Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com projeto de lei apresentado pela Presidência da República que altera a forma de cálculo do superávit primário.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Preocupação com projeto de lei apresentado pela Presidência da República que altera a forma de cálculo do superávit primário.
Aparteantes
Paulo Bauer.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2014 - Página 33
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • APREENSÃO, RELAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, CALCULO, SUPERAVIT, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO), MOTIVO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, ORÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador José Pimentel, nosso Líder nesta Casa; Senadora Angela Portela, membro da Mesa Diretora do Senado; colegas Senadoras e Senadores; nossos visitantes - sejam bem-vindos ao Senado Federal; telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, ontem, ocupei a tribuna, mas, em uma comunicação inadiável, é muito curto o tempo para abordar tema tão relevante e tão debatido no nosso País, que diz respeito à mudança da meta fiscal do orçamento federal.

            Por isso eu tomo a liberdade de voltar ao tema, até por que o Diário Oficial da União, nos despachos da Presidência da República, publica hoje a Mensagem nº 375, solicitando ao Congresso Nacional que seja atribuído o regime de urgência ao Projeto de Lei nº 36, que altera exatamente as metas da Lei Orçamentária de 2014, que foi encaminhado ao Congresso Nacional, com a Mensagem de nº 365, de 10 de novembro de 2014.

            Assim é que, com a pressa de apresentar a nova meta fiscal para este ano, o Governo acabou esquecendo de enviar junto com o Projeto de Lei que muda a Lei de Diretrizes Orçamentárias a solicitação do regime de urgência, para poder dar prosseguimento, sem o qual não poderia ter sido votado, como não foi ontem, como estava agendado pelo próprio Relator dessa alteração do Orçamento, da LDO de 2014, pelo Relator, Senador Romero Jucá

            Na verdade, o texto vai permitir que o Governo abandone a meta de superávit primário deste ano de 2014. O Diário Oficial da União, como disse, publicou essa solicitação, e através dela é que poderemos examinar.

            Claro que isso traz, em seu bojo, uma questão de ordem política. Se ficasse no campo técnico, eu imagino que o Governo poderia, em vez de fazer uma proposta de alteração contábil, na meta fiscal de 2014, porque não conseguiu cumprir aquilo que havia programado, projetado, planejado, politicamente, poderia ter sido muito mais conveniente ao Governo, porque ganhar mais credibilidade, se reconhecesse a realidade dos fatos e não maquiasse a contabilidade. Seria um gesto, eu diria, até de grandeza do Governo: olha, não fechamos a conta, pedimos que seja assim atribuído. Isso teria um peso, do ponto de vista político, maior do que fazer esta - como definiu o Presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes - “improvisação”. Eu diria: é a jabuticaba do improviso. Então, nós damos uma maquiada nas contas e vamos mudar o que nós havíamos pedido para 2014.

            Aliás, não é a primeira vez que isso acontece. Ontem mesmo, quando se discutia essa questão aqui no Senado, o Tribunal de Contas da União aprovou, por unanimidade, no plenário, uma auditoria sobre as contas de 2013, porque o Governo Federal teve um déficit primário, em 2013, de R$43,3 bilhões, o que corresponde a 0,9% do Produto Interno Bruto se excluídas essas manobras ou jabuticabas contábeis que foram feitas em relação aos gastos públicos.

            A verificação do Tribunal de que o País teve, em 2013, um déficit nas contas públicas, mesmo desconsiderado o pagamento de juros, será informado aos órgãos do Governo e ao Congresso, mas não resultará em nenhuma consequência efetiva; portanto, não há punição, a não ser uma observação aos gestores.

            Segundo o Relator, Ministro Raimundo Carreiro, que trabalhou aqui, oi homenageado por esta Casa, “as contas do Governo de 2013 já foram aprovadas pelo Tribunal no início do ano com ressalvas relativas a esse ponto [a questão do déficit] e não caberia, portanto, fazer novas recomendações”. Vai acontecer, evidentemente, a mesma coisa neste ano de 2014.

            Então, o que estamos vendo agora é que essa forma de tirar das contas os restos a pagar, que são as chamadas receitas atípicas, de R$47,8 bilhões, e uma pedalada, chamada assim de restos a pagar de 2013 jogados para 2014, de R$72,6 bilhões, houve, na verdade, um déficit primário de R$43,3 bilhões, nos cálculos feitos pelo TCU. Para o Governo, na verdade, o que aconteceu foi um superávit, porque houve esse remanejamento - o que era déficit passa a ser não considerado -, um superávit, na visão do Governo, de R$77,1 bilhões, ou seja, 1,59% do Produto Interno Bruto do País, que é todo o conjunto das riquezas geradas.

            Entre as chamadas receitas atípicas consideradas pelo Governo estão dividendos de bancos públicos, recursos do Banco Central e, também, renegociações de dívidas.

            Quanto aos restos a pagar, o Tribunal de Contas lembra que foram repassados, para 2014, um valor recorde de R$135 bilhões em despesas e que elas deveriam ser descontadas do resultado primário, para que se tenha um valor preciso e mais exato do que o Governo tem de orçamento para utilizar no ano seguinte. No entanto, o Tribunal desconsiderou o que dos restos a pagar foi pago ao longo de 2014 ou cancelado para chegar ao valor de R$72,6 bilhões.

            Aliás, ontem, aqui no Congresso Nacional, esse tema acabou provocando até o cancelamento da reunião da convocação do Congresso Nacional, já que as oposições manifestaram o interesse de estar fazendo obstrução e não teria sentido, portanto, um esforço para tentar votar uma matéria que não seria votada, diante dessa posição do Governo.

            Eu queria, Srª Presidente, Senadora Angela Portela, que fosse registrado nos Anais o artigo do especialista Renato Andrade, que publica hoje, na Folha de S. Paulo, uma matéria a respeito disso, que eu tomo a liberdade de reproduzir aqui, verbalmente, porque é um texto curto:

O Governo Federal deu mais um passo firme em direção ao descrédito total em relação ao seu comprometimento com a transparência e a manutenção do equilíbrio das contas públicas do País.

A proposta apresentada pelo Palácio do Planalto para resolver a caótica situação de 2014 é a institucionalização da irresponsabilidade fiscal.

            E, fazendo um parêntese no texto do Renato Andrade, teria sido um gesto mais adequado, se o Governo dissesse: não vamos conseguir e vamos, no ano que vem, fazer um esforço muito grande para - como disse a própria Presidente Dilma - “fazer o dever de casa”, Senador Fleury. E aí o dever de casa é isto: reconhecer que a situação não está sob controle.

            Prossigo:

A proposta apresentada pelo Palácio do Planalto para resolver a crise de 2014 é a institucionalização da irresponsabilidade fiscal.

Se temos uma meta que não será alcançada de jeito algum, o melhor é esquecê-la e seguir em frente.

De forma simplificada, foi essa a solução encontrada pela equipe econômica, chancelada pela Presidente Dilma e encaminhada ao Congresso.

Para resolver o descompasso entre despesas que avançam em ritmo contínuo e receitas minguantes, a opção encontrada foi ampliar o limite de descontos que podem ser aplicados sobre o volume de dinheiro que deveria ser economizado no ano [de 2014].

Na prática, seguindo o que foi escrito no projeto de lei, o Governo poderá fechar o ano com as contas no vermelho (como estão agora) e, ainda assim, [o Ministro da Fazenda] Guido Mantega, [o Secretario do Tesouro Nacional] Arno Augustin e demais colegas de equipe vão afirmar que a meta foi cumprida. Um espanto [porque não é isso o que mostra a realidade da contabilidade oficial].

A forma como o País controla as suas despesas e receitas não é um dogma. É uma política de Governo. Para alguns, a melhor opção é manter o que [o ex-Presidente] Fernando Henrique Cardoso e [o ex-Presidente] Lula fizeram durante boa parte dos seus mandatos: define-se quanto vai economizar por ano e aperta ou afrouxa os gastos, de acordo com o andar da economia. [O problema é que, neste ano, nós tivemos uma eleição, uma reeleição, Senador Paulo Bauer.]

Os críticos dessa alternativa argumentam que o Estado brasileiro não pode abrir mão de vários programas sociais que seriam afetados com uma política muito restritiva de gastos. Mas cabe ao Governo instalado definir sua política e apresentar de forma clara o que pretende fazer.

O que não faz sentido é afirmar em discurso que terá mão firme e na hora de fechar o balanço deixar tudo correr solto. Cantar o hino do Atlético Mineiro vestindo a camisa do Cruzeiro é o caminho certo para desagradar as duas torcidas.

            Queria cumprimentar o Renato Andrade porque conseguiu, com leveza, traduzir adequadamente uma situação técnica complicada, porque isso é contabilidade pura, é questão de meta fiscal.

            E, com muita alegria, concedo o aparte ao Senador Paulo Bauer.

            O Sr. Paulo Bauer (Bloco Minoria/PSDB - SC) - Senadora Ana Amélia, eu quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz acerca de um tema da mais alta importância. Dos Senadores eleitos em 2010, eu sou o único contador. Portanto, desse tema, modestamente, eu conheço um pouco e posso dizer a V. Exª que é escandalosa a prática que o Governo da Presidente Dilma vem adotando na maquiagem dos números oficiais. É escandalosa a prática da contabilidade criativa. Coisas de PT. O PT consegue inventar fórmulas que nenhum contador conhecia ou conhece. O que nós estamos vivenciando no presente momento é a tentativa do Governo de modificar a LDO, para cobrir ou encobrir os desacertos praticados durante o ano fiscal, é uma demonstração e uma prova inequívoca da incompetência gerencial do Governo e, mais do que isso, do seu interesse eminentemente político e eleitoral. O texto que V. Exª acaba de ler esclarece muito bem, para a opinião pública e até para muitos membros do Congresso Nacional, o que na realidade está acontecendo. Agora, é preciso mencionar, Senadora, por exemplo, que, ao longo dos últimos governos e dos últimos anos, o Governo Federal paga os precatórios que são decorrentes de determinação judicial no mês de abril ou maio de cada ano. Este ano não pagou, deixou para pagar agora no final. Obviamente, no final não tem mais dinheiro. Se não tem dinheiro, precisa modificar as regras que presidiram a votação da LDO. Outra questão. A Caixa Econômica tem vários programas que são subsidiados com recursos públicos; são programas legítimos, adequados, aprovados pelo Congresso, pelo Governo, há muitos anos, mas a Caixa Econômica é uma instituição que tem contabilidade, que tem sua própria regra de funcionamento financeiro, e qualquer coisa que a Caixa ofereça de subsídio à população tem que ser compensada pelo Tesouro. O Tesouro não pagou para a Caixa até agora o que é relativo a esse exercício. Quer e deve fazê-lo nesses dois meses que restam do ano e, por isso, obviamente, a equipe econômica do Governo precisa dessa providência no Congresso Nacional para que a contabilidade feche de novo. Isso não é mais contabilidade criativa, isso não é mais pedalada. No meu conceito, Senadora, isso é crime. Crime fiscal, crime econômico, crime contábil. O Governo vai dever muitas explicações para a sociedade brasileira por essa situação que ele mesmo criou.

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Obrigada, Senador Paulo Bauer.

            De fato, há uma lei que trata da questão, a Lei de Responsabilidade Fiscal...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - ... tipificando os crimes correlatos a essas questões relacionadas ao não-cumprimento das metas e da própria Lei de Responsabilidade Fiscal.

            São leis ligadas ao Código Penal, tipificadas, mas isso não tem efeito prático porque, na verdade, essa é uma questão política e assim como está hoje vai continuar sendo, ad aeternum, até que a Casa tome outro destino ou outro rumo em relação a essas penalidades que são impostas, especialmente no caso dos Municípios. Não cumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal ou há alguma outra ação inadequada, o Ministério Público está lá presente para fazer a execução e a condenação e até tirar do cargo o governante. Isso vale só para os Municípios, mas, para os Estados e para a União, a coisa fica um pouco mais, digamos, mais leve, mais solta.

            Independentemente disso, volto a insistir naquilo que é reconhecer que a realidade das contas é essa, seria de uma grandeza...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - ... ganharia, sem dúvida, desta Casa, eu diria, um respeito e um tratamento adequado ao reconhecimento.

            O que questionamos é por que mudar a regra do jogo, já que o Renato Andrade falou em torcida do Atlético e do Cruzeiro, com o jogo andando. Essa é a questão. Então, a regra do jogo está sendo mudada aos 45 minutos do segundo tempo.

            O que está acontecendo é que nós estamos em novembro e temos que fechar o balanço do Governo, o balanço da contabilidade do País agora, em dezembro, encerrando o exercício de 2014.

            Então, por isso que eu trago esse tema, com a compreensão, com a responsabilidade de que não é feio errar, não é feio errar. Feio é não reconhecer e dizer: “Não, não erramos”. Eu acho que esse é o lado político que poderia ter sido aproveitado pelo Governo. E dizer também que não podemos fazer “cavalo de batalha” aqui...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - ... não está querendo aceitar a questão do impositivo porque é só para as emendas parlamentares.

            Eu tenho emendas parlamentares, e nisso faço justiça. O Governo tem liberado porque sabe que não há uma emenda que tenha qualquer Interesse que não seja de ir o dinheiro para aquela finalidade.

            Então, essa é uma, digamos, ação política que, sem dúvida, diz respeito à questão do legítimo direito das minorias na Casa.

            Muito obrigada, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2014 - Página 33