Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pesar pelo falecimento do poeta Manoel de Barros.

Autor
Ruben Figueiró (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Ruben Figueiró de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Pesar pelo falecimento do poeta Manoel de Barros.
Aparteantes
Ana Amélia, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2014 - Página 25
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, APRESENTAÇÃO, VOTO DE PESAR, POETA, MANOEL DE BARROS, LOCAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Pimentel, Srª Senadora Angela Portela, Senador Fleury, demais Senadores e Senadoras, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores telespectadores da TV Senado, senhoras e senhores que nos honram com a sua presença aqui neste plenário, era a minha intenção fazer desta tribuna hoje uma análise da situação político-econômica do País, mas, diante de um fato infausto que ocorreu na minha terra, deixarei de fazê-lo, manifestando minha intenção de proferi-la em outra oportunidade.

            Sr. Presidente, devo dizer que o Brasil passa hoje por um momento de extremo pesar e de saudades tão perenes quanto o bronze. Faleceu, na manhã desta quinta-feira, na capital de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, o escritor e poeta Manoel de Barros.

            Tinha ele dupla naturalidade, pois, nascido em Cuiabá, no Mato Grosso, passou a maior parte dos anos em Campo Grande, no meu Mato Grosso do Sul, e viveu toda a sua vida com a natureza do Pantanal.

            Dele, o Pantanal, soube transformar, com sua sensibilidade apurada, em palavras não só as belezas daquela vegetação, daquela imensa planície, como o canto dos pássaros e o ruído multifacetado dos animais.

            Sua poesia deu um sentido muito profundo da aproximação do homem àquele extraordinário paraíso, onde é e tem sido possível a convivência, em harmonia, entre o ser humano, os animais e a riqueza extraordinariamente típica dos campos, das cordilheiras, das lagoas, das vazantes e dos rios.

            A vida de Manoel de Barros merece muito mais do que este registro rápido. Apesar de sua riqueza intelectual, ele fazia questão de revelar-se um homem simples e constantemente fugia das luzes da evidência.

            Recordo-me de que, em um dos seus documentários, indagado sobre como gostaria de ser lembrado, ele revelou a grandeza de sua personalidade e, pela expressão poética, que lhe era muito natural, declarou: “A gente nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre. Pra não morrer, é só amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste!”.

            Sua intensa e premiada obra, por meio de 28 livros publicados, será sempre e sempre o testemunho daquele que soube captar da natureza a riqueza da vida e o fez com a humildade que é a verdadeira assinatura dos homens que pensam e deixam um legado que só os grandes podem edificar com as futuras gerações.

            Manoel de Barros, Srªs e Srs. Senadores, como disse, fugia das luzes, principalmente de falar em público. E certa vez declarou - aspas: “O jeito que eu tenho de me ser não é falando; mas escrevendo”, fecho aspas.

            Conheci Manoel de Barros por volta de 1958. Há muitíssimos anos, portanto. Já à época era respeitado, conhecido pelos que com ele conviviam como o “Mané Sociá” em razão de suas ideias socialistas radicais adquiridas na juventude. Creio que com elas, passado o tempo, se decepcionou. O apelido era a maneira carinhosa e talvez até irônica daqueles que, como disse, tiveram com ele uma estreita convivência.

            Desejo, Sr. Presidente, Senador José Pimentel, externar, por meio destas palavras, a minha solidariedade à família, que estendo à pessoa do irmão, o intelectual respeitado em Mato Grosso do Sul, meu queridíssimo amigo Abílio de Barros, que posso dizer que se aproxima muito e muito das qualidades do irmão, cuja memória hoje pranteamos.

            A perda de Manoel de Barros não é apenas de sua família, mas também dos dois Estados de Mato Grosso, do Brasil e de todos aqueles que pelo mundo afora conheceram e admiram aquele que, com linguagem própria, transformou em versos a natureza, como disse hoje, em editorial, o respeitável jornal O Globo, do Rio de Janeiro. A natureza do Pantanal, riqueza imemorial da humanidade.

            Para concluir, Sr. Presidente, mais esta de Manoel de Barros, seu estilo e sua vida:

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

            Antes de concluir, concedo, com muito prazer, a palavra à Senadora Ana Amélia e, logo depois, ao Senador Suplicy.

            A Srª Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - Caro Senador Ruben Figueiró, quero me associar, em primeiro lugar, à homenagem justíssima a essa figura notável da literatura e um contador de causos, poeta por excelência. Acho que o Manoel de Barros, quanto mais olhou para a aldeia, mais enxergou o Universo. Fui apresentada a ele pelo ex-Senador, grande Senador, líder do Mato Grosso, Ramez Tebet - imagino, seu amigo. Uma das obras de Manoel de Barros com que eu acabei presenteando vários amigos jornalistas em Porto Alegre foi o Livro das Ignorãças, em que ele revela toda a sua singeleza e, ao mesmo tempo, grandeza de enxergar a vida e as coisas no seu entorno. Então, quero me associar a essa homenagem justíssima a essa figura cuja relevância para a cultura e a literatura brasileiras não se apaga com sua morte, pelo contrário. Imagino que já estão se encontrando em algum lugar do Universo, proseando, falando as coisas bonitas que a vida tem e que os lugares onde vivemos também nos oferecem, como dádivas. E ele soube aproveitar magistralmente essas grandes riquezas. Então, queria me associar e cumprimentá-lo pela justa homenagem a Manoel de Barros, estendendo aos mato-grossenses, aos mato-grossenses-do-sul e à família de Manoel de Barros.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Muito grato, Senadora Ana Amélia, pelo registro que V. Exª faz a essa extraordinária figura que é - não foi - é, e será sempre, Manoel de Barros. E V. Exª me faz lembrar de León Tolstói, que dizia que, para conhecer a vida, era primeiro necessário conhecer a sua aldeia.

            Realmente, Manoel de Barros foi um homem que conheceu a sua aldeia, que era o Pantanal. Fazendeiro no Pantanal, mas de ideias bastante avançadas. Ele tinha várias propriedades no Pantanal, mas essa riqueza patrimonial que tinha se contrastava até com a simplicidade dele. Um homem afável, amigo, sensível aos seus funcionários, uma figura extraordinária.

            As palavras de V. Exª naturalmente ecoarão pelo meu Estado, reconhecidas pela gentileza, pela lembrança muito afetiva que V. Exª fez, inclusive, de um grande amigo dele, cujo aniversário de falecimento nós vamos desta tribuna comemorar na próxima segunda-feira: o oitavo ano de morte de Ramez Tebet. Eles naturalmente devem estar lá nos observando e sentindo que a passagem deles por esta Terra não foi em vão.

            Muito obrigado a V. Exª pelo seu aparte, que, sem dúvida nenhuma, será um momento muito feliz do meu discurso.

            Com muito prazer, Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Querido Senador Rubem Figueiró, eu também havia preparado um pronunciamento. Na verdade, é um requerimento de pesar. Se V. Exª e o Presidente permitirem, eu até falaria, porque, assim, poderíamos incorporá-lo ao pronunciamento de V. Exª.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PMDB - MS) - Com muito prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Requeiro, nos termos regimentais, inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento, nesta quinta-feira, em Campo Grande, do poeta sul-mato-grossense Manoel de Barros, aos 97 anos, bem como apresentação de condolências a sua mulher Stella e à filha Martha. Um novo pássaro cruza os céus a partir de hoje. Morreu Manoel de Barros. Segundo sua neta Joana de Barros, “Ele estava muito debilitado, muito velhinho. Ele descansou. Ele virou passarinho”. Manoel Wenceslau Leite de Barros, filho de João Venceslau Barros, nasceu em 19 de dezembro de 1916, no Beco da Marinha, às margens do Rio Cuiabá. Era advogado, fazendeiro e poeta. A infância, até os oito anos, transcorreu no Pantanal, em Corumbá - conforme V. Exª aqui já identificou. Seus pais, João Wenceslau Leite de Barros e Alice Pompeu Leite de Barros, eram naturais de Livramento, Mato Grosso. Foi alfabetizado pela tia Rosa Pompeu de Barros, no Pantanal. Estudou e fez exame de admissão para o ginásio no Instituto Pestalozzi (atual Colégio Dom Bosco), em Campo Grande. Em 1929, foi para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Lafayette. Lá conheceu o padre Ezequiel, que o introduziu na leitura do Padre Antônio Vieira, segundo ele seu “desvirginamento poético, sua maior descoberta”. Leu todos os clássicos portugueses e produziu um livro de sonetos, cerca de cento e cinquenta, dos quais nenhum resta.

            Considerava-se marcado pela influência quinhentista barroca, pela literatura francesa - Rimbaud, Baudelaire, Apollinaire -, por filósofos como Schopenhauer, Kierkegaard...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ... e pelos clássicos da literatura brasileira como Machado de Assis, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa. Sua primeira publicação foi em 1932, uma crônica chamada Mano. Formou-se em Direito em 1939 e em meados de 1947 exercitou-se no prazer de ver pintura e cinema em curso no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, quando alargou a visão das coisas e o "bugre deixou de ser provinciano" como ele próprio dizia. De volta ao Brasil, conheceu a mineira Stella, com quem se casou. O casal teve três filhos: Pedro, João e Martha Barros, artista plástica que faz as ilustrações de seus livros. Nos últimos anos, Manoel de Barros levava uma vida reclusa em Campo Grande, ao lado da mulher, Stella, e da filha, Martha. Seus dois filhos, João Wenceslau e Pedro, morreram em 2007 e 2013. Manoel de Barros publicou seu primeiro livro, Poemas Concebidos sem Pecado, em 1937. Seu último volume, Escritos em Verbal de Ave, saiu em 2011. Em 1966, ele ganhou o prêmio nacional de poesias com Gramática Expositiva do Chão. Em 1998, levou o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra. Ao longo da carreira de sete décadas, ganhou o Prêmio Jabuti duas vezes, em 1990 e 2002, com as obras O Guardador de Águas (1989) e O Fazedor de Amanhecer (2001). Em 2000, foi premiado pela Academia Brasileira de Letras. Manoel de Barros teve sua obra traduzida em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. Em 2008, foi tema do documentário Só Dez por Cento é Mentira, de Pedro Cezar, que traz entrevistas com o poeta e artistas que se inspiraram em sua obra, como a escritora e atriz Elisa Lucinda, que já usou a poesia de Barros em seus espetáculos, e Joel Pizzini, diretor do curta Caramujo-Flor, inspirado na obra do poeta. Uma das poesias do mato-grossense dizia "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira.", daí o título do filme. Pascoal Soto, diretor editorial da LeYa, lamentou a morte do amigo, no seguintes termos :

Manoel foi único, original, é o poeta dos restos. Ele fazia poesia com cacos de vidro, com feixes de rio, com tudo que era desprezado, com tudo era um lixo. A relação dele com o mundo se dava através da palavra - ele era a palavra. Foi poeta 100%, 24 horas por dia.

Resolvia suas tristezas e suas angústias pela palavra, era o refúgio dele. Usava poesia para que percebêssemos todo o poder que a língua e a linguagem têm sobre a vida, e era um homem amigo, extremamente carinhoso, de uma generosidade tremenda. Era incrível, bem-humorado, sorriso fácil, grande sujeito.

            O poeta Sérgio Vaz e o músico China, assim como a neta Joana de Barros, também ressaltaram a leveza do passarinho Manoel de Barros. No facebook, Sérgio escreveu: “Obrigado, Manoel, muito obrigado, poesia é voar fora da asa.” E no twitter o músico China ressaltou: “Manoel de Barros virou mesmo um passarinho, sorte a dele, sorte do céu.” O velório e o enterro do poeta serão realizados no Cemitério Parque das Primaveras em Campo Grande, no final do dia de hoje. E para acompanhar Manoel de Barros no seu voo, deixo aqui o seu poema Retrato do Artista Quando Coisa, se V. Exª permitir, para encerrar.

A maior riqueza do homem

é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -

Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas, que olha o relógio,

que compra pão às 6 horas da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc., etc.

Perdoai, mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Sr. Senador Eduardo Suplicy, hagiografia que V. Exª faz da personalidade do nosso imortal Manoel de Barros merece o meu mais profundo respeito. Permita-me V. Exª que faça parte integrante do meu discurso.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Com muita honra.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM PRONUNCIAMENTO DO SENADOR EDUARDO FIGUEIRÓ

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

            - Requerimento.

 

            O SR. RUBEN FIGUEIRÓ (Bloco Minoria/PSDB - MS) - Como testemunho dos brasileiros que rememoram hoje a história desse grande poeta mato-grossense de dupla naturalidade. Ele nasceu em Cuiabá, mas viveu nos pantanais do nosso Estado, e morreu em Campo Grande.

            Então, ao pedir licença para incorporar o seu pronunciamento ao meu, gostaria imensamente de ser coautor desse requerimento de pesar que V. Exª vai apresentar à Mesa desta Casa.

            Muito grato pelo registro que V. Exª faz e os agradecimentos em nome de todos os sul-mato-grossenses e mato-grossenses pela homenagem que prestou através da sua expressiva manifestação da tribuna.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo que me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2014 - Página 25