Discurso durante a 156ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao modelo de financiamento privado das campanhas eleitorais.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Críticas ao modelo de financiamento privado das campanhas eleitorais.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2014 - Página 147
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • DEFESA, FINANCIAMENTO, CARATER PUBLICO, CAMPANHA ELEITORAL, CRITICA, DEPENDENCIA ECONOMICA, RECURSOS FINANCEIROS, SETOR PRIVADO, COMENTARIO, COMPROMISSO, CANDIDATO, RELAÇÃO, DOADOR, CAMPANHA, EXPECTATIVA, RETORNO, FAVORECIMENTO, PROPAGAÇÃO, CORRUPÇÃO, REGISTRO, SITUAÇÃO, DIFERENÇA, BRASIL, CORRELAÇÃO, MUNDO, COBRANÇA, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Com a boa vontade do nosso Senador Mozarildo, eu me comprometo a usar o tempo que ele não usou, Senadora Ana Amélia.

            Senadora, eu vou falar de um tema sobre o qual os Senadores e a sociedade vêm falando ao longo dos últimos anos, com mais força neste último ano. Vou falar sobre financiamento público de campanha, que passa, é claro, pela discussão da reforma política.

            A premissa fundamental sobre a qual se assenta o regime democrático é a igualdade política entre todo o nosso povo. O libertador, eu diria, do continente africano, cuja imagem apontou novos tempos para aquele continente, mais precisamente o libertador da África do Sul, Nelson Mandela, ainda na primeira metade do século, publicou um histórico manifesto, no qual bradava: “Cada homem, um voto.” E, com efeito, a democracia entendida como governo do povo, pelo povo e para o povo, conforme o clássico anunciado do Presidente Abraham Lincoln, exige que todo povo igualmente considerado possa participar da formação do governo e da vontade política da comunidade por intermédio da eleição de seus representantes. As ideias da democracia e da igualdade política são absolutamente indissociáveis, e o princípio da igualdade política, obviamente, não se satisfaz com a mera atribuição de um voto a cada pessoa.

            Ele exige, sobretudo, que cada cidadão tenha igual possibilidade de influir na formação do corpo e da vontade políticos da Nação.

            Nossa Constituição tem sua viga mestra no princípio democrático, que se encontra positivado em diversos de seus dispositivos, a começar já pelo art. l°, que, em seu caput, define a República Federativa do Brasil como Estado democrático de direito e, em seu parágrafo único, reconhece a soberania popular como fundamento do poder político.

            De modo coerente, a Lei Maior dá também destaque ao princípio da igualdade política, o qual, além de estar previsto de forma genérica no caput do art. 5º, encontra-se consagrado no caput do art. 14, segundo o qual o voto tem "valor igual para todos".

            Mais do que atribuir um voto a cada cidadão, a igualdade política significa que cada cidadão deve ter igual capacidade de influir no processo eleitoral, independentemente de sua classe, cor, nível de instrução ou qualquer outro fator.

            Com o objetivo de garantir uma democracia real, a Constituição de 1988 - eu estava lá; eu fui Constituinte - buscou impedir que às preferências de alguns cidadãos fosse atribuída maior importância que aos interesses dos demais.

            Portanto, quando os resultados das eleições, quando a escolha dos representantes e a constituição dos governos são determinados pelo peso do poder econômico, isso não é bom. O princípio da igualdade política, nesse caso, é ferido de morte, e a legitimidade democrática do sistema político resta irremediavelmente maculada.

            Um dos maiores desafios enfrentados atualmente por países democráticos é garantir a independência das instituições políticas com relação ao poder econômico.

            Também nós, Constituintes de 1987/1988, tivemos em mente essa preocupação ao definir os princípios que deveriam guiar a legislação infraconstitucional eleitoral.

            Assim, deixamos destacada, no §9º do art. 14 da nossa Carta, a necessidade de proteger “a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”.

            Em vista dessas premissas da Lei Maior, é meu dever denunciar que as regras e critérios atualmente definidos pela Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 1997) e pela Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 1995) para o financiamento das campanhas eleitorais afrontam, atacam a Constituição na medida em que possibilitam e mesmo potencializam a influência danosa do poder econômico sobre o processo político.

            Nesse sentido, a regulação hoje em vigor para o financiamento das campanhas eleitorais viola os princípios básicos da Constituição - da igualdade, da democracia e da República -, subvertendo os fundamentos do nosso Estado democrático de direito.

            A atual sistemática de financiamento de campanhas eleitorais viola - sim, viola - a igualdade política que deveria existir entre todos os cidadãos, possibilitando, infelizmente, que os mais ricos exerçam tremenda influência sobre a esfera pública em detrimento daqueles que são desprovidos de maiores recursos financeiros.

            Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª sofreu desse ataque à nossa Constituição - tenho certeza disso -, porque V. Exª não é daqueles que possui boeings, caminhões, jamantas para investir numa campanha eleitoral. V. Exª defendeu causas e, por isso, foi prejudicado.

            Ao mesmo tempo, ela desequilibra a disputa entre candidatos e partidos, impede a paridade de armas, que é essencial para o financiamento da democracia, que é a igualdade do investimento financeiro.

            Ainda mais, o modelo de financiamento das campanhas eleitorais torna os representantes do povo reféns dos interesses econômicos dos seus financiadores. Isso é grave, muito, muito grave. Ninguém tem que ser refém de ninguém.

            Desse modo, disseminam-se a corrupção e o patrimonialismo, em violento e reiterado atropelo aos valores republicanos.

            Ao observarmos a realidade do financiamento privado de campanhas eleitorais no Brasil, resta evidente a crescente influência do poder econômico sobre as eleições.

            A primeira evidência surge mediante o custo estratosférico das campanhas eleitorais aqui, no Brasil.

            Nas eleições gerais de 2010, para se eleger, um Deputado Federal precisou, em média, de mais de R$1 milhão - mais de R$1 milhão. Houve casos de R$10 milhões, R$12 milhões para se eleger - isso é a média - um único Deputado Federal. Um Senador, em média, de R$4 milhões a R$5 milhões, e um Governador, de R$20 milhões a R$30 milhões. Isso não é sério.

            E esses custos mostram-se crescentes ao longo dos últimos anos. Nas eleições de 2002, os candidatos gastaram, no total, cerca de R$800 milhões, quase R$1 bilhão, em 2002. Já em 2012, os valores gastos ultrapassaram R$4,5 bilhões.

            Estou falando, portanto, de um aumento de quase 500% nos gastos eleitorais de quatro em quatro anos. Apenas uma diminuta parcela desse crescimento de gastos pode ser justificada pela inflação ou mesmo pelo aumento do eleitorado.

            A crua realidade, senhoras e senhores, é que o dinheiro, cada vez mais, desempenha papel central nas eleições brasileiras. Esse fato se apresenta com completa nitidez quando analisamos a relação entre as receitas obtidas e as votações alcançadas por candidatos e partidos.

            Os mais diversos estudos concluem que o montante dos recursos arrecadados influencia, diretamente, no resultado das eleições. É muito, muito, muito significativa a correlação entre o aumento dos recursos empregados em uma campanha e o número de votos obtidos.

            Em outras palavras, quanto mais elevadas as receitas obtidas por um candidato, maiores as suas chances de ser eleito, quando o ideal seria quanto melhores as propostas, quanto melhores as causas, quanto melhor a história do candidato, mais chances de se eleger. Não, mais chances de se eleger para Deputado Federal, prefeito, vereador, governador passam, infelizmente pela força do dinheiro.

            Todos nós conhecemos muito bem o custo financeiro dos recursos indispensáveis para uma campanha eleitoral vitoriosa: espaço publicitário nos meios de comunicação, produção de material gráfico, contratação de cabos eleitorais e os famosos marqueteiros, essas empresas que hoje mandam mais que o próprio partido na disputa de como se dará o processo eleitoral.

            E os dados oficiais comprovam que esses fundos não são obtidos junto aos eleitores - ah, não são os eleitores que garantem esses fundos. Ao contrário, existe absoluta predominância das pessoas jurídicas em comparação às pessoas naturais entre os doadores de campanha. Nas eleições de 2010, as doações por parte de indivíduos sequer chegaram a 9% do total arrecadado, não consideradas nesse total as doações realizadas pelos próprios candidatos. Em 2012, esse padrão foi reproduzido de forma ainda mais aguda, pois as doações de pessoas físicas corresponderam a menos de 5% das receitas eleitorais.

            Outro aspecto perverso do financiamento das campanhas eleitorais é o pequeno número de doadores contribuindo, cada um, com quantias muito elevadas, em muitos casos inexplicáveis. Inexplicáveis.

            No pleito de 2010, 1% dos doadores correspondentes a apenas 191 empresas concentraram, assim, 61% do valor total de todas as doações. Somente 191 empresas. Desses doadores, os dez mais generosos foram, sozinhos, responsáveis por cerca de 22% de todos os recursos arrecadados.

            O financiamento eleitoral pelo setor privado no Brasil provém de um reduzido grupo de pessoas jurídicas e de um punhado de pessoas físicas muitíssimo abastadas. A consequência disso é a forte dependência de candidatos e de partidos políticos de umas poucas empresas para viabilizar essa ou aquela candidatura.

            E essas empresas, evidentemente, esperam retorno do investimento realizado. Não investiram em um candidato milhões e milhões e milhões de reais porque viraram Papai Noel ou porque são boazinhas. Investem, sim, milhões e milhões e milhões e milhões de reais porque esperam um retorno.

            Como não poderia deixar de ser, esse quadro leva a que os interesses dos doadores influenciem decisivamente a atuação dos políticos eleitos com a sua ajuda.

            Sabendo que necessitarão de novas doações para serem reeleitos, os representantes tendem a se empenhar na defesa dos interesses e projetos, nem sempre legítimos, dos seus principais doadores. É fato, é real.

            E assim está formado o cenário para o lamentável espetáculo dos favorecimentos em licitações e em contratos públicos, da concessão de incentivos fiscais e da edição de regulações favoráveis a este ou àquele financiador.

            Não à toa, dados da Justiça Eleitoral revelam que os grandes financiadores de campanhas são, na esmagadora maioria dos casos, justamente empresas pertencentes a setores que mantêm estreitas relações com o Poder Público, como a construção civil, o setor financeiro e a indústria.

            Estudos também revelam que, com suas vultosas doações, os grandes financiadores de campanhas eleitorais não objetivam apenas ser beneficiados por medidas e políticas públicas favoráveis, mas também, por vezes, buscam evitar até mesmo represálias.

            De acordo com a pesquisa Corrupção no Brasil: A perspectiva do setor privado, realizada pela Organização Não-Governamental (ONG) Transparência Brasil, mais de 25% das empresas entrevistadas alegaram terem sido coagidas a fazerem doações a campanhas deste ou daquele cidadão, e, dessas, a metade relatou terem sido prometidos favores em troca de contribuições.

            É grave, é muito grave, por isso temos de fazer a reforma política. Por isso, precisamos do financiamento público de campanha, que passa pela fiscalização, aí sim, da sociedade brasileira, não permitindo os abusos.

            A observação da nossa realidade, meu querido amigo Otomar Tesch, assessor da Unesco para grandes projetos no campo da educação, e meu amigo Ricardo Nerbas, do Sintec, oferece incontestáveis evidências do impacto nefasto que o atual modelo de financiamento privado das campanhas tem sobre a política brasileira, ao conceder ao poder econômico um papel central na vida política da Nação antes e depois das eleições. É só ver que a chapa das Bancadas de líderes populares diminuiu pela metade na Câmara dos Deputados. São gravíssimas as distorções produzidas pela excessiva infiltração do poder econômico no meio político.

            Do ponto de vista dos candidatos, o que ocorre é o desestímulo às candidaturas de indivíduos desprovidos de recursos públicos e de contatos com o mundo do poder econômico, por meio dos quais pudessem assim arrecadar fundos necessários para esse enfrentamento desleal, diria até desonesto.

            No quadro atual cidadãos comuns dificilmente, muito dificilmente, conseguem se eleger, quer ser Vereador, Deputado Estadual, Deputado Federal, Prefeito, Senador, Governador e por aí vai.

            De outra parte, os candidatos que representam o interesse do lado econômico das classes mais elevadas têm enormes vantagens na corrida eleitoral já que as doações de campanha provêm, em sua quase totalidade, de grandes grupos e de indivíduos muito ricos, e o volume de recursos arrecadados influi, claro, claro, claro, mais uma vez claro, no resultado eleitoral.

            Do ponto de vista dos eleitores, não são menores as deturpações ocasionadas pelo atual formato do financiamento de campanha. O voto, infelizmente, deixou de ser a principal arma do cidadão no processo eleitoral. A possibilidade de influenciar o resultado das eleições depende fundamentalmente da capacidade de contribuir com o dinheiro para as campanhas. Isso dói, é muito dolorido.

            Com isso, institucionaliza-se a reprodução, na arena política, da desigualdade econômica presente hoje na sociedade.

            Como as pessoas poderosas têm maior peso na definição dos resultados das eleições, seus interesses acabam, claro, sendo apresentados, também, com mais força no Parlamento, no Executivo, em detrimento do interesse dos mais pobres.

            O critério adotado pela legislação eleitoral brasileira para disciplinar as doações efetuadas por pessoas naturais precisa ser modificado. Não existe outra democracia representativa no mundo que adote critério semelhante ao nosso.

            A Lei das Eleições estabelece que as pessoas físicas podem fazer doações em dinheiro até o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

            Para fazermos uma ideia do que isso significa, basta dizer que a aplicação dessa regra às eleições de 2010 permitiu que um conhecido empresário doasse mais de R$6 milhões a certos candidatos.

            No entanto, a mesma regra proibia que qualquer cidadão que recebesse salário mínimo - quase um terço da população, segundo o IBGE - contribuísse com mais do que R$604,50 a qualquer campanha. Constata-se, assim, que a consequência absurda dessa regra é que o apoio eleitoral de um bilionário vale mais do que o apoio de dez mil cidadãos.

            Desse modo, a igualdade do voto cede lugar, na prática, à extrema desigualdade política entre os eleitores com relação à possibilidade de influenciar o resultado eleitoral e, logo, a própria atuação do Estado.

            A lei brasileira precisa ser modificada - precisa ser modificada. Ela permite que alguns dotados de consideráveis recursos façam doações expressivas a candidatos e, com isso, aumentem em muito as chances de ser eleito.

            Entretanto, a mesma lei restringe de modo injustificado a possibilidade dos eleitores mais pobres contribuírem para campanhas, inclusive sob a pena de cometer ilícito eleitoral sujeito a multa severa.

            Então, o rico pode doar milhões, o pobre não pode doar, porque não é aconselhável que filhos de pobres cheguem às instâncias de poder para decidirem a vida da Nação, que se dá, queiram ou não queiram alguns, pelo viés político.

            É absurdo tratar como ato ilícito uma doação de R$1 mil a um candidato feita por um doador pobre, e considerar lícita a contribuição de milhões e milhões de reais promovida por outra pessoa, desde que ela seja rica.

            E, uma vez proclamado o resultado das eleições, a desigualdade entre os eleitores ricos e pobres se mantém, na medida em que os eleitos terão maior interesse em beneficiar - quem? - quem financiou sua campanha, infelizmente. Em beneficiar cidadãos cuja cooperação é essencial a sua reeleição do que cidadãos cujo apoio pouco signifique.

            Adotar os rendimentos do eleitor como baliza para as doações institucionaliza a desigualdade política em vez de combatê-la. A serem admitidas as doações por pessoas físicas e o uso de recursos próprios pelos candidatos, o princípio constitucional da Igualdade exige seja estabelecido como teto um valor baixo e uniforme para todos os cidadãos.

            A lei eleitoral belga, por exemplo, prevê limite de 500 euros para as contribuições a um determinado partido ou candidato, não podendo o valor doado a diferentes partidos ou candidatos ultrapassar de 2 mil euros por período eleitoral, ou seja, existe um limite.

            Com relação às pessoas jurídicas o quadro ainda é mais grave. Ao admitir que as empresas façam doações a candidatos e partidos, a legislação acaba por garantir representatividade política a quem não tem direito de voto. Como já vimos, as contribuições das empresas correspondem à quase totalidade dos valores arrecadados, acarretando forte dependência dos candidatos com relação a tais recursos.

            Desse modo, o sistema de financiamento de campanhas garante que o interesse do setor econômico prevaleça, e que seus titulares sejam privilegiados na tomada das grandes decisões políticas.

            A permissão legal para arrecadação de fundos para campanhas eleitorais junto a pessoas jurídicas é, em si, prejudicial à democracia, pois concede a quem não tem voto uma via alternativa. A bem dizer, está comprando-se Senador ou Deputado, por exemplo. Isso é muito poder para participar do processo decisório do País sem ter um voto.

            Com isso, compromete-se - claro - a igualdade política entre eleitores e candidatos, e cria-se espaço para a formação de redes de favorecimento político e corrupção.

            Além disso, o limite definido para doações por parte de empresas corresponde a 2% de seu faturamento no ano anterior ou da respectiva eleição, o que aprofunda, ainda mais, a influência do poder econômico sobre a política.

            Como as pessoas jurídicas são capazes de doar a candidatos e partidos somas colossais de dinheiro, infinitamente maiores do que aquelas que o cidadão comum pode doar, este último acaba sendo marginalizado na disputa eleitoral. Quem é marginalizado? O cidadão comum, que não tem dinheiro.

            No regramento atual, empresas privadas, inclusive aquelas que contratam com o Governo, não somente são autorizadas a fazer doação como também se constituem nos maiores doadores de campanha. Isso é fato, é real. Estou falando dos governos, ao longo da história, seja no Município, no Estado ou na União.

            Desse modo, o marco normativo vigente confere privilégio ao capital, no processo eleitoral, em detrimento da representação da cidadania. O princípio republicano, integrante do núcleo essencial da nossa Constituição, implica a ideia fundamental de que a coisa pública, pertencendo a todos, deve ser gerida de forma impessoal, no interesse de toda a coletividade, sem admitir discriminações ou capturas de qualquer tipo.

            O princípio republicano exige o respeito à moralidade pública na ação dos agentes estatais, o combate ao patrimonialismo e à apropriação da República por interesses particulares. A República não tolera privilégios e não compactua com a captura dos agentes públicos por interesses privados de agentes econômicos. No entanto, o modelo de financiamento privado de campanha adotado pela legislação eleitoral favorece a colonização do espaço público por interesses privados e o estabelecimento de relações antirrepublicanas entre candidatos e seus doadores.

            Por fim, Sr. Presidente, o modelo de financiamento privado de campanhas concede aos mais ricos uma importância na política desproporcional à sua representação na sociedade. Ainda pior: concede enorme importância ao setor econômico, às empresas, às pessoas jurídicas, entidades que nem sequer têm direito a voto, que nem sequer são titulares de cidadania.

            Com isso, o modelo vigente induz ao molde plutocrata da política brasileira, subvertendo os princípios da igualdade, da democracia e da República.

            De certa forma, retornamos aos tempos do voto censitário - sim, do voto censitário -, quando a participação política era condicionada à renda, situação que viola diretamente a igualdade política entre cidadãos, candidatos e partidos, como determina a Constituição.

            O princípio democrático não tolera que, no momento da eleição, se faça distinção, sobretudo em relação ao poder econômico, principalmente em benefício daqueles que já usufruem de uma situação privilegiada.

            O financiamento privado de campanhas também contribui decisivamente para a crise de representação e para o afastamento do povo da política.

            Afinal, se os políticos reúnem os recursos necessários para se elegerem apenas junto aos grandes grupos econômicos e uns poucos milionários, sem precisar do povo, o esquema de arrecadação de fundos diminui a capilaridade do sistema representativo, conduzindo o cidadão comum à percepção de que a política simplesmente não é para ele.

            Por fim, o domínio do dinheiro na esfera da política cria incentivos a relações promíscuas e antirrepublicanas entre o sistema político e agentes econômicos privados.

            Se a competição principal passa a ser por recursos e não por votos, fortes vínculos são formados entre os candidatos eleitos e seus doadores.

            Como é sabido, significativa parcela dos casos de corrupção no País, ao longo de décadas e décadas, tem origem no contexto do financiamento de campanhas.

            Em entrevista recente concedida, o Diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal afirmou que “50% das operações da Polícia Federal contra corrupção têm como pano de fundo o financiamento de campanha”.

            É interessante observar também que os principais doadores de campanha contribuem para partidos de candidatos rivais, que não guardam nenhuma identidade programática ou ideológica entre si. No caso da eleição para o Poder Executivo, as grandes empresas investem normalmente em todos os setores, em todos os candidatos, pensando sempre que, “ganhe quem ganhar, eu vou me dar bem”.

            Fica claro, assim, que essas doações não constituem instrumento para a expressão nem sequer de posições ideológicas ou políticas, objetivando, isso, sim, à obtenção de vantagens futuras ou a neutralização de possíveis disputas. Se a vasta maioria das doações efetuadas não expressa a preferência política dos doadores, elas não podem ser concebidas como exercício de liberdade de expressão, mas, sim, como ações programáticas voltadas à obtenção de possíveis favores dos eleitos ali na frente, ali no futuro. O cientista político David Samuels observou, com profundidade:

A elite econômica brasileira, altamente concentrada e politicamente esperta, tenta modelar as ações dos governos por intermédio do custeio das campanhas. No Brasil, o grosso das contribuições é “voltado para serviços”, isto é, o dinheiro é dado em troca de serviços esperados dos governantes.

            O financiamento privado de campanha eleitoral instituído pela legislação brasileira atua como vigoroso estímulo à infestação da política pelo poder econômico, representando uma grave disfunção do nosso sistema político.

            Sr. Presidente, concluindo, tal situação está em completa dissonância com os princípios constitucionais, constituindo, portanto, dever deste Congresso modificar esse arcabouço normativo. É preciso fazer a reforma política!

            É preciso proibir o financiamento privado de campanha, ou, ao menos, vedar as doações de pessoas jurídicas e estabelecer exíguos e uniformes limites para doações de pessoas físicas para o uso de recursos próprios pelos candidatos, tal como requer - não é que eu esteja inventando a roda - a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal.

            Vale lembrar, aliás, que essa importante instituição, a OAB, com vasta tradição na defesa das liberdades públicas e dos ideais democráticas, lançou, juntamente com o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um manifesto em apoio ao financiamento público de campanha.

            A proibição de doações por pessoas jurídicas não inviabiliza que as empresas efetuem contribuições não contabilizadas, mas precisamos acirrar, aí, sim, a fiscalização para coibir, inibir essa prática.

            Ainda assim, a alteração do arcabouço normativo vigente é um importante passo no sentido de reduzir os efeitos perniciosos dessa relação entre o capital e a política e de tornar o sistema de financiamento de campanhas mais democrático, mais republicano.

            A proibição do financiamento privado colocará um freio nas desigualdades que aparecem no mundo da política de modo avassalador.

            Na verdade, o gigantesco volume de recursos doados de forma lícita, no modelo atual, dificulta, é claro, enormemente, a fiscalização das próprias doações ilícitas. Com a vedação das contribuições de pessoas jurídicas, tornar-se-á menos difícil identificar o chamado "caixa dois", objetivo que deve também ser buscado por meio do aperfeiçoamento dos mecanismos existentes para fiscalização de gastos de campanha por parte da Justiça e do próprio Ministério Público.

            Sr. Presidente, a proibição das doações de pessoas jurídicas e a melhoria da fiscalização do "caixa dois" são providências que terão atuação sinérgica no combate à influência do poder econômico sobre as eleições.

            De toda sorte - eu termino -, o que não tem nenhum cabimento é que a própria lei eleitoral fomente os vícios antidemocráticos e antirrepublicanos, tal como é hoje.

            O financiamento público democratiza o acesso a recursos para as campanhas, contribui para a redução dos custos e para a inibição do "caixa dois".

            O financiamento privado é a causa da maioria dos grandes escândalos envolvendo políticos, empresas e partidos.

            O eventual incremento que vier a ocorrer na destinação de recursos públicos será, por certo, insignificante, em comparação ao montante que escorre pelos ralos da atual relação entre financiados e financiadores.

            Com o financiamento público, não teremos, no exercício dos cargos públicos, pessoas dependentes de financiadores e criaremos condições mais equilibradas de competição.

            Sr. Presidente, o princípio democrático exige que se busque dar tratamento igualitário aos concorrentes nos pleitos. Trata-se de impedir que alguns alcancem a vitória eleitoral não pelas causas que defendem, não pelo convencimento acerca de teses ou de programas, mas, sim, em função do que mais arrecada - naturalmente, aí entra o poder econômico.

            Quando dos levantes populares de junho de 2013, a sociedade brasileira deixou bem claras as suas reivindicações pela redução da influência do poder econômico sobre o processo eleitoral. Pesquisa realizada pouco tempo depois das manifestações, mostram esse anseio, dizendo que 78% dos entrevistados eram contrários à permissão para que as empresas façam doações em campanhas eleitorais.

            Na mesma época, a Presidenta Dilma apresentou a proposta de realização de um plebiscito para encaminhar a reforma política, defendendo que as mudanças a serem aprovadas vigorassem já nas eleições deste ano. Demonstrando seu tino político - se vai ser plebiscito, se vai ser referendo, o importante é você avançar nesse debate -, a Presidenta alertou que a reforma não aconteceria se a população não participasse ativamente desse processo.

            Tanto a voz do povo nas ruas, quanto as pesquisas de opinião revelam que a sociedade percebe claramente a infiltração do poder econômico nas eleições brasileiras, maculando a legitimidade democrática das nossas instituições e da nossa vida política. Mobilizando a população, conseguiremos aprovar, sim, o financiamento público de campanha. Daremos, assim, relevante contribuição ao regime democrático e republicano instaurado pela Carta de 88, ao tornar mais limpas e mais igualitárias as eleições, o que vai fortalecer a representatividade de nós todos, do nosso povo, no sistema político brasileiro.

            Era isso, Sr. Presidente. Veja que usei um tempo longo, não para falar de toda a reforma política - veja como esse tema é delicado; só falei aqui do financiamento público de campanha.

            Obrigado pela tolerância, tanto de V. Exª como do querido Senador Requião, que ficou ali aguardando a fala do Paim durante longo tempo, e também agradeço a paciência do Senador Fleury e do Senador Anibal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2014 - Página 147