Discurso durante a 152ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do discurso do Papa Francisco aos participantes do 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Registro do discurso do Papa Francisco aos participantes do 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2014 - Página 290
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, DISCURSO, AUTORIA, PAPA, IGREJA CATOLICA, PERIODO, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, MOVIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO, ASSUNTO, TERRAS, RESIDENCIA, TRABALHO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querido Presidente, Senador Paulo Paim, hoje, quero aqui registrar a fala do Papa no 1º Encontro Mundial de Movimentos Populares. Terra, casa, trabalho, esses foram os três pontos fundamentais em torno dos quais se desenvolveu o discurso do Papa Francisco aos participantes do 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, recebidos, nessa terça-feira, ontem, na Sala Antiga do Sínodo, no Vaticano. O Pontífice ressaltou que é preciso revitalizar as democracias, erradicar a fome e a guerra, assegurar a dignidade a todos, sobretudo aos mais pobres e marginalizados.

            Tratou-se de um veemente pronunciamento, ao mesmo tempo, de esperança e de denúncia. É um discurso que, por amplidão e profundidade, tem o valor de uma pequena encíclica de Doutrina Social. Ademais, era natural que os Movimentos Populares solicitassem esse encontro com o Papa Francisco.

            Efetivamente, na Argentina, como Bispo e, depois, como cardeal, Bergoglio sempre se fez próximo das comunidades populares como as de “catadores de papel” e de “camponeses”.

            No fundo, nessa audiência, retomou o fio de um compromisso jamais interrompido.

            O Santo Padre evidenciou, já de início, no discurso, que a solidariedade, encarnada pelos movimentos populares, encontra-se “enfrentando os efeitos deletérios do império do dinheiro”.

            O Papa observou que não se vence “o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que servem unicamente para transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos”. Quem reduz os pobres à “passividade”, disse Francisco, Jesus “os chamaria de hipócritas”.

            Em seguida, deteve-se sobre três pontos chave:

Terra, teto e trabalho. É estranho, mas quando falo sobre essas coisas, para alguns, parece que o Papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho.

            Portanto, como acrescentou, terra, casa e trabalho são “direitos sagrados”, “é a Doutrina social da Igreja”.

            Dirigindo-se aos “camponeses”, Francisco disse que a saída deles do campo por causa “de guerras e desastres naturais” o preocupa. E acrescentou que é um crime que milhões de pessoas padeçam a fome, enquanto a “especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando esses alimentos como qualquer outra mercadoria”. Daí a exortação do Papa Francisco a continuar “a luta em prol da dignidade da família rural”.

            Ressalto que, entre os representantes dos movimentos populares ali presentes no Vaticano ontem, estava um dos principais coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, ao lado de inúmeros companheiros representantes de diversos países.

            Em seguida, o Santo Padre dirigiu seu pensamento aos que são obrigados a viver sem uma casa, como experimentara também Jesus, obrigado a fugir com sua família para o Egito. Hoje, observou, vivemos em “cidades imensas, que se mostram modernas, orgulhosas e vaidosas”, cidades que oferecem “numerosos lugares” para uma minoria feliz e, porém, “negam a casa a milhares de nossos vizinhos, incluindo as crianças”.

            Com pesar, Francisco ressaltou que, “no mundo globalizado das injustiças, proliferam-se os eufemismos para os quais uma pessoa que sofre a miséria se define simplesmente ‘sem moradia fixa’”.

            O Papa denunciou que, muitas vezes, “por trás de um eufemismo, há um delito”. Vivemos em cidades que constroem centros comerciais e abandonam “uma parte de si às margens, nas periferias”.

            Por outro lado, elogiou aquelas cidades onde se “segue uma linha de integração urbana”, onde “se favorece o reconhecimento do outro”. Em seguida, foi a vez de tratar da questão do trabalho: “Não existe uma pobreza material pior do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho”. Em particular, Francisco citou o caso dos jovens desempregados e ressaltou que tal situação não é inevitável, mas é o resultado “de uma opção social, de um sistema econômico que coloca os benefícios antes do homem”, de uma cultura que descarta o ser humano como “um bem de consumo”.

            Falando espontaneamente, o Pontífice retomou a Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” para denunciar mais uma vez que as crianças e os anciãos são descartados. E agora se descartam os jovens, com milhões de desempregados, disse ainda. Trata-se de um desemprego juvenil que, em alguns países, supera 50%, constatou. Todos, reiterou, têm direito a “uma digna remuneração e à segurança social”.

            Aqui, disse o Pontífice, encontram-se “catadores de papel”, vendedores ambulantes, mineiros, “camponeses” aos quais são negados os direitos do trabalho, “aos quais se nega a possibilidade de sindicalizar-se”. Hoje, afirmou, “desejo unir a minha voz à de vocês e acompanhá-los em sua luta”.

            Em seguida, Francisco ofereceu sua reflexão sobre o binômio ecologia-paz, afirmando que são questões que devem concernir a todos, “não podem ser deixadas somente nas mãos dos políticos”. O Santo Padre afirmou mais uma vez que estamos vivendo a “III Guerra Mundial”, em pedaços, denunciando que “existem sistemas econômicos que têm que fazer a guerra para sobreviver”: “Quanto sofrimento, quanta destruição, quanta dor! Hoje, o grito da paz se eleva de todas as partes da terra, em todos os povos, em todo coração e nos movimentos populares: nunca mais a guerra!”

            Um sistema econômico centralizado no dinheiro, acrescentou, explora a natureza “para alimentar o ritmo frenético de consumo”, e daí derivam feitos destrutivos como a mudança climática e o desmatamento. O Papa recordou que está preparando uma Encíclica sobre a ecologia, assegurando que as preocupações dos Movimentos Populares estarão presentes nela. O Pontífice perguntou-se por qual motivo assistimos a todas essas situações: "Porque neste sistema o homem foi expulso do centro e foi substituído por outra coisa”. “Porque, disse ainda, se presta um culto idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença." “Porque o mundo esqueceu-se de Deus, que é Pai, e tornou-se órfão porque colocou Deus de lado".

            Em seguida, o Papa exortou os Movimentos Populares a mudarem este sistema, a "construírem estruturas sociais alternativas". Francisco advertiu que é preciso fazê-lo com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, porém, sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência”.

            “Nós, cristãos, temos um bonito programa: as Bem-aventuranças e o Cap. 25 do Evangelho segundo Mateus”.

            Francisco reiterou a importância da cultura do encontro para derrotar toda discriminação e disse que é preciso uma maior coordenação dos movimentos, sem, porém, criar ‘estruturas rígidas’.

            "Os Movimentos Populares expressam a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias, muitas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para uma sociedade sem a participação protagonista da grande maioria das pessoas”.

            É preciso superar o “assistencialismo paternalista” para ter paz e justiça, prosseguiu, criando “novas formas de participação que incluam os movimentos populares e “essa torrente de energia moral".

            O Pontífice concluiu seu discurso com um premente apelo:

            "Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá."

            Eu gostaria, Sr. Presidente, de requerer a transcrição completa do discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares, datado de ontem, 28 de outubro.

            Foi promovido esse encontro pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, em colaboração com a Pontifícia Academia das Ciências Sociais. O discurso foi realizado ali, no Vaticano.

            Gostaria ainda de assinalar alguns pontos que ressalto deste pronunciamento tão relevante.

Este encontro nosso não responde a uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades como as que eu mencionei e muitas outras que me contaram... têm os pés no barro, e as mãos, na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta! Queremos que se ouça a sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no reino da ideia, é meu projeto.

            Um pouco mais adiante, disse o Papa Francisco:

A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma reforma agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, ‘a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral’".

            Ao referir-se ao teto, uma casa para cada família, ressaltou:

Nunca se deve esquecer de que Jesus nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, que a sua família teve que abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas. Mas, além disso, um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos.

            Mais adiante:

Desde já, todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria. Aqui há papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e estável. Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los na sua luta.

            Portanto, aqui o Papa Francisco deseja e expressa que todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal de trabalho assalariado, deve ter o direito a uma remuneração digna.

            Pode-se deduzir que aqui está implícita a defesa de uma renda básica de cidadania.

Neste encontro, falaram da paz e da ecologia. É lógico: não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o Planeta. São temas tão importantes que os povos e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas mãos dos dirigentes políticos. Todos os povos da Terra, todos os homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São Francisco de Assis.

            Assim, Sr. Presidente, avalio que este pronunciamento, expresso para os representantes dos movimentos populares dos mais diversos países do mundo, que se reuniram ontem, no Vaticano, e hoje também - por três dias estiveram ali reunidos -, merece a atenção de todos nós.

            Muito obrigado, Presidente, Senador Paulo Paim.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares.

 

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Eduardo Suplicy. Eu sei que V. Exª fará, ainda no mês de novembro ou dezembro, um discurso do seu retorno, digamos, a São Paulo, por um período, espero, pequeno, para voltar para cá. Nesse dia, quero fazer-lhe a justa homenagem que V. Exª merece, pelo brilhantismo de toda a sua vida. Brilhantismo dos homens que têm uma postura gigante e com a humildade de V. Exª. V. Exª, para nós, é um gigante. É uma referência, pode ter certeza, para todos aqueles que pensam no bem comum.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

            V. Exª é um exemplo. Todos os dias, V. Exª, com a sua atuação, nos estimula a fazer, daqui da tribuna do Senado, do nosso trabalho, como representantes do povo brasileiro, algo sempre e cada vez mais significativo. O exemplo de V. Exª é extraordinário para todos nós.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2014 - Página 290