi autuada como Projeto de Lei (PL) n° 2.447, de 2007. Naquela Casa, a proposição foi apreciada pelas Comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

            O PL aprovado nessas comissões, com Substitutivo, encontra-se pronto para pauta no plenário da Câmara dos Deputados. Caso o projeto seja aprovado com alterações, retornará ao Senado para análise das emendas incluídas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já caminhando para concluir meu pronunciamento, quero apenas destacar que a luta contra a desertificação envolve, sobretudo, ações de caráter preventivo para minimizar as intervenções danosas que nós seres humanos realizamos no meio ambiente, intervenções essas consideradas, pelos especialistas, como as grandes responsáveis pela ocorrência e pelo agravamento do fenômeno.

            Mas não podemos nos esquecer de que eventos extremos associados às alterações climáticas também têm o seu papel como causa do fenômeno. Inclusive, aproveito o ensejo para trazer à tona outra preocupante consequência do fenômeno da desertificação, enquanto processo ambiental destruidor: a possibilidade de surgir os chamados refugiados ambientais do clima, ou seja, grupos de pessoas que deixarão seus locais de origem por causa do impacto da mudança climática e migrarão para as grandes cidades, aumentando, assim, os problemas sociais já existentes.

            Não queremos e não podemos deixar que isso aconteça. Temos que acabar com essa possibilidade estatisticamente significativa, a qual correlaciona migrações e a degradação ambiental oriundas das mudanças climáticas. Portanto, é preciso que desenvolvamos ações de adaptação para minimizar a vulnerabilidade de sistemas naturais e humanos.

            Como signatário da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, o Brasil está obrigado a colocar em prática os compromissos assumidos. O combate à desertificação pode e deve ser um processo coletivo, em que o governo e a sociedade se auxiliem, mutuamente, por meio da busca por objetivos comuns e do compartilhamento de conhecimentos, obrigações, vivências e responsabilidades.

            As populações afetadas detêm um conhecimento endógeno dos ecossistemas nos quais convivem e dependem para sobrevivência e, ao longo de sua histórica relação com o meio, desenvolveram suas próprias concepções e práticas de convivência com a semiaridez. As experiências acumuladas por organizações não governamentais nas zonas semiáridas e suscetíveis à desertificação apresentam uma riqueza de saberes capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável no âmbito local.

            Nessa perspectiva, é necessário, portanto, que se passe da retórica para a ação. É preciso que o Governo Federal estabeleça uma agenda positiva sobre o assunto, fixando metas, objetivos e prazos factíveis para se avançar, efetivamente, no combate à desertificação, sob pena de um agravamento maior da degradação que já atinge uma parcela considerável de terras do País e um número significativo de cidadãos brasileiros.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2014 - Página 35