Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de uma distribuição equânime dos magistrados que integram o STJ em relação aos Estados da Federação.

Autor
Odacir Soares (PP - Progressistas/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa de uma distribuição equânime dos magistrados que integram o STJ em relação aos Estados da Federação.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2014 - Página 102
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • DEFESA, IGUALDADE, REPRESENTAÇÃO, MAGISTRADO, ORIGEM, ESTADOS, LOCAL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), OBJETIVO, AUMENTO, QUANTIDADE, MEMBROS, TRIBUNAIS, MELHORIA, COMPETENCIA JURISDICIONAL, RELAÇÃO, DEMOCRACIA.

            O SR. ODACIR SOARES (Bloco Maioria/PP - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, minhas senhoras e meus senhores, quero, inicialmente, cumprimentar o meu conterrâneo do Acre, José Augusto de Castro e Costa, que se encontra na tribuna de honra desta Casa. É uma honra vê-lo aqui.

            Sr. Presidente, passado o período eleitoral, durante o qual nossas atenções estiveram concentradas nas campanhas regionais e na de Presidente da República, agora é o momento de voltarmos nossos olhos para as grandes questões que requerem uma solução legislativa e que, portanto, passam pelo Congresso Nacional.

            Uma dessas questões que, a meu ver, é da maior importância para os destinos do Brasil diz respeito ao Pacto Federativo, não apenas nos moldes clássicos em que discutimos a matéria, mas avançando um pouco mais para envolver também o Poder Judiciário.

            Quando falamos de Pacto Federativo, normalmente nos referimos ao equilíbrio de forças que mantém unida a Federação. Esse equilíbrio de forças possui dois vetores principais, Sr. Presidente: o equilíbrio político, regulado pelo Senado Federal, enquanto Casa da Federação; e o equilíbrio econômico, que diz respeito à distribuição dos recursos tributários entre os entes da Federação - União, Estados e Municípios.

            Contudo, como já disse, acho que devemos avançar ainda mais nessa conceituação e abranger também o Poder Judiciário. E, quando falo de Poder Judiciário, quero mencionar de modo mais específico o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

            O STJ é uma Corte verdadeiramente notável. Instituído com a Constituição de 1988, substituiu o extinto Tribunal Federal de Recursos e, nesses 26 anos de existência, alcançou a espantosa marca de quase quatro milhões de julgados! É algo praticamente inacreditável se considerarmos que a Corte conta com apenas 33 Ministros.

            Antes de avançar no meu raciocínio, Sr. Presidente, quero aqui lembrar o funcionamento do sistema judiciário brasileiro, antes da promulgação da atual Constituição.

            Na Justiça dos Estados, as varas estaduais exerciam o primeiro grau de jurisdição; em grau de recurso, tínhamos os Tribunais de Justiça. Já no plano da Justiça Federal, tínhamos as varas federais, na primeira instância, e o Tribunal Federal de Recursos (TFR), em segunda instância, como grau de recurso. Mas havia um grave problema, que foi percebido muito claramente pelo Constituinte.

            Naquela época, cada Tribunal estadual e do Distrito Federal, não raras vezes, tinha entendimento divergente à exegese e aplicação de certas normas federais, o que criava um vácuo relativo na ordem jurídica nacional. Esse vácuo era muito lentamente sanado pelo Supremo Tribunal Federal. No âmbito da Justiça Federal, isso não acontecia com a mesma frequência, porque o Tribunal Federal de Recursos era o único tribunal de segundo grau de jurisdição.

            Percebendo o problema, o Constituinte entendeu a necessidade de criar um outro Tribunal Superior, cujo objetivo principal seria o de dar uma interpretação única à lei federal, sem se tratar, contudo, de uma terceira instância, mas de caráter especial. Surgiu, então, o Superior Tribunal de Justiça. A partir daí, caberia ao STF apenas interpretar a Constituição Federal. Por esse motivo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi extinto o TFR e foram criados os Tribunais Regionais Federais como segunda instância da Justiça Federal.

            Essa foi a solução encontrada por nós - por mim e por V. Exª, Sr. Presidente -, na Constituinte, para uniformizar a jurisprudência em matéria de lei federal. Contudo, Srªs e Srs. Senadores, faltou um ponto muito importante - aliás, a meu ver, fundamental - e que diz respeito à composição daquela Corte. Nossa Carta Magna prevê que o STJ seja composto por, no mínimo, 33 membros, 33 Ministros, sendo um terço desses Ministros dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais; um terço dentre Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados; e um terço dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios.

            Em nenhum momento ela menciona que deve haver uma distribuição equânime dos Ministros entre as diversas Regiões e Estados do País. Ora, isso é fundamental, porque, se o STJ foi criado sob a premissa de uniformizar o entendimento jurisprudencial dos Estados, a única maneira de garantir um equilíbrio nesse entendimento é garantindo também a paridade na representação estadual no STJ. Mas isso não acontece atualmente.

            O STJ conta hoje com 29 Ministros na ativa, dos quais 12 são oriundos da Região Sudeste do País; 8, do Nordeste; 6, da Região Sul; 1, da Região Centro-Oeste; e apenas 1, da Região Norte, neste caso, representando o Ministério Público. Então, vejam a enorme desproporção: enquanto as Regiões Sul e Sudeste somam 18 Ministros, o Norte e o Centro-Oeste têm apenas dois Ministros. Se considerarmos que, atualmente, o STJ conta com quatro Desembargadores convocados para atuar supletivamente como Ministros daquela Corte, então, essa desproporção aumentaria ainda mais, porque todos eles pertencem às Regiões Sul e Sudeste do Brasil.

            Então eu faço aqui a pergunta, Sr. Presidente: como poderia o STJ dar pleno cumprimento à sua missão constitucional com essa sub-representação regional?

            Se esse desequilíbrio ocorre do ponto de vista qualitativo no que diz respeito à paridade da representação, ele também se verifica do ponto de vista quantitativo, quer dizer, na quantidade de membros do STJ em relação aos Tribunais estaduais. Nesse sentido, quero destacar que, enquanto o STJ possui 33 Ministros, alguns Estados possuem números muitos superiores: o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por exemplo, aqui do lado de Brasília, possui 36 Desembargadores; o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia conta com 48 Desembargadores; o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro possui 180 Desembargadores; e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conta com 360 Desembargadores - mais de dez vezes o número de Ministros do STJ!

            Então, Srªs e Srs. Senadores, a partir desses números, fica nítido o desequilíbrio existente no Superior Tribunal de Justiça, tanto do ponto de vista qualitativo, quanto do ponto de vista quantitativo.

            Exatamente por esse motivo é que esta Casa, enquanto guardiã da Federação, precisa encontrar uma saída urgente para garantir que o chamado Tribunal da Cidadania seja, também, Sr. Presidente, o Tribunal da Federação. Lembro a todos que nossa Constituição garante amplo acesso de qualquer cidadão ao Poder Judiciário, sempre que houver lesão ou ameaça de direito.

            Mas, pergunto, de que adianta esse acesso se, muitas vezes, ocorrem divergências nas decisões dos tribunais sobre um mesmo tema, beneficiando uns e prejudicando outros? Não seria isso uma injustiça? É preciso que busquemos uma paridade no entendimento jurídico no Brasil. Por isso, considero fundamental que haja uma distribuição equânime dos magistrados que integram o STJ em relação aos Estados da Federação.

            Defendo esse ponto de vista, Sr. Presidente, pelas seguintes razões: em primeiro lugar, porque trará para o STJ as diferentes visões jurídicas das Regiões e dos Estados brasileiros. Num país continental como o nosso, onde as diferenças regionais são acentuadas, é natural que haja também divergência de pensamento entre os magistrados dos diversos tribunais. Por esse motivo, temas mais específicos para nós de Rondônia e da Amazônia, como a questão indígena, por exemplo, serão vistos de forma diferente por um juiz de São Paulo e por um juiz de Rio Branco, no Estado do Acre. A lei é a mesma, mas sabemos que existem divergências de interpretação. Então, o equilíbrio representativo no STJ viria sanar essa lacuna do nosso sistema jurisdicional.

            O segundo motivo pelo qual defendo essa paridade representativa no STJ é que esse equilíbrio contemplará também a jurisprudência dos diversos tribunais do País, o que é importante para o papel institucional do STJ. Quando tivermos esse equilíbrio representativo no STJ, aquela Corte forçosamente vai exercer o seu papel de uniformizadora da jurisprudência dos tribunais de uma forma mais igualitária, mais equitativa, sem pender para esse ou para aquele lado, procurando buscar o equilíbrio normativo.

            Por essas e outras razões, a distribuição equânime deve se dar nos membros do STJ oriundos da magistratura. Repito: a distribuição equânime deve se dar nos membros do STJ oriundos da magistratura.

            Além disso, destaco que o aumento do número de juízes é necessário para agilizar a prestação jurisdicional e democratizar o acesso ao STJ. Como mencionei no início deste pronunciamento, em 20 anos aquela Corte julgou quase quatro milhões de processos. É algo inimaginável! Com toda a certeza, a prestação jurisdicional seria mais ágil se houvesse um maior número de Ministros, o que também democratizaria o acesso àquele Tribunal. Lembro aqui, Sr. Presidente, que a Constituição Federal prevê o numero mínimo de 33 Ministros para o STJ, mas não prevê número máximo.

            Finalmente, e para concluir, quero ainda apresentar um definitivo e último argumento: o princípio da proporcionalidade representativa constitui a essência do sistema federativo e, por isso mesmo, é plenamente amparado pela Constituição de 1988.

            Desde que o Brasil assumiu a forma de Estado Federal, com a Proclamação da República em 1889, vivemos sob o chamado Pacto Federativo, no qual os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios delegam à União Federal a tarefa de coordenar a Federação e representá-la soberanamente no concerto das nações. Mas, ao delegar esses poderes, os membros da Federação baseiam-se em alguns princípios, entre os quais a repartição de competências, a autonomia, a representatividade e a proporcionalidade. Esses são princípios que resguardam o respeito aos interesses dos Estados-Membros e que, portanto, preservam o equilíbrio federativo.

            Por esse motivo, no âmbito do Poder Judiciário, mais precisamente na formação dos tribunais, não se fugiu à regra da representatividade e da proporcionalidade. Cito aqui, como exemplo, o art. 107 da Constituição Federal, que diz, textualmente, o seguinte:

Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo [...]

Encontramos também o mesmo princípio no art. 115 da Carta Magna:

Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República [...]

            Então, vejam que o Constituinte teve uma preocupação de preservar a proporcionalidade regional na composição desses tribunais.

            Colocando uma pá de cal no tema, temos a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, na qual o princípio da proporcionalidade se tornou expresso e impositivo ao Poder Judiciário. Diz o art. 93, inciso XIII, da Constituição Federal, com a redação dada por aquela Emenda, que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”.

            Portanto, Sr. Presidente, já contamos com o mandamento constitucional para promover o aumento do número de Ministros do STJ, porque o quantitativo atual tem-se revelado insuficiente para atender à demanda existente. Apenas para se ter uma ideia, em 2013, chegaram ao STJ quase 310 mil processos, praticamente 10 mil processos para cada um dos 33 Ministros analisarem ao longo do ano, isso sem contar os que já estão tramitando naquela Corte.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Poder Judiciário é a última trincheira contra o arbítrio e o desrespeito aos direitos humanos fundamentais. A ele cabe zelar pelo respeito ao devido processo legal expresso na efetiva garantia a todos que demandam ou venham a ser demandados, de ver assegurado o direito ao contraditório, à ampla defesa, à produção regular de provas, à segurança jurídica. Isso é o que diz a Constituição.

            Lembro, Srªs e Srs. Senadores, que o insigne Rui Barbosa, patrono desta Casa, já nos advertia ao dizer que a justiça tardia nada mais é do que a injustiça institucionalizada. Por esse derradeiro motivo é que defendo a tese de paridade representativa do STJ, assim como defendi há pouco mais de dois meses, aqui mesmo desta tribuna, a urgente necessidade de serem instalados os Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões, conforme o disposto na Emenda Constitucional nº 73/2013, e está para ser julgada uma Adin no Supremo Tribunal Federal, que suspendeu a instauração desses tribunais. Eu acredito que essa Adin será reeditada pela Suprema Corte do Brasil.

            Esses são os clamores do povo de Rondônia e do povo da Amazônia, dentre outros, que precisam ser ouvidos nesta Casa.

            Tive a honra de ser Constituinte, ao lado de grandes nomes da política brasileira contemporânea, como Ulysses Guimarães, Bernardo Cabral e Michel Temer. Naquele momento, repensávamos o Brasil, recém-saído de 20 anos de autoritarismo militar. Tínhamos a plena consciência de que o Brasil precisaria reformular o Poder Judiciário se quisesse que a nova Constituição fosse duradoura.

            Por isso, Srªs e Srs. Senadores, reafirmo hoje a mesma convicção de outrora: se queremos um País verdadeiramente democrático, não podemos, e não devemos, nos contentar apenas com eleições abertas, livres e plurais, como as que acabamos de realizar. Precisamos avançar mais, fortalecer o Poder Judiciário, para que tenhamos o resguardo pleno dos direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro, em todas as instâncias e tribunais.

            Essa é a nossa luta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2014 - Página 102