Pronunciamento de Paulo Paim em 03/11/2014
Discurso durante a 155ª Sessão Especial, no Senado Federal
Celebração dos 100 anos de nascimento do cantor e compositor Lupicínio Rodrigues.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Celebração dos 100 anos de nascimento do cantor e compositor Lupicínio Rodrigues.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/11/2014 - Página 9
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, MUSICO, COMPOSITOR, POETA, ORIGEM, RIO GRANDE DO SUL (RS), CANTOR, AUTORIA, OBRA MUSICAL, ABRANGENCIA, FILOSOFIA, RELEVANCIA, AMBITO, MUSICA BRASILEIRA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ARTISTA, BENEFICIO, DIREITOS, NEGRO.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exma Sra. Ana Amélia, que preside esta sessão; Exmo Sr. Senador Valdir Raupp, que teve que se retirar, mas que estava prestigiando o evento até o momento; meu querido amigo e também Senador Fleury, que está aqui à nossa direita - nós estamos resolvendo o problema da Mesa, porque ele deveria estar na Mesa já, para que seu deslocamento como cadeirante se torne mais fácil.
Peço uma salva de palmas para ele, porque ele é nosso parceiro aqui, de todos os dias e todas as sessões. (Palmas.)
Meu querido Cônsul do Grêmio em Brasília. Fomos Deputados Federais juntos, Sr. Vilmar da Silva Fogaça; e meu querido amigo, filho do homenageado, Lupicínio Rodrigues Filho.
Eu começo meu pronunciamento, mas antes quero também cumprimentar os alunos e professores dos cursos de Direito e de Engenharia Civil da Universidade de Passo Fundo, lá do meu Rio Grande, que já foram aplaudidos. Mas vamos aplaudi-los de novo, não é, Senadora? (Palmas.)
Que bom que vocês estão aqui.
Deixe-me começar minha fala lembrando um momento. Em 2001, a cantora e atriz Zezé Motta realizou um show em Porto Alegre, na casa de espetáculos que leva o nome “Se Acaso Você Chegasse”. Pertencente a quem? A Lupicínio Rodrigues Filho.
Lupicínio, naquele dia, naquele show - estávamos lá juntos -, na conversa que tivemos, guardei algumas coisas que você me falou, além da homenagem que a Zezé fazia a todos nós. Duas coisas eu guardei na memória daquela noite lá em Porto Alegre. A primeira é que Lupicínio Rodrigues compôs - você me falou isso lá, naquele momento eu soube - os hinos dos dois times de Porto Alegre, tanto Grêmio como do Inter. E a segunda, que eu achei mais importante: o Lupi me dizia que, no seu entendimento, o pai, e concordo, além de compositor, de poeta e de cantor, era também um filosofo.
E é sobre isso que vou discorrer em minha fala. Quero falar da história, da vida, aqui, de forma muito rápida, do filósofo e da filosofia de Lupicínio Rodrigues. Filosofia significa “amor à sabedoria”. As duas palavras para mim se fundem. Não há sabedoria sem amor e não há amor sem sabedoria. Só os sábios sabem a importância da palavra “amor”.
Ele, com a sua capacidade, viaja por estradas e caminhos. Navega, com a palavra “amor”, por rios e mares. Voa como os pássaros da existência, do conhecimento, da verdade - e hoje a gente briga tanto para as pessoas só falarem a verdade, não é, Senadora? Só a verdade! -, dos valores morais, estéticos e éticos.
O filósofo é um individuo que busca o conhecimento de si mesmo. Ele é movido e embalado pela realidade.
A filosofia é inerente à condição humana - e isso era Lupicínio. Racionalmente, ela pode ser definida como a análise do significado da existência humana, individual e coletivamente, com base na compreensão do próprio ser.
A palavra “filosofia” é muitas vezes usada para descrever um conjunto de ideias ou atitudes. Enfim, filosofia é a própria vida.
Filosofia é política. Filosofia é educação. Filosofia é o dia a dia. Filosofia é também falar das nossas dores.
Sim, senhoras e senhoras, aqui presente neste momento no plenário do Senado está a filosofia da dor de cotovelo. E quem não teve? Eu tive e não nego. E não foi uma vez só.
Ah, como me doeu uma vez! Permita que eu conte esta pequena passagem: menino ainda, adolescente, dor de cotovelo muito forte. A menina que eu gostava entra no salão de baile em que marcamos encontro. E lá estava o meu adversário. E advinha por que eu não pude entrar? Disse o porteiro: “Desculpe, menino, mas negro aqui não entra”. Claro que ficou a filosofia da dor de cotovelo e ficou a raiva contida, de não aceitar aquele tipo de discriminação.
Mas, meu amigo, Lupicínio cria a filosofia da dor de cotovelo. E aí eu me lembro de uma pequena letra dele que dizia: “Eu não sei se o que eu trago no peito é ciúme” - ali naquele momento era ciúme, eu estava louco de ciúme -, “despeito, amizade ou horror” - com aquela discriminação -; “eu só sei é que quando eu a vejo me dá um desejo de morte ou de dor”. É muito bonito, isso é filosofia pura! É de chorar, não é? Ou de sorrir.
Cada um de nós tem uma missão aqui na Terra. Sou daqueles que acreditam que o Cosmo conspira. Sou daqueles que acreditam que o horizonte é logo ali e está de braços abertos esperando aqueles que fazem o bem não olhando a quem.
Assim era Lupicínio Rodrigues. E assim é seu filho Lupi. Mas sou daqueles, também, que acredito que temos que atravessar rios - como ele dizia, ele falava da natureza -, escalar montanhas, transpor o impossível. Lupicínio Rodrigues buscou e alcançou o inatingível, ele quebrou barreiras, abriu fronteiras para que hoje um negro estivesse aqui na tribuna do Senado homenageando e lembrando os cem anos dele. Esse era Lupicínio.
Imaginem vocês, de coração e de alma, voem no tempo comigo, agora, e façam uma viagem. Imaginem o Brasil, meu querido Lupi, nos anos 30, 40 e 50. Imaginem um negro naquele contexto. Eu estou neste contexto, mas ele estava lá atrás, quando tudo era mais difícil.
Pois bem, esse negro teve suas canções gravadas pelas principais vozes do País, como aqui destacou muito bem a nossa querida Senadora. Eu apenas somo alguns e outros eu repito: Cyro Monteiro, Francisco Alves, Orlando Silva, Linda Batista, Elza Soares, Jamelão. E sendo reconhecido como um dos maiores artistas da nossa querida música brasileira.
Em 1932, outro filósofo disse: “Esse garoto vai longe”, dirigindo-se ao teu querido pai. Foi Noel de Medeiros Rosa - Noel Rosa, assim conhecido -, depois de ouvir Lupicínio Rodrigues cantar.
“Suas músicas [dor de cotovelo] podem lidar com o banal, mas não são banais", escreveu o poeta Augusto de Campos. Respeitosamente, eu acrescento: pura arte nascida da alma e do coração.
Palmas ao filósofo Lupicínio! (Palmas.)
Palmas a ele! Não a mim, que estou na tribuna, não; a ele!
Lembro aqui e digo:
Nunca
Quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar o coração
Como eu sepultei.
Saudade,
Aí, eu posso ligar àquela menina, não é? Ela pode estar assistindo, pois ela ainda está viva. Ela, depois, chorou, saiu do baile, e fomos para outro lugar.
Saudade,
Diga a esse moço, por favor,
Como foi sincero o meu amor,
Quanto eu o adorei, tempos atrás.
Saudade,
Não se esqueça também de dizer
Que é você quem me faz adormecer
Pra que eu viva em paz.
Dirigindo-se à saudade.
Srª Presidenta, há obras que não resistem ao passar de uma primavera ou ao cair das folhas de um outono. Há outras, no entanto, que permanecem. Vai-se um verão, vai-se o inverno... Vai-se uma geração, outras vêm... Mas Lupicínio continua vivo, sempre vivo entre nós pela sua obra. Tais obras - do teu pai, Lupicínio - certamente beberam da fonte sagrada, beberam das mãos de Deus.
Lupicínio Rodrigues continua mais atual do que nunca. Sua obra é atemporal, é de uma imensidão oceânica, é eterna. A sua arte vive hoje em belas vozes, como a de Arnaldo Antunes, de Adriana Calcanhoto, de Thedy Corrêa, de Caetano Veloso. Hoje!
E eu sou obrigado - concluindo - a dizer:
A minha casa fica lá detrás do mundo
Mas eu vou em um segundo quando começo a cantar
E o pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar
Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora
Dezenas de canções de Lupicínio Rodrigues não foram gravadas - não foram gravadas! Muitas dessas se perpetuaram e acabaram por ser traduzidas de alma em alma, de boca em boca, de coração em coração, dos boêmios e pelos escaninhos da própria boemia - expressão pura, a mais legítima cultura brasileira.
Quero resgatar aqui, para finalizar, Srª Presidenta, uma canção que ouvi lá nos 70 com interpretação do grupo Regional Brasileiro. Esses boêmios porto-alegrenses, na ocasião, me disseram ser essa uma dessas tantas de Lupicínio. Creio que este verso é a síntese do elemento genético, do DNA, da obra lupiciniana, traduzindo do compositor, poeta, cantor e filósofo toda a sua capacidade de se incorporar, naturalmente, à própria história do nosso povo e de toda nossa gente.
Esta, segundo eles, não foi gravada, mas eles cantaram - e aqui eu termino:
Sou inimigo dessa natureza
Que fez a beleza e preginou a flor
A morte ansioso espero
A única mulher que quero
Porque nela finda
A existência de um sofredor.
É pura filosofia: tem que olhar, pensar, imaginar e voar com ele. Repito, porque é o último pedacinho:
Sou inimigo dessa natureza
Que fez a beleza e preginou a flor
A morte ansioso espero
A única mulher que quero
Porque nela finda
A existência de um sofredor.
Enfim, aqui eu termino dizendo: viva a arte de Lupicínio Rodrigues! Viva Lupicínio Rodrigues! Ele é mais que um imortal; ele é um homem do mundo. A alma dele, o pensamento dele, as ideias dele estão aqui para alegria de todo o povo brasileiro.
Viva o Lupi que está lá no alto e viva o Lupi que está aqui na mesa!
Um abraço a todos vocês. (Palmas.)