Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre os acontecimentos da eleição presidencial de 2014; e outro assunto.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES, MANIFESTAÇÃO COLETIVA. CONGRESSO NACIONAL, REFORMA POLITICA.:
  • Comentários sobre os acontecimentos da eleição presidencial de 2014; e outro assunto.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2014 - Página 142
Assunto
Outros > ELEIÇÕES, MANIFESTAÇÃO COLETIVA. CONGRESSO NACIONAL, REFORMA POLITICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO ELEITORAL, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, OBJETIVO, PEDIDO, RETORNO, INTERVENÇÃO, REGIME MILITAR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA POLITICA, OBJETIVO, BUSCA, IGUALDADE, CAMPANHA ELEITORAL, ALTERAÇÃO, NORMAS, FINANCIAMENTO, REELEIÇÃO.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem dúvida nenhuma, após o resultado eleitoral e após os últimos movimentos ocorridos no Brasil, sinto necessidade de voltar a tratar das eleições.

            O PSB, como todos sabem, nessas eleições, lançou uma candidatura. Nós acreditávamos, e sustentamos essa tese, que era preciso construir-se uma terceira via no Brasil, uma terceira via que pudesse representar uma mudança, mantendo, no campo da esquerda, as modificações necessárias para que pudéssemos fazer mudanças na economia e fazer avançarem as políticas sociais.

            Arriscamos uma candidatura daquele que era o nosso principal líder político, o presidente do nosso Partido, governador do Estado de Pernambuco, que se tornou o mais bem avaliado governador do nosso País pelas pesquisas de opinião.

            Eduardo levantava não apenas a bandeira das mudanças, a bandeira de combater-se a polarização entre PT e PSB, mas representava uma esperança para o Nordeste brasileiro de ter, também, um Presidente da República que viesse de uma tradição de gestão eficiente, articulando-se com um projeto de Brasil unido em torno de um desenvolvimento que incluísse, decisivamente, o Nordeste do nosso País e o Norte.

            Tivemos frustrada essa expectativa quando, de forma absolutamente trágica, o acidente do avião, naquele dia 13 de agosto, interrompeu o sonho dos socialistas brasileiros e interrompeu a carreira e a vida desse grande, brilhante e jovem líder político do nosso País, quatro dias após o seu aniversário de 50 anos de idade.

            A nossa candidatura - e, portanto, a terceira via - desenvolveu-se imediatamente com a sustentação da bandeira de Eduardo na candidatura de Marina Silva.

            Chegamos a empatar com a candidata a Presidente da República Dilma Rousseff. No entanto, depois se iniciou um processo de queda da candidatura de Marina, e tivemos, portanto, mais uma vez frustrado o nosso sonho de ver, no Brasil, realizar-se a ideia de um novo campo político que fugisse à polaridade.

            E tivemos a candidatura de Aécio Neves, que chegou ao segundo turno eleitoral, realizando, junto com a Presidente Dilma, uma disputa que levou o País a uma polarização nunca antes vista na história recente do nosso País, após a reconquista democrática.

            No entanto, essa polarização, que permanece ainda, talvez, grande e quente no coração de uma parte do eleitorado brasileiro, não pode nos fazer perder o rumo do projeto político de consolidação e avanço democrático deste País.

            E não pode perder o rumo, Sr. Presidente, eu quero dizer, porque o Brasil tem a sorte de construir um processo democrático de forma tão ampla em tanto tempo de construção, envolvendo forças tão díspares, que fez com que nós chegássemos a um processo eleitoral em que os três candidatos que concorriam nesse pleito não tivessem, nenhum dos três, nenhuma vinculação com ideias de retrocesso do ponto de vista do avanço democrático neste País. Marina Silva, Aécio Neves e Dilma Rousseff, todos três são filhos da luta do povo brasileiro pela conquista da democracia. Portanto, parece-me absolutamente estranho e necessário que seja refutada a ideia de que, após o processo eleitoral, nós pudéssemos ter uma manifestação como a que vimos acontecer em São Paulo, é verdade, com poucos representativos, mas ainda assim tentando segurar-se num movimento de debate político recente ocorrido no País de que era possível ou necessário, como alguns deles dizem, o retorno da ditadura militar ao Brasil. Nenhuma dessas três candidaturas representa a possibilidade de aproximar-se de um projeto desse tipo.

            E eu quero, portanto, de forma clara, deixar a minha posição de repúdio a essas tentativas que, minoritariamente, tentam se colocar no Brasil. Como se fosse possível para uma Nação do tamanho da nossa Nação, continental, com o desenvolvimento e com a complexidade que temos na nossa economia, poder voltar atrás, aí sim, a um tipo de retrocesso absolutamente inaceitável na construção que o povo brasileiro fez e na escolha que o povo brasileiro fez de construir uma democracia sólida como um caminho para um desenvolvimento político, econômico e social deste País.

            Faz-se extremamente necessário, no entanto, que a política brasileira e o povo brasileiro se voltem para perceber que é preciso fazer mudanças de rumo na Nação brasileira. E eu não tenho dúvida de que a sensibilidade da Presidente Dilma compreende a necessidade de fazer essas mudanças, seja no nível da economia, seja no nível da política, para fazer avançar o processo político democrático brasileiro.

            E, para tanto, é indispensável que os Congressistas compreendam que, entre as reformas indispensáveis de que o Brasil necessita, está em primeiro lugar a reforma política.

            E a reforma política, porque a reforma política não é apenas uma reforma eleitoral. Ela é uma reforma mais ampla de dimensão mais profunda que possa fazer com que o Governo ou o Estado brasileiro se democratize, aproximando-se da população brasileira.

            Ficou claro nas manifestações de 2013 que há um distanciamento entre a representação popular e o povo brasileiro. É uma parcela significativa da sociedade brasileira que não se sente representada pelo processo político-eleitoral que constitui a Câmara e o Senado como sua expressão de representação popular. E é impossível que nós passemos ao largo dessa discussão.

            É preciso debater uma reforma profunda, mas é preciso também fazer mudanças no processo eleitoral que signifiquem a busca de um processo mais igualitário, mais democrático e, portanto, mais próximo do cidadão.

            Eu não posso imaginar como um processo político-eleitoral desse partido, em que só no meu Estado, que é um Estado de economia mediana, eu ouça, como ouvi ontem de um Deputado recém-eleito, que nenhum Deputado Federal da Bahia se elegeu sem gastar no mínimo R$7 milhões. Isso não pode ser normal ao ouvido de um cidadão que tem a sua carreira pública, que trabalha a vida inteira ou que é um trabalhador, um operário, ou que é um empresário pequeno ou médio que deseja participar da vida pública e da vida política do seu País.

            Não é possível imaginar-se que para se eleger uma representação do povo brasileiro nós tenhamos que ter para cada Deputado Federal o gasto de sete, oito, dez, doze milhões de reais. Essa é uma distorção profunda que é preciso modificar-se. Não é possível imaginar - e eu vi isso desse processo eleitoral agora com muita clareza porque fui candidata ao Governo do Estado. E vi o sacrifício dos meus companheiros candidatos a Deputado Federal e estadual, a sua tristeza, a sua dificuldade de captar recursos na tentativa de se eleger nesse contexto eleitoral onde não são mais as ideias que ditam o voto do cidadão para a escolha de um parlamentar, mas sim a chamada “estrutura” - entre aspas - que ele apresenta no processo eleitoral. 

            Só pode se eleger ou quem está no Governo, na base do Governo, para ter uma máquina a apoiá-lo, ou aqueles que conseguem captação de recursos milionários a preços sabe-se Deus de quê.

            Portanto, esta pedra é uma pedra fundamental na mudança política que nós pretendemos neste País. Mas é possível fazer mudanças que sejam até menores, mas essenciais no jogo político. Uma delas é a divisão no tempo de televisão.

            Eu apresentei um projeto na semana passada aqui no Senado para que não se possa permitir o acúmulo, a soma dos tempos dos partidos no caso de coligação proporcional. O que nós assistimos na eleição do Brasil este ano foi a uma vergonha, foi à venda de legendas das diversas formas: ou por troca de cargos nos governos ou mesmo a venda explícita, compreendida como troca de recursos financeiros para que se pudessem fazer coligações que acumulassem mais tempo para um candidato do que para outro.

            Não é possível concorrer-se a uma eleição em que um candidato tem onze minutos do tempo de televisão para concorrer à Presidência, outro tem sete, outro tem dois e outro tem menos de dois. Esse processo não democratiza a participação política. Portanto, é indispensável que nós possamos mexer neste elemento essencial no processo eleitoral no Brasil, que é o tempo do rádio e da TV distribuído de outra maneira e debatido profundamente pelo Congresso Nacional.

            Além disso, é preciso estabelecer-se o fim da reeleição de forma clara, de forma absolutamente democrática, porque da forma em que ela se realiza no Brasil, ela é francamente favorável a quem está no exercício do poder. E eu não falo nem da Presidente Dilma, que já acabou, portanto já venceu essa fase, já se reelegeu agora. Eu falo do futuro deste País, dos governos estaduais, da necessidade de renovação política da Nação brasileira e dos Estados do Brasil. E que não é possível nós mantermos essa estrutura de poder, em que a política se dá para que se permaneça definitivamente no poder e que tudo seja feito em torno da ideia de que é possível fazer-se tudo o que nunca se imaginou para permanecer-se no poder. Esse patamar... Em alguns outros países, existe a reeleição, mas, nesses países, não há a cultura de tradição infeliz do povo que temos no Brasil, de concentração tão grande de poder nas mãos do Poder Executivo.

            Portanto, é preciso rever-se com clareza e, por isso, é que também apresentei PEC nessa direção. Mas pretendo também apresentar proposta no sentido de se ampliar o tempo de desincompatibilização. Não é certo que alguém possa concorrer a um cargo de Deputado Federal, ou mesmo de Governador, saindo três meses antes do Governo de que participa, definindo o orçamento e definindo obra para concorrer com outros que estão fora do poder.

            Então é preciso se construir um sistema político-eleitoral no Brasil que seja estabelecido com base em pilares democráticos. A democracia não é apenas o direito de voto, a democracia é muito mais do que isso. É a possibilidade de realizar uma representação que seja realmente democrática. Que as pessoas comuns possam sentir que elas podem, eventualmente, sair para participar e serem eleitas em um processo democrático em que seja possível, porque, nos níveis em que se encontra o custo de uma campanha eleitoral no Brasil, é impossível ao cidadão comum participar de um projeto desse tipo. E, como resultado disso, nós temos a cada eleição escândalos, escândalos, escândalos, envolvendo o Parlamento e envolvendo suas relações com as grandes empresas ou pequenas empresas, se é uma questão estadual, se é nacional, com grandes empresas.

            Portanto, esse modelo do Brasil é calcado em pilares que estimulam um processo de corrupção e corruptor para se manter. Esse modelo é baseado numa ideia de criar instabilidade permanente e crises no poder. Por isso, é preciso modificá-lo profundamente.

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero destacar que, diante disso, creio que o Congresso Nacional precisa se debruçar, cumprindo a sua tarefa primeira, em debater a reforma política. A sociedade organizada já está fazendo o debate. Nós não podemos ficar fora e estabelecer que não vamos participar porque se está discutindo o plebiscito. Vamos discutir se é plebiscito, se é referendo.

            É óbvio que não possível fazer uma reforma política no Brasil sem que o protagonismo esteja no Parlamento brasileiro. Além da participação popular, é necessário o protagonismo decisivo do Parlamento brasileiro.

            É preciso também entender que as reformas não se paralisam na reforma política. Ela é a primeira, mas é preciso avançar para a reforma tributária, para as modificações que permitam também a revisão do Pacto Federativo deste País. Não é possível que os Municípios continuem à míngua sem poder realizar as suas tarefas essenciais, e esse é o poder mais relacionado com o povo e com aquele que executa diretamente a política pública.

            É preciso assumir claramente um compromisso com o movimento Saúde+10, que exige mais recursos da União para a saúde em nosso País, especialmente para a saúde pública.

            É preciso avançar na discussão do Passe Livre, que movimentou a juventude e os estudantes do Brasil inteiro.

            É preciso avançar na discussão da situação dos aposentados brasileiros e tomar a tarefa do Congresso Nacional de imaginar e de criar uma saída para esses aposentados após a derrubada do fator previdenciário.

            É preciso que possamos debater um plano...

(Soa a campainha.)

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA) - ... que a Presidência da República possa incorporar, tornando urgente a implantação de colégios de tempo integral no Brasil inteiro, como Eduardo fez em Pernambuco.

            É preciso, portanto, mudar a agenda do Congresso Nacional.

            As eleições se foram. Não vamos estimular terceiro turno eleitoral. Vamos estimular, sim, a organização do Brasil através de uma agenda política que o povo brasileiro exige - dos que votaram em Aécio ou dos que votaram em Dilma -, porque exige o aprofundamento democrático e o avanço das mudanças em nosso País.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Kaká Andrade. Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Gostaria de parabenizar a Senadora Lídice...

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - V. Exª me permite um breve aparte, Sr. Presidente?

            O SR. PRESIDENTE (Kaká Andrade. Bloco Apoio Governo/PDT - SE) - Pois não, Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Senadora Lídice da Mata.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA) - Pois não.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Perdão. Quero cumprimentá-la pelo seu pronunciamento e dizer da minha afinidade com a sua indignação com aqueles que vieram aqui lembrar e querer até intervenção militar, para evitar que o resultado democrático das eleições se torne inteiramente válido, como já está acontecendo. Parece que essas pessoas não se lembram do que foram os anos do regime militar brasileiro. Parecem não se lembrar das extraordinárias campanhas - a maior campanha cívica já feita em nossa história, mais de um milhão de pessoas ali na Candelária, no Anhangabaú. Também centenas de milhares que se reuniram em Salvador, Belo Horizonte, Recife, Curitiba, Porto Alegre, e assim por diante. O povo brasileiro saiu pacificamente às ruas e, finalmente - demorou algum tempo -, conquistou as eleições livres e diretas. Tivemos a realização da sétima eleição livre e direta para a Presidência, em dois turnos, neste mês de outubro. Então, é muito importante, tal como V. Exª aqui coloca, que haja o reconhecimento das partes. Foi uma luta renhida, foi uma disputa de grandes diferenças, mas de natureza política. Quero também dizer o quanto espero que possamos, todos, dialogar em benefício da construção de um Brasil melhor. Meus cumprimentos a V. Exª.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA) - Muito obrigada, meu querido amigo Senador Suplicy. Aproveito este momento para dizer que não queremos de volta ditaduras militares, não queremos de volta prisões, não queremos de volta assassinatos. E lembro que hoje faz 45 anos da morte de Carlos Marighella, baiano que lutou contra a ditadura e resistiu à ditadura neste País.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2014 - Página 142