Discurso durante a 167ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamento pela priorização de questões econômicas na reunião do G20, em detrimento da educação, tema que, por sua vez, ganhou destaque em encontro realizado no Catar.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Lamento pela priorização de questões econômicas na reunião do G20, em detrimento da educação, tema que, por sua vez, ganhou destaque em encontro realizado no Catar.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2014 - Página 396
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, CONFERENCIA, AMBITO INTERNACIONAL, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, PAIS ESTRANGEIRO, POTENCIA, ECONOMIA, MOTIVO, AUSENCIA, DEBATE, ASSUNTO, EDUCAÇÃO, REGISTRO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, LOCALIZAÇÃO, CATAR, OBJETIVO, DISCUSSÃO, IMPORTANCIA, ENSINO, RELAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é difícil a gente vir aqui e não falar do tema fundamental que hoje domina toda a mídia, toda a imprensa, toda a preocupação que nós atravessamos. É quase impossível isso, porque de fato o que está acontecendo, a partir desse escândalo da Petrobras, é a constatação de algo que já se sabia, que é a corrupção no País, mas de uma forma brutalmente concentrada pelo aparelhamento da nossa empresa Petrobras.

            Temos que estar dispostos a levar isso até as últimas consequências e cuidarmos de que isso seja feito e a República sobreviva e sobreviva melhor. O Brasil, além de ficar um país diferente, fique também um outro país. Que saibamos não apenas fazer a diferença de um país sem corrupção, mas também saibamos fazer um outro país de que a gente precisa, para que não haja mais corrupção no futuro, para que não haja crianças fora da escola, para que não haja fila nos hospitais e para que a mobilidade urbana seja feita de tal maneira que pare o sofrimento de milhões de pessoas que, neste exato momento, estão paradas numa fila de ônibus, sem saber se ele chega, ou dentro do ônibus, sem saber que hora chega em casa. Amanhã de manhã recomeça tudo, indo para parada de ônibus, sem saber se ele vem, e entra no ônibus, sem saber se chega na hora no trabalho.

            Isso quer dizer, Senador, que precisamos enfrentar também a prioridade na corrupção das prioridades. Precisamos enfrentar não apenas a corrupção no comportamento dos políticos, mas também a corrupção nas prioridades das políticas. Parece que isso vai ser mais difícil, que a corrupção no comportamento se vê mais facilmente do que a corrupção nas prioridades.

            Por exemplo, estamos saindo agora, o mundo inteiro, de uma reunião de dias em que os chefes de estado do mundo inteiro se reuniram para tentar enfrentar a crise econômica. O G20 reuniu os maiores quadros políticos do mundo e a palavra educação não entrou, Senador, a renda mínima que V. Exª defende não entrou, os aspectos sociais não foram debatidos. Isso nos faz refletir que quase nos mesmos dias em que se reunia o G20 para discutir economia, discutir terrorismo, discutiram segurança, mas não discutiram educação, no mesmo momento, não longe dali, embora não tão perto, em Doha, se reunia mais uma vez a discussão da educação como algo prioritário para o mundo. Mais uma vez, o encontro que tem o nome de WISE, que é o movimento mundial de inovação e educação, se reunia e tirava um documento. Um documento pelo qual nós percebemos: ali, pelo menos, a prioridade é a educação.

            A grande coordenadora disso, a Sheikha Mozah, disse nessa reunião que o que nós necessitamos para fazer com que todas as crianças do mundo tenham uma boa escola é uma vontade política dos chefes de Estado. É fazer com que a educação esteja no centro das preocupações.

            Nós vamos ter outras reuniões do G20, e educação não vai entrar como algo fundamental. E, como foi dito ali também, as crianças fora da escola são as mais marginalizadas de todas as pessoas porque as pessoas adultas marginalizadas não têm o futuro com a mesma dimensão das crianças. Ao marginalizar um adulto, a gente está marginalizando aquele adulto, naquele momento. Ao marginalizar da escola uma criança, nós estamos marginalizando o futuro dessa criança e o futuro do seu país e da sociedade onde ela age.

            O progresso tem que ser baseado na educação, como foi dito também nessa reunião de Doha. O futuro é baseado na educação, o progresso é baseado na educação. Diferentemente do que pensam os chefes de Estado, inclusive a nossa Presidenta, ao se reunirem no grupo chamado G20.

            Mas lá eles não apenas teorizam sobre a importância da educação, não apenas pressionam pela educação, eles têm uma prática de um movimento que já colocou 5 milhões de crianças marginalizadas na escola. E, com esse exemplo que eles têm, eles podem se dar ao luxo de defender medidas como, por exemplo, aumentar os fundos para a educação.

            Quando é que vamos ter uma reunião do G20 para discutir como colocar dinheiro para a educação das crianças pobres do mundo? Tivemos um avanço com dinheiro para enfrentar o ebola. E quando a gente vai enfrentar essa “ebola” que é a falta de educação para as nossas crianças? Que nem mata, mas condena a um futuro incerto, à exclusão social, à concentração da renda.

            Nessa reunião, diferentemente do G20, eles defenderam o aumento mundial de fundos para a educação. Defenderam também inovar a maneira como se aplica esse dinheiro, porque nós sabemos - aqui no Brasil, especialmente - que colocar mais dinheiro no mesmo sistema educacional que aí está, sem fazer as modificações necessárias, é quase que jogar dinheiro fora. Eu botei o “quase” de propósito, porque colocar mais dinheiro na educação traz alguns impactos, mas muito pequenos, se não mudarmos o sistema, a maneira de fazer educação. E esse grupo, reunido em Doha, no Catar, com clareza, diferentemente dos chefes de Estado na reunião do G20, na Austrália, defendeu mais recursos e inovação na maneira de aplicar esses recursos.

            Defenderam também, como terceiro ponto, o envolvimento da juventude na educação, não apenas da própria juventude, mas também das crianças: mobilizar a juventude para que as crianças possam ter uma educação melhor, e para que a juventude também se eduque mais.

            Outro ponto que eu gostaria de dizer, para concluir, é a ideia de priorizar a educação primária, especialmente para os pobres, porque aqueles que chegaram a um nível de renda maior conseguem ter uma forma de priorizar sua educação. Aqueles que ficam fora, os excluídos, os pobres, não conseguem, e são permanentemente condenados.

            É de um movimento mundial de que a gente precisa, e não apenas o Brasil. O Brasil pode dar o exemplo, Senador Suplicy, mas é um problema muito maior, um problema de dimensão planetária. Se não for enfrentado, trará consequências planetárias, como se vê com a migração forçada das populações obrigadas a emigrar por incapacidade de ter uma produtividade dentro de seus países, por falta de educação. Por não terem sido preparados para o mundo moderno, são obrigados a fugir para outros países, criando os problemas que nós vemos que estão sendo criados, tanto do ponto de vista social, quando eles chegam, como problemas ainda mais graves do ponto de vista moral, ao impedir esses imigrantes pobres de estarem no país.

            Por isso, Senador, eu não podia deixar de abrir falando da minha preocupação com a crise moral que nós atravessamos, da corrupção vergonhosa, que está deixando essa população brasileira toda descontente, incomodada com o que vê todos os dias nos jornais. Mas chamo a atenção para a necessidade de enfrentar essa corrupção mais escondida, mais disfarçada, menos visível, que é a corrupção nas prioridades de uso dos recursos públicos.

            Finalmente, quero fazer uma comparação com a reunião dos chefes de Estado na Austrália querendo discutir o futuro da economia. É uma mobilização imensa de chefes de Estado, mas a gente não vê uma mobilização igual para discutir a educação, nem a desigualdade social. Querer comparar com esse outro encontro, não muito longe dali, e que não é a primeira vez que ocorre!

            Já há diversos anos esses encontros acontecem em Doha patrocinados pela Fundação Qatar, com o objetivo de buscar um movimento mundial, inclusive no Brasil, onde eles também agem no sentido de fazer com que a educação seja uma preocupação da humanidade inteira e não apenas de cada País individualmente.

            Por que a economia é uma preocupação mundial e a educação é uma preocupação local? Por que as crises econômicas mobilizam o mundo inteiro e os chefes de Estado e essa crise terrível, que é a crise da educação das crianças, não desperta a mesma atenção em escala mundial? Felizmente, temos pessoas que ainda se mobilizam, felizmente temos governos que se preocupam, não apenas com seus países, mas também com o mundo inteiro. Felizmente, temos exemplos como esse que citei.

            Era isso, Sr. Presidente. 

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Meus cumprimentos, Senador Cristovam Buarque, por sua batalha pela atenção à educação e pela diminuição das desigualdades.

            O encontro a que V. Exª se referiu, da Fundação Qatar, teve então essa preocupação com a melhoria da educação para todos os povos do mundo e também com as desigualdades.

            Permita-me que lhe dê uma informação? Nesses últimos anos, lá na Espanha, em decorrência das grandes manifestações ocorridas diante dos problemas de desemprego e tudo, surgiu um movimento denominado Podemos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu o conheço.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Governo/PT - SP) - Esse movimento Podemos se constituiu em partido político e pela primeira vez pôde participar das eleições para o Parlamento Europeu, tendo eleito alguns representantes.

            Neste final de semana, houve uma reunião em que eles, agora, legalizaram o Podemos como um partido político, para disputar as eleições na Espanha. E o Podemos tem grande preocupação com a educação.

            Dentre os temas defendidos pelo Podemos, está a Renda Básica de Cidadania.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu não sabia.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Governo/PT - SP) - E a informação dada por El Pais, o principal jornal da Espanha, diz que podemos estar hoje com a maior força política na Espanha, nas pesquisas de opinião.

            Então, quem sabe as coisas comecem a se modificar positivamente pelo mundo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu agradeço a informação, porque desse detalhe eu não sabia, e o senhor próprio disse que foi nesse final de semana.

            O Podemos eu tenho acompanhado bastante. É algo em que o Brasil precisa prestar atenção, porque é o resultado da degradação dos partidos espanhóis, basicamente dois, que já não têm mais credibilidade. Então, surgiu um movimento - e não um partido, inicialmente - em busca de algo novo, liderado por jovens, muito jovens. E agora, de fato, se transforma em um partido.

            Eu não sabia que eles tinham colocado como parte da bandeira a Renda Mínima. Mas faz todo o sentido, para quem lê e acompanha a filosofia desses jovens, que a Renda Mínima seja uma parte.

            Eu, entretanto, ainda acho que, no caso do Brasil, no lugar de caminharmos para um novo partido, deveríamos criar um movimento transversal dos partidos que aí estão, das pessoas - alguns vão dizer que poucas temos - ainda de boa vontade que querem fazer política com P maiúsculo, e não com P minúsculo, e que procurem defender essas bandeiras.

            A Abolição não foi conquistada por nenhum dos partidos daquele momento. O movimento abolicionista chegou a chamar-se partido, mas não era um partido no sentido organizado; era um movimento com pessoas dos três partidos que então existiam. Existia conservador, existia republicano e existia liberal no movimento abolicionista.

            Mas a gente deveria ter a bandeira da renda mínima transversalmente aos partidos que aí estão. Deveria haver o movimento pela revolução na educação - eu defendo, como a federalização -, entre políticos de todos os partidos. Cada uma dessas bandeiras, como o meio ambiente, a defesa da Amazônia, deveria ser uma bandeira transpartidária.

            Eu não acredito que um novo partido vá trazer isso. Não acredito que nenhum dos partidos que aí estão - nenhum deles! -, e eu sou de um, vai ser capaz de trazer esse conjunto de bandeiras novas de que o Brasil precisa, como, inclusive, um país onde não haja corrupção, porque hoje ainda temos diversos lutando contra corrupção. É diferente lutar contra corrupção, o que é necessário, e ir além e lutar por um País onde não haja mais corrupção. Para tudo isso, eu acredito que seria melhor um movimento transpartidário, uma organização transpartidária, organizada em função de propósitos comuns de políticos, e aí, talvez, a gente possa dizer: “Nós podemos fazer isso”, mesmo sem ter um partido chamado “Podemos”.

            Essa é a minha discussão, que eu tenho tido com os espanhóis, com os quais eu tenho tido contato, que, em vez de criar mais um partido, criemos um movimento transpartidário, pelas bandeiras que nós precisamos defender, para ter um Brasil não apenas diferente, como a Presidenta disse que vai ser o Brasil a partir de agora, mas, mais do que diferente, outro Brasil, Senador Raupp, outro Brasil! Um Brasil com cara nova, que não é apenas de corruptos presos, corruptores presos, mas um Brasil com uma cara nova: sem fila para atendimento médico, com o filho do mais pobre na escola com a mesma qualidade do filho do mais rico. Esse Brasil outro é que a gente precisa construir, mas ele passa, sim, por um Brasil diferente, onde a corrupção seja enfrentada.

            Era isso, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Permita lembrar, ainda mais nesta semana da consciência negra, que, quando, depois da Segunda Grande Guerra Mundial, fortaleceu-se a consciência, entre os negros, de que eles precisariam ter direitos civis iguais, como os brancos tinham, direitos iguais de votação. E começou a haver inúmeros movimentos, entre os quais, os Panteras Negras, os Brack Panthers, que chegaram, no início dos anos 60, a incendiar quarteirões de Los Angeles, de São Francisco, de Detroit, de Chicago e de outras cidades. Eis que, lembrando os ensinamentos de Mahatma Gandhi, um jovem pastor luterano, Martin Luther King Jr., começou a organizar um movimento não violento, com manifestações, apoiando, inclusive, atos de desobediência civil como, por exemplo, o da Srª Parks, que se sentou um dia no lugar reservado apenas para brancos e outros episódios dessa natureza.

            E ele começou, com o Reverendo Albenard e outros, a organizar movimentos sociais, não propriamente partidos políticos. E foi graças a sua extraordinária ação que, finalmente, foi aprovada a lei dos direitos civis e, depois, a lei dos direitos iguais de votação, pouco depois do 28 de agosto de 1963, quando ele culminou a sua campanha com o pronunciamento “Eu tenho um sonho”. Como V. Exª estava falando que, muitas vezes, movimentos sociais podem transcender os partidos políticos, para realizar grandes modificações, eu me lembrei desse episódio.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado. E a gente tem muitos exemplos, além de Mahatma Gandhi, além de Martin Luther King, de pessoas que conseguiram a realidade por fora, e não por dentro dos partidos. E aqui no Brasil eu citaria o nome carinhoso de Betinho, que foi capaz de criar um movimento de indignação com a fome, despertar para a fome, que levou ao Fome Zero, que, depois, agarrou positivamente a Bolsa Escola, transformando-a em Bolsa Família.

            Provavelmente isso não teria acontecido sem a indignação do que Betinho criou. E Betinho não foi militante político-partidário organizado, ele foi militante político por meio de um movimento. Eu creio que nós precisamos, no Brasil, fortalecer esses movimentos.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2014 - Página 396