Discurso durante a 175ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da provável indicação do Sr. Joaquim Levy para o cargo de Ministro da Fazenda.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, EXECUTIVO.:
  • Considerações acerca da provável indicação do Sr. Joaquim Levy para o cargo de Ministro da Fazenda.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2014 - Página 645
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, EXECUTIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, INDICAÇÃO, JOAQUIM LEVY, DIRETOR, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CARGO PUBLICO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Líder do nosso Partido, Senadora Lídice da Mata, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado e jornalistas aqui presentes, como foi amplamente divulgado na mídia, Luiz Trabuco, Presidente do Bradesco, foi uma das pessoas sondadas para exercer o cargo de Ministro da Fazenda, mas declinou do convite.

            Segundo as últimas notícias, Joaquim Levy, ex-Secretário do Tesouro Nacional e atual Diretor-Superintendente do Bradesco Asset Management, deverá assumir a Pasta.

            Confesso que estou deveras surpreso com essas indicações, até porque, durante a campanha eleitoral, a Presidenta Dilma acusou seus concorrentes de pretenderem governar com os banqueiros. Aliás, se existe um setor que não conhece crise neste País é justamente o setor financeiro. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como atualmente.

            E aqui me lembro de uma conversa que tive com João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), quando ele me falou sobre um almoço que teve com o Diretor-Presidente, fundador do Banco Itaú. O Presidente do Banco Itaú comentou que o seu banco, depois da ascensão do Presidente Lula, teve um crescimento exponencial. E o presidente também confessou o seu arrependimento por não ter apoiado com mais intensidade a ascensão do Presidente Lula à Presidência da República em 2002.

            Mas, ao saber que dois dirigentes de um dos maiores bancos privados do País foram convidados para a Pasta da Fazenda, não pude me impedir de estabelecer um paralelo com o fundador do Bradesco: Amador Aguiar, que o Senador Suplicy conhece muito bem.

            Não é segredo para ninguém que esse indivíduo financiou a repressão durante a ditadura civil-militar que assolou o País entre os anos 1960 e 1980, mais precisamente entre 1964 e 1985.

            Amador foi um dos inúmeros empresários que financiaram a famigerada Operação Bandeirantes, a Oban.

            Durante mais de dez anos, essa organização paramilitar operou à margem da lei, prendeu, torturou e assassinou opositores da ditadura, graças ao dinheiro doado pelas grandes empresas.

            A Oban contou com recursos de importantes empresas brasileiras e multinacionais dos mais diversos setores de atividade: a Ultragaz, a Ford, a GM, a Camargo Corrêa, o Grupo Objetivo, o Grupo Folha, o Bradesco, Itaú, entre outros.

            O próprio General-Presidente Ernesto Geisel afirmou que - abre aspas - “houve muita colaboração entre o empresariado e os governos estaduais. A organização que funcionou em São Paulo, a Oban, foi obra dos empresários paulistas” - fecha aspas -, conforme consta no livro de Maria Celina d’Araújo e Celso Castro intitulado Ernesto Geisel.

            O Almirante de Esquadra Hernani Goulart Fortuna assegurou que - abre aspas - “a Operação Bandeirantes, a mais violenta da repressão, era apoiada pela Fiesp” - fecha aspas -, segundo o livro Militares, Confissões, Histórias Secretas no Brasil, de Hélio Contreiras.

            O jornalista Bernardo Kucinski, cuja irmã Ana Rosa e seu marido integram a lista dos mortos e desaparecidos, salienta - abre aspas -:

As Forças Armadas montaram grupos de captura e extermínio, reunindo matadores de aluguel, chefes de esquadrões da morte, banqueiros do jogo do bicho, contrabandistas e narcotraficantes (...).

Esses criminosos, muitos já condenados pela Justiça, dirigidos e controlados por oficiais das Forças Armadas, a partir de uma estratégia traçada em nível de Estado Maior, executavam operações de liquidação e desaparecimento dos presos políticos, o que talvez explique o barbarismo das ações. Também me chamou a atenção a participação ampla de empresários no financiamento dessa repressão, empresas importantes como a Gasbras, a White Martins, a Itapemirim, o Grupo Folha - que emprestou suas peruas de entrega para o sequestro de ativistas políticos -, e o Banco Sudameris, que era o banco da repressão; dinheiro dos empresários jorrava para custear as operações clandestinas e premiar os bandidos com bonificações generosas. [fecha aspas]

            A Comissão da Verdade Alan Brandão, sobre a perseguição aos trabalhadores e sindicalistas do Sindipetro de Alagoas e Sergipe, afirma que - abre aspas -:

(...) o ato que celebrou a criação da Oban [Senadora Lídice da Mata] foi organizado com coquetéis e salgadinhos e a presença das principais autoridades políticas de São Paulo: o governador Roberto de Abreu Sodré, o prefeito Paulo Maluf, o comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira, entre outros, e figuras proeminentes da elite paulista: Luiz Macedo Quentel, Antônio Delfim Netto, Gastão Vidigal, Paulo Sawaya e Henning Albert Boilesen. [fecha aspas]

            O setor empresarial não se limitou apenas a contribuir com dinheiro. Ajudou a construir uma rede operacional de casas alugadas nas cidades, fazendas, sítios, veículos, armas que serviam para prender, torturar, seviciar, estuprar e matar. Além disso, os agentes de Estado, os dedos-duros, os infiltrados, os traidores e até mesmo voluntários integrantes dessa organização ilegal e criminosa eram remunerados através de gratificações, salários complementares, abonos e comissões. Os valores sempre foram secretos e eram depositados em contas bancárias com nomes frios.

            Por exemplo, a Casa da Morte, em Petrópolis, teve seu aluguel pago regularmente. A Casa da Morte, que nós passamos a conhecer, teve uma única sobrevivente - Inês Etienne Romeu -, que reconheceu seus torturadores e seus algozes.

            O delegado Sérgio Fleury arregimentou dinheiro com seus patrocinadores para comprar o sítio 31 de Março em Parelheiros, São Paulo, local onde muitos militantes foram mortos.

            Evidentemente, nem Trabuco nem Levy são responsáveis pelas ações de Amador Aguiar e pelos demais empresários que financiaram a repressão, mas a indicação desses dois dirigentes do Bradesco se presta para colocar em evidência um dos aspectos mais sórdidos de regimes autoritários como o que vivemos no Brasil, durante 21 anos, e que, infelizmente, ainda não foi devidamente elucidado.

            Apesar das dificuldades que a democracia brasileira enfrenta desde o início - sejam políticas, sociais ou econômicas -, o Brasil muito ganhou com ela. A democracia só fez bem ao nosso País.

            Sem dúvida, houve melhora substancial para o conjunto da população, como: a redução da pobreza, graças à elevação do nível de renda e de consumo; melhora do sistema de saúde, que faz quase um bilhão de atendimentos anuais, ou seja, cada brasileiro vai, pelo menos quatro vezes ao ano, procurar o SUS - é bem verdade que falta eficiência, mas é fácil imaginar o que seria do Brasil se esse sistema não existisse; redução do analfabetismo; uma previdência social pública que paga, mensalmente, mais de 30 milhões de benefícios; uma força policial composta da Policia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e de mais 54 forças policiais estaduais de polícias civis e militares, sem falar das guardas municipais; Forças Armadas que garantem a segurança da Nação, impedindo que ocorram, em nossa região, conflitos semelhantes aos que, hoje, assistimos na África, Ásia e até na Europa.

            Por essas razões, é importante que nossa democracia conheça a verdade sobre as ações de empresários, tais como a de Amador Aguiar, durante o regime arbitrário. Somente em ditaduras é possível conceber e organizar uma organização criminosa como a Oban, com recursos de empresários de todos os setores.

            Para que isso nunca mais aconteça é preciso sempre lembrar esses acontecimentos escuros de nossa história, principalmente, para alertar as novas gerações.

            Portanto, Sr. Presidente se a democracia fez enorme bem ao nosso País, melhorou a vida dos brasileiros da porta para dentro, dos nossos muros para dentro, agora, precisamos melhorar os espaços públicos que se deterioraram.

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP) - A melhoria da vida privada de brasileiros e brasileiras não teve uma correspondência na vida pública - ainda perdemos uma parte importante do nosso tempo nos engarrafamentos, nos transportes coletivos e, também, temos medo de ocupar, com liberdade, as ruas, avenidas e praças de nosso País, com medo da violência urbana.

            Portanto, do espaço público se ocupa a política, e nós nos ocupamos da política e temos que dar respostas - dar respostas para situações como a que, agora, estamos vivendo, a exemplo do escândalo da Petrobras, que, pela primeira vez na história, atingiu um setor intocável: os grandes corruptores deste País, que incentivavam e promoviam a corrupção.

            Portanto, chegou aos corruptores e chegará aos corruptos, àqueles que têm responsabilidade política. Virá para dentro desta Casa, e a sociedade brasileira exigirá de nós respostas - e respostas rápidas -, assim como exigirá dos agentes políticos eleitos e recém-eleitos no último pleito de outubro. Exigirá, também, agilidade do Judiciário, aos modos do que estamos assistindo, presenciando e testemunhando da Justiça do Paraná, através do Juiz André Mouro, que está dando a condução que a sociedade brasileira sempre esperou do Judiciário.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2014 - Página 645