Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do centenário da escritora Carolina Maria de Jesus.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro do centenário da escritora Carolina Maria de Jesus.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2014 - Página 246
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ESCRITOR, REFERENCIA, CENTENARIO, NASCIMENTO, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querida Presidenta, Senadora Ana Rita, quero, hoje, dentro desta semana em que comemoramos no dia 20 próximo o Dia Nacional da Consciência Negra, falar do centenário de Carolina Maria de Jesus.

            Eu gostaria de aqui cumprimentar e registrar, na tribuna de honra do Senado, a presença dos Vereadores que nos visitam da cidade de Rincão: João Matheus Bolito - o vereador mais jovem de São Paulo -, Sérgio Henrique Mendes, Rosalva Loretto, Luís Negri Junior, Fernando Catelani. Sejam bem vindos.

            Uma lembrança da escritora Carolina Maria de Jesus.

            Em 14 de março de 1914, na pequena cidade de Sacramento, no Estado de Minas Gerais, nascia, numa comunidade rural, Carolina Maria de Jesus. Filha ilegítima de um homem que já era casado, teve uma infância difícil e sua personalidade agressiva só piorou a situação. Quando chegou à idade de sete anos, sua mãe forçou-a a frequentar a escola, depois que a esposa de um rico fazendeiro pagou as despesas para Carolina, bem como para outras crianças pobres do bairro. Todavia, ela parou de frequentar a escola no segundo ano, mas aprendeu a ler e a escrever.

            Em 1937, sua mãe morreu, e Carolina foi obrigada a se mudar para São Paulo, aos 23 anos de idade. Chegando à metrópole, construiu na favela do Canindé sua própria casa, usando madeira, lata, papelão e qualquer outra coisa que encontrava. Todas as noites, saía para coletar papel a fim de poder sustentar sua família. Entretanto, quando encontrava revistas e cadernos, guardava para escrever dentro. Foi assim que começou a escrever sobre seu cotidiano. Isso irritava seus vizinhos, que não eram alfabetizados e, por isso, se sentiam desconfortáveis por vê-la sempre escrevendo, ainda mais sobre eles.

            Nas palavras de Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio:

Carolina não se casou e foi mãe de três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Migrou para São Paulo em 1937 [...]. Aí trabalhou como doméstica, não se adaptando, contudo, a esse tipo de trabalho. Passou a trabalhar como catadora de papel, trabalho que realizou até sua morte. Faleceu em 13 de Fevereiro de 1977, com 62 anos de idade, e foi sepultada no Cemitério da Vila Cipó, cerca de 40 km do centro de São Paulo.

            Quem lê a escrita sensível e poética de Carolina não imagina como sua escolaridade formal foi parca e lutada. Foi matriculada, em 1923, no Colégio Allan Kardec, primeiro Colégio Espírita do Brasil. Foi mantida no colégio graças à generosidade de uma benfeitora, a Srª Maria Leite Monteiro de Barros, para quem a mãe de Carolina trabalhava como lavadeira. No Colégio Allan Kardec, Carolina estudou pouco mais de dois anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita advém deste pouco tempo de estudos.

            Até aqui, temos uma história que poderia ser a de qualquer outra mulher brasileira pobre - negra, semi-alfabetizada, favelada -, como tantas que existem pelo Brasil afora, não fosse por um detalhe: a paixão de Carolina Maria de Jesus pela leitura e pela escrita. Isso fez toda a diferença em sua vida. Carolina dividia seu tempo entre catar papel, cuidar dos filhos e escrever. E sua escrita acabou sendo documento importante e parte fundamental da literatura de denúncia feita pela mulher, objeto de estudo e pesquisa por todos aqueles que desejam conhecer o verdadeiro Brasil que se esconde através das fachadas das elites.

            Além de Quarto de despejo: Diário de uma Favelada, Carolina também publicou Casa de Alvenaria (1961), Provérbios e Pedaços da Fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, realizada em 1982, pela editora francesa A. M. Métailié). Há indícios, na prosa da escritora, de que ela teria tido acesso a obras de grandes escritores brasileiros, provavelmente nas casas em que trabalhou, o que explicaria as menções em suas obras a poetas como Casimiro de Abreu e Castro Alves. Em seus livros, Carolina alterna incorreções ortográficas, sintáticas e de pontuação - reflexos da linguagem oral e da alfabetização deficiente - com o emprego correto de termos específicos da linguagem escrita culta.

            Outro traço particular da escrita de Carolina Maria de Jesus é sua consciência política e social. Passagens de seus livros mostram que a escritora estava sempre informada do que acontecia não só em São Paulo, mas também em outros Estados, provavelmente por meio de notícias lidas em jornais que via nas bancas.

            A obra mais conhecida, com tiragem inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana e traduzida em 19 idiomas nos últimos 35 anos é Quarto de Despejo, lançado pela Livraria Francisco Alves em agosto de 1960 e editado oito vezes no mesmo ano, sobretudo, graças à iniciativa de Audálio Dantas que a conheceu quando, certo dia, como jornalista da Folha da Noite, ao estar percorrendo a Favela do Canindé, onde um grupo de pessoas estava ali se sentindo preocupado por causa da ameaça de despejo, eis que ela falou para o grupo de pessoas e para o próprio Audálio Dantas: “Se você fizer alguma coisa, eu vou colocá-lo no meu livro”. Então, Audálio Dantas se interessou por saber o que era, afinal, aquele livro dela e foi com ela até o seu quarto de despejo, a sua simples casa, e ali verificou os diários que ela passou a escrever, que ela havia escrito falando de seu cotidiano. Eis que, então, teve um enorme impacto a reportagem que ele fez na Folha da Noite, e daí ele ajudou Carolina Maria de Jesus a organizar o seu primeiro livro: Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.

            Quarto de Despejo teve mais de 70 mil exemplares vendidos na época, quando, para se considerar uma publicação de sucesso, era preciso alcançar a margem de aproximadamente quatro mil exemplares. Nos cinco anos seguintes, Quarto de Despejo alcançou mais de 40 países, como Dinamarca, Holanda, Argentina, França, Alemanha, Suécia, Itália, Tchecoslováquia, Romênia, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, Japão, Polônia, Hungria e Cuba. Já vendeu um milhão e meio de exemplares. Ela é a segunda autora brasileira que mais vendeu livros, depois de Paulo Coelho.

            Carolina não era alienada. Tinha consciência de sua condição e da injustiça que a fazia levar aquela vida. Em seu diário, escrevia: "Hoje em dia quem nasce e suporta a vida até a morte deve ser considerado herói." Desânimo, desespero, tentação de suicídio, tudo isso rondou Carolina durante a sua vida. Mas também se pode ver, em seu livro, que Deus não a abandona e continua a dar-lhe coragem para a luta de cada dia. E mesmo a deslumbra com sonhos e visões encantadas que lhe aquecem a alma poética.

            Por isso se podem ver, em seu diário, trechos como este, do dia 2 de setembro:

Eu durmi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vistido era amplo. Mangas longas côr de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organisaram um espetáculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso.

Quando despertei pensei: eu sou tão pobre. Não posso ir num espetáculo, por isso Deus envia-me estes sonhos deslumbrantes para minh'alma dolorida. Ao Deus que me proteje, envio os meus agradecimentos.

            Aguerrida, Carolina, em meio ao seu indizível sofrimento, mantinha a esperança. Sonhava com o dia em que seu País, seu povo iam melhorar. E produzia escrita profética. Prova disso é o que escreve em seu diário: "O Brasil [Senadora Ana Rita] precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo e nas crianças."

            Ora, isto veio a acontecer na medida em que o Presidente Lula, que muitas vezes passou fome na sua infância, justamente mais de 20 anos depois de Carolina Maria de Jesus ter escrito isso, se tornou Presidente da República em 2002, novamente em 2006, para, inclusive, levar à eleição a Presidente Dilma Rousseff por duas vezes, em 2010 e em 2014.

            No início dos anos 60, tive um comovente encontro com Carolina Maria de Jesus, quando ela tinha acabado de publicar o seu romance Quarto de Despejo. E eu, inclusive, no meu livro Renda de Cidadania, na sétima edição, na página 66 e 67, escrevo o seguinte: "Os contrastes para além dos muros da minha casa, de tanta pobreza e em meio à abundância para poucos,

            Os contrastes para além dos muros da minha casa, de tanta pobreza e em meio à abundância para poucos, só aumentaram desde aquele período de minha adolescência. O Brasil crescia aceleradamente e, como quase todas as pessoas, eu me entusiasmava com isso.

            No início dos anos 60, tive um comovente encontro com a escritora Carolina Maria de Jesus, que acabara de publicar o seu romance Quarto de Despejo, em que narra como se intensificou o seu sofrimento em uma favela de São Paulo, naqueles anos do Governo Juscelino Kubitschek (1955 a 1960), de crescimento dinâmico de nossa riqueza e de nossa inflação.

            O livro, narrado em forma de diário com uma simplicidade e uma sabedoria fabulosas, começa no dia do aniversário da filha de Carolina. A mãe deseja dar-lhe um par de sapatos de presente, mas não tem dinheiro para comprá-los. Encontra sapatos no lixo, lava-os e remenda-os para a filha calçar, e prossegue:

Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei três litros e troquei com o Arnaldo. Ele ficou com os litros e deu-me pão. Fui receber o dinheiro do papel. Recebi 65 cruzeiros. Comprei 20 de carne, 1 quilo de toucinho, 1 quilo de açúcar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro acabou-se.

            Depois da manhã de autógrafos, numa livraria da Rua Augusta, em São Paulo, comecei a conversar com Carolina e resolvi convidá-la para almoçar em minha casa. Meus pais estavam recebendo um embaixador em um almoço de cerimônia e deram as boas vindas à escritora que viera da favela.

            Esse encontro entre pessoas com vidas tão diversas poderia simbolizar uma grande confraternização social, pois a constatação das brutais diferenças e a sua compreensão constituem o primeiro passo para a construção de uma sociedade mais humana e justa.

            Eis como, em seu livro Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada, Carolina relata nosso encontro, este mesmo, tal como eu falei, da seguinte forma:

10 de Setembro ... Hoje eu vou autografar na livraria da Rua Augusta, a convite da irmã do senhor Giacomo de Camillis. Quando cheguei na livraria era 8 e meia. Comecei a autografar o meu livro. Ao meio dia eu despedia, chegou um jovem e pediu-me para eu autografar-lhe o livro. [Eu tinha 19 anos, era 1960. Eu nasci em 1941.] Deu-me o seu nome: Eduardo Suplicy Matarazzo. [O correto é Eduardo Matarazzo Suplicy.] E convidou-me para eu ir almoçar na sua casa. Aceitei o convite. Ele foi telefonar a sua irmã Marina Matarazzo Suplicy, para vir buscar-me de automóvel, porque ele estava de lambreta.

A dona da livraria ofere...[na verdade era uma Vespa] A dona da livraria ofereceu-me dinheiro, eu não aceitei. O que eu notei de espetacular foi uma senhora que trabalha na livraria. Ela fala sete idiomas e canta e toca piano. É do Egito. Disse-me que descende dos faraós. Que vivia na opulência. Descreveu-me seus castelos e os seus criados. E a sua queda financeira, que a política derrotou-a. Que eles eram refugiados e permaneceram em vários Países e ela aprendeu os idiomas. Chega o inglez, ela fala inglez, chega um russo, ela atende em russo. É viúva e foi empregar-se para viver. Ela é inconformada com a existência. Pediu-me para arranjar-lhe um emprego na televisão e deu-me seu cartão.

O automóvel chegou. Despedi e dirigi para a mansão da Avenida Paulista [na verdade era Alameda Casa Branca com Alameda Santos, perto da Paulista e em frente ao Parque Siqueira Campos]. E eu ia conversando com a jovem Marina, irmã de Eduardo, que ia relatando as belíssimas qualidades de sua mãe que tem 11 filhos. Que é muito sensata e que é boa para o seu pai. Admira o seu pai, que tem coragem de criar 11 filhos com todo o conforto. Que seu pai é um herói.

Quando cheguei na belíssima residência do Sr. Paulo Cochrane Suplicy fiquei abismada vendo aqueles quadros. Mas que quadros! Fui apresentada a senhora Filomena [ela escreve Suplicy Matarazzo, mas é Matarazzo Suplicy], vi a sua nora e os outros filhos foram chegando. (...) Estava presente o Sr. Coriolano de Araujo Goes. Quando pronunciaram o seu nome na mesa, fiquei surpreendida e perguntei-lhe [vejam como ela era bem informada]: - Então é o senhor que foi comissário no Rio de Janeiro? Ele confirmou. Falamos de sua luta e ele está horrorizado com o custo de vida para os pobres.

A refeição estava ótima. A D. Filomena foi mostrar-me a casa e os criados. Pretos e brancos. A cosinheira é preta e o senhor Paulo Suplicy disse-me que gosta muito dela porque ela está sempre alegre e é de confiança [Meu pai foi levá-la à cozinha, à copa, conversou com todas que ali trabalhavam]. E despedi de D. Filomena, porque precisava falar com o repórter. O senhor Eduardo Suplicy prontificou-se a levar-me na Livraria Francisco Alves. Quando chegamos a livraria, estava fechada, porque hoje é sábado. Mostrei minha vitrina para a senhorita Marina, que ficou horrorizada, porque ela ignora os dramas dos pobres.

            Neste ano, em que se comemora o centenário de Carolina Maria de Jesus, ontem, foi lançada, na Câmara Municipal de São Paulo, pela editora Mepario Revolução, uma edição comemorativa do livro Onde estais Felicidade?, realizada com apoio do Ministério da Cultura, por meio da Fundação Palmares, que reúne dois textos inéditos de Carolina, além de ensaios sobre a autora.

            Continuando com os festejos do centenário de nascimento de Carolina Maria de Jesus, que aconteceu durante todo este ano, o Prefeito de Sacramento, no Estado de Minas Gerais, Sr. Bruno Scalon Cordeiro, inaugura com o nome de Carolina Maria de Jesus a Escola Técnica Federal para 1.200 alunos no próximo mês.

            E, no próximo final de semana, em São Paulo, na feira literária que vai ocorrer no Memorial da América Latina, haverá um stand de exposição para Carolina Maria de Jesus.

            Eu gostaria, Srª Presidenta, se V. Exª me autorizar, de ler aqui um trecho do Diário de Bitita, 2ª edição., de Carolina Maria de Jesus, Editora Bertolucci.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -

Os Negros.

- Se eu pudesse comprar isto! Se eu pudesse comprar aquilo!

Eu vestia um vestido de minha mãe, amarrava um barbante na cintura e pulava o muro da vizinha, trepava nas árvores, colhia as frutas, ia introduzindo-as no seio, depois descia e ia saboreá-las.

Mas não sentia tranquilidade interior. Meu subconsciente me advertia de que havia praticado um ato indigno. Eu não tenho coragem de roubar. Devo e deverei lutar para conseguir tudo com honestidade. Tinha a impressão de que alguém sussurrava aos meus ouvidos: seja honesta, seja honesta, seja honesta como se fosse o tique-taque de um relógio. Parece que eu tinha um preceptor dirigindo-me. Quando eu ganhava uma fruta, ou comprava, não ficava atemorizada, todos têm o bom senso. Se o homem rouba, é porque ele é canalha.

Passados uns dias, resolvi entrar no quintal da vizinha. Quando fui pegar uma manga, uma cobra foi pondo a boca. Assustei, perdi o equilíbrio e a noção. Fui despencando-me, batendo nos troncos e caí no solo semi-inconsciente. Esqueci de que estava furtando mangas. Comecei a gemer; os cães, ouvindo-me gemer, ladravam e as galinhas cacarejavam. A dona Faustina foi averiguar o que havia. Encontrou-me com o seio recheado de mangas. Dirigiu-me um olhar que me amedrontou. Percebi que ela era avarenta.

Repreendeu-me!

- Então é você quem rouba as minhas frutas, negrinha vagabunda. Negro não presta.

Respondi:

- Os brancos também são ladrões porque roubaram os negros da África.

Ela olhou-me com nojo.

- Imagina só se eu ia até a África para trazer vocês... Eu não gosto de macacos.

Eu pensava que a África era a mãe dos pretos. Coitadinha da África que, chegando em casa, não encontrou os seus filhos. Deve ter chorado muito.

Estava deitada no chão e dizia:

- Olha a cobra! Olha a cobra! desfaleci.

            (Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) -

Foram avisar minha mãe que eu estava roubando as mangas de dona Faustina. Minha mãe pegou um chicote e deu-me duas chicotadas. Despertei, e saí correndo como se minhas pernas fossem movidas a motor. Minha mãe ficou furiosa porque eu havia vestido seu vestido novo. Era um vestido de fustão estampado. Que suplício quando eu passava pelas ruas e os meninos gritavam:

- Ladrona de manga! Ladrona de manga.

Mas isto eram cenas que passavam. As crianças esquecem logo o que presenciam, e os dias iam decorrendo.

Eu notava que os brancos eram mais tranqüilos porque já tinham seu meio de vida, E os negros, por não terem instrução, a vida era-Ihes mais difícil. Quando conseguiam algum trabalho, era exaustivo. O meu avô, com setenta e três anos, arrancava pedras para os pedreiros fazerem, alicerces das casas. Os pretos, quando recebiam aquele dinheirinho, não sabiam gastar em coisas úteis. Gastavam comprando pinga. Os pretos tinham pavor dos policiais, que os perseguiam. Para mim aquelas cenas eram semelhantes aos gatos correndo dos cães. Os brancos, que eram os donos do Brasil, não defendiam os negros. Apenas sorriam achando graça de ver os negros correndo de um lado para outro, procurando refúgio, para não serem atingidos por uma bala.

Minha bisavó Maria Abadia dizia:

- Os brancos de agora já estão ficando melhores para os pretos. Agora, eles atiram para amedrontá-los; antigamente atiravam para matá-los.

E os pretos sorriam dizendo:

- O Benedito virou lebre, quando viu os policiais. Quando os pretos falavam: "- Nós, agora, estamos em liberdade" eu pensava: "mas que liberdade é esta se eles têm que correr das autoridades como se fossem culpados de crimes? Então o mundo já foi pior para os negros? Então o mundo é negro para o negro, e branco para o branco"!

            Srª Presidenta, eu não quero abusar. Gostaria de ler diversos capítulos, e ainda nem li todo esse sobre os negros. Mas eu compreendo a limitação do tempo. Quero apenas recomendar a todos que aqui nos assistem que possam ler o Diário de Bitita, Carolina Maria de Jesus, da Bertolucci Editora, Quarto de Despejo - diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, e outros livros que eu aqui citei, inclusive aqueles que, ontem, foram lançados na Câmara Municipal de São Paulo, quando se fez uma sessão de homenagem a Carolina Maria de Jesus, por iniciativa do Vereador Antônio Donato, com a presença inclusive do Prefeito de Sacramento - MG, Bruno Scalon Cordeiro, que ficou muito feliz porque estava...

(Soa a campainha.)

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ... inteiramente lotada a Câmara Municipal.

           E ali foram lançados dois textos inéditos no livro comemorativo Onde estaes Felicidade, da Publicadora Me Parió Revolução.

           E certamente todos vamos aprender muito sobre a realidade do Brasil. Ainda que isto reflita sobre os anos 50 e 60, infelizmente, ainda muito do que aqui está descrito continua a acontecer em muitas das áreas periféricas de nossas grandes metrópoles.

           Muito obrigado, Senadora Ana Rita, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2014 - Página 246