Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque, por ocasião do Dia Nacional da Consciência Negra, das iniciativas que visam à redução dos homicídios contra a juventude negra; e outro assunto.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Destaque, por ocasião do Dia Nacional da Consciência Negra, das iniciativas que visam à redução dos homicídios contra a juventude negra; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2014 - Página 253
Assunto
Outros > SENADO. HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, MARTA SUPLICY, SENADOR, MOTIVO, RETORNO, SENADO, ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC).
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, DATA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, REGISTRO, PROJETO, OBJETIVO, AUXILIO, REDUÇÃO, HOMICIDIO, VITIMA, JUVENTUDE, GRUPO ETNICO.

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, público na tribuna de honra aqui presente, ouvintes da Rádio Senado, expectadores da TV Senado, eu quero inicialmente manifestar a minha alegria, a minha satisfação de poder receber novamente aqui, no Senado, a nossa companheira, a Senadora Marta Suplicy, que, mais cedo, pronunciou-se. Eu não tive a oportunidade de cumprimentá-la no momento em que ela estava nesta tribuna, mas quero fazer isso agora e parabenizá-la pelo trabalho que realizou à frente do Ministério da Cultura. E o seu retorno aqui, para o Senador Federal, como Senadora, irá contribuir também em muito com o nosso trabalho, com o Governo da Presidenta Dilma, engrandecendo o nosso País. Então, faço esse registro que considero importante neste momento.

            Também, senhores que nos acompanham, faço uso deste espaço para lembrar que, nesta próxima quinta-feira, vamos celebrar o 20 de Novembro, data de reflexão sobre a situação dos negros e negras na sociedade brasileira. O Dia Nacional da Consciência Negra nos remete ao dia 20 de novembro de 1695, dia em que Zumbi, Rei do Quilombo dos Palmares e líder da resistência negra ao escravismo, foi morto, tendo seu corpo exibido em praça pública, para semear o medo entre os escravos e impedir novas revoltas e fugas. Mas o efeito foi o oposto; despertou em muitos a consciência de que era preciso lutar contra a escravidão e as desigualdades, como Zumbi havia ousado fazer.

            Séculos se passaram. Zumbi dos Palmares foi reconhecido oficialmente como um herói nacional em 1997. E sua luta continua mais do que viva entre nós.

            Quero iniciar minha reflexão lembrando que foi, às custas do sofrimento dos negros e das negras nas senzalas, nos campos e nas cidades, que o Brasil foi erguido. Veio a Lei da Abolição em 1888. De lá para cá, o Brasil mudou; nosso País é hoje uma das maiores economias do mundo, mas a população negra, mais de 50% do nosso povo, segundo o IBGE, continua em situação de desigualdade, continua a ocupar funções menos qualificadas no mundo do trabalho, e são as maiores vítimas da violência nas periferias das grandes cidades, em especial os jovens negros.

            A questão da violência contra os negros precisa ser pauta constante, para desconstruir o racismo e o genocídio da juventude negra no Brasil. Dados preocupantes revelam que, a cada duas horas, sete jovens negros são assassinados no País. Os dados fazem parte do Mapa da Violência, pesquisa realizada pelo sociólogo Júlio Jacobo, baseada em dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde.

            De acordo com a pesquisa, são 82 jovens mortos por dia, 30 mil no ano de 2012, todos com idades de 15 a 29 anos. Entre os jovens assassinados, 77% são negros e 93,30% deles são do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.

            Impossível não se preocupar com as estatísticas. O Mapa da Violência revela que o número de homicídios da população branca diminuiu, enquanto o número de vítimas na população negra aumentou expressivamente. Entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui de 19.846, em 2002, para 14.928, em 2012, o que representa uma queda de 24,8%. Já o número de vítimas entre os negros aumentou de 29.656 para 41.127 no mesmo período, um crescimento de 38,7%.

            Senador.

            (…)

            A SRª ANA RITA (Bloco Apoio Governo/PT - ES) - O Mapa da Violência mostra ainda as taxas de homicídio por raça, cor e por diferencial juvenil. Na população total, as taxas brancas caem 23,8%, enquanto as negras aumentam 7,1%.

            A vitimização negra, nesse quesito, passa de 78%, em 2002, para 151%, em 2012, representando um aumento de 92,6%.

            Pesquisa divulgada no ano passado pelo Ipea confirma o extermínio da juventude negra. Infelizmente, meu Estado, o Espírito Santo, ao lado de Alagoas e da Paraíba, concentra o maior número de homicídios de negros e negras. O Espírito Santo, no ranking elaborado pelo Ipea, registra 65 homicídios de negros a cada 100 mil habitantes. No Estado, os assassinatos diminuem a expectativa de vida dos homens negros em quase três anos, o que mostra que os negros são duplamente discriminados, seja pela situação socioeconômica, seja pela cor de pele.

            Segundo o Ipea, tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros. Esse é um grave problema que merece a atenção de todos e de todas e sobre o qual devemos nos debruçar para mudá-lo. Temos o enorme desafio de garantir aos negros, em especial aos jovens negros, o direito à vida e justamente por isso que me somo a essa imensa mobilização que se faz em nosso País pela aprovação da lei contra os autos de resistência, que é a grande licença para matar os negros de nosso País, principalmente os jovens.

            A polícia utiliza os autos de resistência, quando, ao matarem uma pessoa, não raro negra e jovem, alegam que este ou estes resistiram à prisão e foi preciso utilizar da força, não sendo, então, necessária nenhuma investigação, ficando, digamos, por isso mesmo. Essa violência é insuportável, indesejável e não podemos mais compactuar com este instituto em nossa legislação.

            Projeto que trata disso, de autoria do companheiro, Deputado Paulo Teixeira, tramita na Câmara e determina a investigação de toda e qualquer morte e lesão corporal cometida por policiais durante ação policial. Na prática, a aprovação do projeto tende a diminuir drasticamente o número de mortes em confrontos com policiais ou, pelo menos, acabar com a impunidade.

            A proposta prevê a alteração de sete artigos do Código de Processo Penal, entre eles, o art. 162. Uma vez aprovada, a perícia será obrigatória, bem como o exame da vítima, com documentação fotográfica e liberação do laudo em até dez dias. Outra alteração prevista é a do art. 292, que determina o inquérito para esses casos, com envio imediato ao Ministério Público e à Defensoria Pública.

            Temos que criar uma cultura de paz. É inadmissível a violência contra o jovem negro, a mulher, como precisamos encarar e lutar contra a homofobia. Não podemos tergiversar diante dessas questões, que vêm ceifando vidas e criando diferenciações em nossa sociedade.

            Aproveito, senhores Senadores, a ocasião, para também destacar ações de enfrentamento ao extermínio da juventude negra, como o plano Juventude Viva, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Secretaria Nacional da Juventude. O plano é composto por uma série de ações de prevenção voltadas para a redução da vulnerabilidade dos jovens e as situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia; da oferta de equipamentos, serviços públicos e espaços de convivência em territórios que concentram altos índices de homicídio; e do aprimoramento da atuação do Estado por meio do enfrentamento ao racismo institucional e da sensibilização de agentes públicos para o problema. Reconhecemos que o plano, por si só, ainda não é suficiente para impedir que a violência recaia sobre a juventude negra, mas uma mudança na consciência e o investimento em educação também ajudam a desenhar uma nova realidade, já que o combate à discriminação começa na infância.

            No Espírito Santo, em junho deste ano, o Juventude Viva foi lançado na cidade do Município de Serra. É uma importante política pública, assim como foi de extrema importância e fundamental a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no governo do Presidente Lula, em 21 de março de 2003, Secretaria comandada pela companheira Ministra Luiza Bairros, a quem parabenizo pelo excelente trabalho. Lembro que a criação da Seppir é parte da reivindicação histórica do movimento negro brasileiro e marca um momento singular da História deste País, no qual o Estado brasileiro altera profundamente o trato com relação à questão racial e assume o compromisso de tratar com a devida atenção e responsabilidade esse tema.

            Por anos e anos a população negra resistiu bravamente e empunhou sozinha a luta para desmistificar a ideia de um país com plena democracia racial, onde as diferentes raças convivem harmoniosamente, ou mesmo da necessidade de enfrentar o racismo velado, ainda generalizado no seio da sociedade.

            É claro, Srs. Senadores, que ainda temos inúmeros desafios para superar o racismo e seus nefastos efeitos na vida de cada negro e negra deste País, mas sem dúvida temos avançado bastante.

            Nesse contexto, destacam-se a criação da Lei 10.639/2003, que muda a lei de diretrizes e bases da educação brasileira e determina a inclusão da história e da cultura africana nos currículos escolares, uma reivindicação de décadas da população negra, que, acertadamente, questionava como a escola de um país que tem na sua formação uma diversidade tão grande poderia ignorar uma parcela tão significativa da sua população.

            E aqui não falo somente em termos numéricos, mas da importância do povo negro para a formação sociológica brasileira, tanto do ponto de vista da sua centralidade no que diz respeito à cultura, quanto da contribuição efetiva que esses povos tiveram e ainda têm no desenvolvimento deste País em todos os seus setores.

            Destaco também o Decreto 4.887/2003 (que trata da titulação de terras quilombolas), a instituição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a implementação da Política Nacional para Comunidades Quilombolas e a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010.

            Quero fazer ainda menção à Lei de Cotas, Senador Paulo Davim, nosso colega, companheiro da Comissão de Direitos Humanos, Senador Eduardo Suplicy, também membro dessa Comissão, da qual tive a grata satisfação de ser a relatora na CCJ do Senado e o enorme prazer de presenciar, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, a sua sanção pela nossa Presidenta Dilma Rousseff, em 2012.

            Cito, também, a lei que garantiu a instituição das cotas no serviço público, da qual também tive a honra de ser relatora. Essa lei foi sancionada pela Presidenta Dilma e reserva 20% das vagas nos concursos públicos da União para candidatos negros e candidatas negras.

            Sem dúvida, essas são duas leis que quebraram paradigmas, desmistificaram inverdades e se consolidam cada dia mais como necessárias e possíveis e como uma grande estratégia para inserir os negros e as negras em outro patamar na sociedade brasileira. Trata-se de passo importantíssimo para que eles venham a ocupar cada vez mais os espaços de poder e decisão neste País.

            Parabéns ao povo negro, pois, se essas conquistas hoje são realidade, elas são parte da luta e resistência desse povo guerreiro e corajoso.

            Não poderia deixar de registrar também a passagem do dia 15 de Novembro, que foi o dia Nacional da Umbanda, religião genuinamente brasileira que bebe na fonte africana e indígena para sua composição. Quero parabenizar todos os umbandistas e candomblecistas, que, como os negros, sofrem com a discriminação e o preconceito gerados pela intolerância religiosa e pelo racismo, que não respeita uma religião com DNA africano como essa que acabei de citar.

            Viva a memória de Zumbi dos Palmares! Viva a população negra do nosso País.

            É esse Sr. Presidente, o meu pronunciamento nesta noite de hoje.

            Muito obrigada pela atenção de todos os Senadores e Senadoras aqui presentes.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2014 - Página 253