Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à atuação da Presidente Dilma Rousseff em sua campanha eleitoral.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Críticas à atuação da Presidente Dilma Rousseff em sua campanha eleitoral.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2014 - Página 50
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CAMPANHA ELEITORAL.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, passada a campanha eleitoral, uma série de fatos produzidos no âmbito da Presidência da República colocaram na linguagem e no debate político contemporâneo, um tema clássico da reflexão política: o tema da verdade e da mentira como formas de discurso político.

            Um dos grandes pensadores da Ciência Política moderna, Norberto Bobbio, trabalha com a contraposição ou com a complementação entre o segredo e a mentira da política. O segredo é a prática do poder que se oculta, e a mentira é a prática do poder que oculta. Que oculta o quê? Que oculta a verdade.

            Mentira e verdade sempre foram termos antitéticos na discussão moral, ética, religiosa e também política. “O Talmude”, Sr. Presidente, “equipara a mentira à pior forma de roubo” - Celso Lafer, em artigo recente, lembra este trecho do Talmude: “Existem sete classes de ladrões e a primeira é a daqueles que roubam a mente dos seus semelhantes através de palavras mentirosas”.

            Há coisas que precisam ser demonstradas, outras não. Os chamados axiomas, que são verdades autoevidentes que se encontram na base lógica de muitas teorias e que não precisam ser demonstradas. Algumas são milenares, como os axiomas de Euclides, que diz que é sempre possível unir dois pontos por uma reta ou que duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si. É óbvio, evidente! Não é preciso demonstração. Outra: ao acrescentar parcelas iguais a duas quantidades iguais, o resultado de ambos continuará sendo igual.

            Já outras afirmações precisam ser demonstradas, especialmente as que se referem a fatos, porque os fatos são contingentes, são mutáveis, diferentes dos axiomas ou mesmo diferentes das declarações de fé.

            Os muçulmanos acreditam que o Corão foi escrito por inspiração direta de Deus a Maomé. E os cristãos acreditam - aqueles que são tocados, creem eles, pela graça do Espírito Santo - na ressurreição. Não é preciso demonstrar, ainda que haja tentativas de demonstração histórica da ressurreição, mas o cristão dispensa qualquer demonstração, é a sua crença.

            Fatos precisam ser demonstrados, porque nós tomamos conhecimento através de relatos, através de testemunhos. Por isso que entre os mandamentos da Lei de Deus, herança entregue por Moisés ao povo eleito, existe lá uma prescrição, que é tão grave quanto a de não matar, a de honrar pai e mãe, que é a de não prestar falso testemunho. Falso testemunho é a mentira.

            “O Padre Antônio Vieira afirmou que a verdade é filha da justiça, porque a justiça dá a cada um o que é seu, ao contrário da mentira, porque esta ou vos tira o que tendes ou vos dá o que não tendes”.

            A dissimulação é esconder aquilo que existe e a simulação é fazer crer naquilo que não existe. Ambas se confundem, na prática política, como o desrespeito ao cidadão, como o desrespeito à palavra como veículo essencial de comunicação entre os homens, e que, na fundamentação do poder democrático, tem uma importância extraordinária. Porque o poder democrático é aquele submetido ao controle dos cidadãos, e, se o poder que deve ser controlado mente para os cidadãos, ele está lhes negando os instrumentos para que possa ser controlado. Daí um governo mentiroso é um governo arbitrário, é um governo que tende à arbitrariedade.

            Sr. Presidente, a Senhora Presidente Dilma Rousseff mentiu durante a campanha eleitoral, mentiu gravemente. Mentiu nos dois sentidos a que eu me referi há pouco, na simulação e na dissimulação. Emprestou à oposição propósitos que a oposição nunca teve - nunca, jamais -, e ela sabia disso: o propósito de acabar com o programa social do Bolsa Família. Nunca, em nenhum momento, passou pela nossa cabeça acabar com o Bolsa Família.

            O Senador Aécio Neves fez discursos enfáticos, não apenas na campanha, mas aqui no Senado, ao inclusive propor um projeto de lei, que até hoje é barrado pelo PT, no sentido de instituir este programa como uma política de Estado, de tal modo que ele jamais pudesse voltar a ser, como foi nas últimas eleições, arma de uma chantagem para com a população mais pobre, que precisa disso para sobreviver e para organizar a própria existência familiar. Jamais passou pela nossa cabeça, jamais!

            A ideia de que nós vamos enfraquecer os bancos públicos, porque nós quebramos os bancos públicos, é mentira, e ela sabe disso. Ela sabe! Ela sabe que no governo Fernando Henrique nós pegamos os bancos públicos destroçados pelas consequências da hiperinflação. Quantos e quantos esqueletos nós tivemos que retirar dos armários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal? Débitos imensos acumulados em razão de fracassos de planos econômicos sucessivos, como, por exemplo, os débitos da Caixa Econômica relativos ao Fundo de Compensação das Variações Salariais. Fortunas, e que foram resolvidas de uma forma consensual, tranquila, sem imposição, sem medidas provisórias.

            Chegou até a nos atribuir o propósito de privatizar a Petrobras. E o argumento: “Quiseram mudar o nome para Petrobrax!”. Ela sabe que é mentira, sabia que era mentira, porque essa história da Petrobrax, mudança do nome, foi simplesmente uma proposta de um diretor de marketing da empresa. Submetido ao Presidente da República, o Presidente convocou alguns ministros para debater, inclusive eu, que era o seu Secretário-Geral da Presidência, e ele descartou essa hipótese, que foi sugerida pelo diretor de marketing como uma maneira de vender melhor no mercado internacional os produtos dessa nossa empresa.

            Sr. Presidente, a candidata Dilma mentiu sobre questões essenciais de seu Governo, além de ter mentido sobre o nosso. Ela mentiu ao dizer que a inflação estava sob controle; mentiu ao dizer que a proposta - meramente acadêmica, mas com consequências práticas - da candidata Marina Silva de conferir independência ao Banco Central iria tirar o prato de comida da mesa do trabalhador. Ela disse isso e ela sabe que é mentira.

            É verdade que ela havia mentido no passado, quando, na sua primeira campanha presidencial, disse que era doutora em economia. Mentira! Não era. Mas não precisa ser nenhum doutor em economia para saber que a independência do Banco Central não tira prato de comida da mesa de ninguém.

            O que realmente tira prato de comida da mesa de trabalhador é o tarifaço, é o aumento de tarifas públicas, é o aumento da gasolina, do diesel, quando nós sabemos que o preço do diesel, no transporte das mercadorias, representa cerca de 30%. Isso, sim, tira comida da mesa do trabalhador.

            E ela disse que não haveria hipótese de tarifaço, e está aí, está no jornal, está na prática: decisões da Senhora Presidente, pouco tempo depois da sua eleição, com aumento de tarifa de energia, 15% este ano e, provavelmente, mais 15% no ano que vem, para corrigir os efeitos de uma medida desastrada que ela adotou, no seu primeiro mandato, a pretexto de baixar a conta de energia. É o exemplo típico do tiro que sai pela culatra.

            Ela mentiu ao dizer que não havia nenhum problema nas contas públicas, Sr. Presidente, que estava tudo organizado, tudo sob controle. Só que, agora, depois da eleição, divulgou-se o resultado contábil do setor público, que mostra que, no primeiro semestre do ano, o superávit do setor público foi o menor da história e o déficit primário bate recorde, chegando a 25 bilhões, em setembro, levando a conta para o vermelho. Levando a conta pública para o vermelho, um vermelho que, de modo algum, qualquer contabilidade criativa conseguirá tingir de cor-de-rosa, porque as contabilidades criativas, às quais o seu governo se dedicou, estão absolutamente desmoralizadas aos olhos de todos, inclusive dos investidores, inclusive das agências de risco.

            Sr. Presidente, a inflação não está coisa alguma sob controle. Todos nós sabemos disso, contrariamente ao que disse a Presidente, que demonstrou despreocupação com a matéria.

            E, agora, ela vem dizendo o seguinte: “Eu preciso tomar conta da inflação e conter o gasto público. Vou fazer o dever de casa.”.

            O que é o dever de casa? É não gastar mais do que se arrecada. É fazer exatamente aquilo que ela não fez no seu primeiro Governo, pois os gastos do Governo se elevaram, sobretudo os gastos de custeio, num nível muito maior do que o próprio Produto Interno Bruto. E o resultado é o déficit das contas.

            Havia a crença de que controle de gastos e política fiscal rigorosa eram coisa da direita, como se a gastança fosse característica da esquerda. Só que, Sr. Presidente, quando o Governo gasta muito mais do que arrecada, as consequências não recaem sobre os banqueiros. Os banqueiros gostam muito, porque o déficit público é fonte de renda dos banqueiros, é fonte de renda daqueles que vivem de comprar títulos públicos. E, quando sobem os juros, para poder financiar o déficit público, quem paga a conta é o trabalhador. Por quê? Porque o seu crédito se contrai, a inflação volta e o emprego se retrai.

            Agora ela acorda para o fato de que é preciso fazer o dever de casa. Não fez. Não fez e disse, inclusive durante a campanha, que cortar gastos e ajustar contas eram característica nossa, dos seus adversários. Agora ela se rende à realidade. A realidade está chegando, batendo às portas. E acho conciliar o papel da Presidente com suas promessas da candidata. Não sei como ela vai conseguir. Acho que dificilmente conseguirá.

            Ela disse, numa entrevista concedida agora ao jornal Valor, que ela nunca vende o que não pode entregar. Sr. Presidente, ela fez o tempo todo isso. Promessas e mais promessas que não foram cumpridas. Não é o momento agora de cobrar. Mas, quando falamos na mentira, nas sanções morais, políticas, nas sanções até mesmo, digamos assim, de cunho religioso, fez-se uma analogia imprópria, mas que não deixa de ter alguma pertinência, que é a analogia com o estelionato.

            O que é o estelionato? O estelionato é um crime que consiste em obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

            Não é exatamente assim que, no sentido político rigoroso, se podem classificar as mentiras da candidata. Mas no sentido político, no sentido moral, isso sim. E nós estaremos aqui, nesses quatro anos, fazendo permanentemente este julgamento. Fiscalizando, cobrando, não dando um instante de trégua, porque é este o papel da oposição, é este o papel que os brasileiros esperam de nós.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2014 - Página 50