Discurso durante a 175ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da resolução publicada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda – que dispõe sobre a abusividade da publicidade e da comunicação mercadológica direcionadas a crianças e adolescentes.

Autor
Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL, POLITICA SOCIAL, TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Defesa da resolução publicada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda – que dispõe sobre a abusividade da publicidade e da comunicação mercadológica direcionadas a crianças e adolescentes.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2014 - Página 690
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL, POLITICA SOCIAL, TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, RESOLUÇÃO, CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (CONANDA), ASSUNTO, RESTRIÇÃO, PUBLICIDADE, ATIVIDADE COMERCIAL, DESTINAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, caros Senadores e Senadoras, diante de uma sociedade que é sujeita a tantas informações, venho expor o meu posicionamento referente à questão da restrição à publicidade infantil.

            Com o fim de disciplinar a matéria, em 4 de abril deste ano, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão que é vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, publicou a Resolução nº 163, que considera abusiva toda publicidade e comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes.

            Essas propagandas são abusivas, pois as crianças estão em formação, e, através de propagandas extremamente sofisticadas, engraçadas, pesquisadas e, portanto, muito eficientes, faz-se com que as crianças se tornem presas fáceis e suscetíveis a se tornarem compradores do que antes elas nem desejavam.

            Essas propagandas, ao contrário de criar uma consciência crítica, fazem com que as crianças virem soldadinhos do consumo. E, se seus pais não podem comprar o item da propaganda, às vezes essas crianças passam a ser discriminadas até na própria escola, além de fazer da vida dos seus pais um inferno, ao quererem comprar tudo o que vêem na televisão, muitas vezes não tendo nada a ver com sua faixa etária e sendo até prejudiciais à saúde.

            Por esse motivo, é necessário o bom senso e a proteção às crianças de forma a estimular a se tornarem adultos conscientes das suas reais necessidades, consumidores capazes de saber o quê, como e por que comprar.

            Essa resolução é um marco para a proteção dos direitos da criança no Brasil. A publicidade brasileira existe, é boa, mas não tem uma legislação específica e admite todas as liberdades que não protegem as crianças da vasta onda de consumismo.

            Há um projeto de lei que proíbe de forma ampla a publicidade infantil, mas ele está parado na Câmara há 13 anos. Daí a iniciativa do Conanda, que contou com a participação do Instituto Alana, que é uma ONG que integra o Conanda e apresenta sérias preocupações em relação à criança e ao consumo.

            A publicidade utiliza a inocência e a vulnerabilidade da criança para persuadi-la ao consumo de produtos e serviços absolutamente desnecessários, desrespeitando a sua condição de indivíduo em formação, em desenvolvimento.

            Tal questão justifica, sim, a necessidade de coibir e regular tais práticas que atentam contra o direito à inviolabilidade física e psíquica das nossas crianças.

            Assim, o que é essa resolução? Ela veio definir expressamente o que é característica abusiva numa propaganda para criança.

            Primeiro, usam a linguagem infantil. Então, há efeitos especiais, que fazem a criança ficar grudada na televisão, fascinada; trilha sonora que a criança aprecia e até conhece ou que é cantada por outras crianças, o que também chama a atenção; participação de celebridades ou de pessoas que têm um apelo grande para o público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado; distribuição de prêmio para fazer coleção; tudo que quem é pai sabe muito bem. São exatamente os elementos mágicos, que podem levar as crianças a desejarem o que não desejam, a desejarem aquilo de que não tinham a menor ideia. E o segundo passo é o consumo sem critério.

            Ademais, muitas vezes se diz que isso está tirando a autoridade dos pais, porque os pais podem impor limite. Não é bem assim. Não se trata de transferência do pátrio poder para o Estado. O que se pretende não é proibir toda e qualquer publicidade, mas fazer essa publicidade infantil redirecionada para os pais, para o adulto, que aí vai escolher de outra forma e ter o poder de decisão. Ele continuará com esse arbítrio, sem colocar na criança esse desejo que ela não tem ainda.

            Há um tempo, houve utilização - era uma propaganda de bebida alcoólica - de jacaré, tartaruga, bichinhos, era super engraçadinho. Mas isso não era para criança, mas aparecia. Agora já há pesquisas que mostram... E outras empresas de automóvel já estão utilizando isso, porque se coloca a criança já com boa vontade, com boa predisposição positiva para aquela bebida alcoólica ou para aquela marca de automóvel.

            Quer dizer, tudo isso, gente, não é gratuito que surja ou que se ache bacana pôr tartaruguinha. Não! Tudo é pesquisado, e a criança já vê aquela marca no supermercado tal, tal e tal e diz “compra esta”. Ela não vai beber aquilo, porque é bebida alcoólica, mas já induz o pai a comprar.

            Também hoje, temos algumas propagandas em outros países com a característica que o Conanda está propondo. Por exemplo, de um brinquedo de uma marca muito famosa de brinquedo educativo, a propaganda é feita para os pais, para os pais entenderem como funciona o brinquedo no desenvolvimento da sua criança.

            Isso, sim, a gente tem que ter, coisas que acrescentem à formação infantil.

            As pesquisas nas áreas de psicologia e pedagogia mostram que a criança que vê o seu personagem favorito... Isso é muito importante. Ela vê o personagem na propaganda, mas não faz a diferença entre o desenho animado e a mensagem publicitária voltada à venda do produto. É como se fosse aquele bichinho de estimação, aquela celebridade que ela adora falando para ela fazer aquilo. Ela não tem vinculação, ainda, com o produto que se está tentando vender para ela, então, ela passa a desejar o produto que o seu personagem favorito diz que é maravilhoso.

            Nós temos, nessa cruzada, o Conselho Federal de Psicologia, que realizou audiência pública e defendeu o fim da propaganda dirigida ao público infantil. Segundo o Conselho, os informes publicitários tratam os jovens e as crianças como adultos pequenos, só que eles são muito mais vulneráveis do que isso.

            Cita também a frustração da criança de pais que não têm condição de comprar o produto. Em alguns casos, esses pais ficam tão tristes por não poder comprar, ou, aliás, querem fazer a criança ficar quieta, que compram o produto e deixam de comprar alguma coisa que possa beneficiar a criança, como livro e alimento de boa qualidade, porque não daria para comprar as duas coisas.

            As pesquisas também ressaltam que tais situações podem levar a criança a desenvolver forma violenta de adquirir o produto desejado. Isso também acaba sendo um indutor para, primeiro, uma delinquência infantil e, depois, futura.

            O mesmo entendimento foi apresentado pelo Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo, que se posicionou favoravelmente ao PL 5.921, da Câmara - esse que está há 13 anos parado -, que veda de forma mais genérica a propaganda direcionada ao público infantil.

            Tem mais: os dados fornecidos pelo IBGE mostram que a criança brasileira é a que mais assiste à televisão no mundo. Em média, por 4 horas e 51 minutos, por dia, a nossa criança fica grudada na televisão.

            O que preocupa também é que a forma de diversão está sofrendo alterações.

            Hoje, as crianças trocam as brincadeiras na rua pela televisão ou para fazer compras no shopping ou que tais. Isso faz parte da transição. E as escolas também têm alternativas. Todo mundo se preocupa com essa questão. Agora, a questão de quatro horas na frente da televisão... Vocês imaginam quanta propaganda essa criança engole, de coisa que não tem nada a ver com ela. E ela sai dali tentando obter!

            Apesar de não serem detentoras do poder monetário, a pesquisa do Instituto Alana mostrou que as crianças têm influência sobre as compras gerais da casa, em 80%, como na alimentação ou na compra de um veículo também. Esses dados simplesmente reforçam aquelas propagandas a que eu estava me referindo quando falava de bebida alcoólica, porque a criança fica com vontade de comprar e ela se torna um bom negócio para se investir, porque ela vai levar os pais a fazerem as compras.

            Também temos o efeito prático da limitação do Conanda, que se resume em tornar ilegal o direcionamento da publicidade à criança, por força do Código de Defesa do Consumidor, que, no art. 37, proíbe a publicidade abusiva, que se aproveite da deficiência de julgamento e da experiência da criança, atentando contra valores sociais.

            Merecem destaque também os princípios que embasam o controle da publicidade infantil, como o da dignidade da pessoa humana...

(Soa a campainha.)

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... do interesse social, dando atenção especial às características psicológicas da criança e a sua condição de pessoa em desenvolvimento, e não induzir sentimento de inferioridade nos casos em que não haja condições de adquirir o produto ou serviço. Afinal, uma criança de classe média alta é exposta ao mesmo apelo consumista que uma com menores condições socioeconômicas. Eu diria que inferna a família igualmente, só que é diferente.

            Em oposição às novas regras, houve uma reação de empresas e associações contrárias à resolução, na tentativa de deslegitimar a sua abrangência. Consideram-na uma forma de censura, uma ameaça aos seus interesses. No entanto, trata-se de interesse social que deve, sim, se sobrepor a interesse comercial.

            O mercado detém perfeitas condições de adequar-se às novas regras. A proibição da publicidade ao público infantil não vai causar a quebra de emissoras, de agências de publicidade ou de empresas de produtos infantis. Restrições como essa já são aplicadas em países como Canadá, Inglaterra, Noruega e Itália e visam à melhoria dos padrões de vida das crianças e dos adolescentes do País.

            O Conanda é um órgão normativo e deliberativo, a sua lei de criação é de 1991 e lhe conferiu competência para dispor de normas gerais da Política Nacional de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Estado deve exigir o cumprimento integral e obrigatório da Resolução nº 163.

             Quero fazer aqui um apelo aos órgãos responsáveis pelo sistema de garantias dos direitos da criança e do adolescente, bem como do sistema nacional de defesa do consumidor...

            (Soa a campainha.)

            A SRª MARTA SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...para fiscalizarem as frequentes violações à resolução por parte daqueles que não reconhecem o seu poder normativo e buscam, junto ao Ministério Público e a defensorias públicas, a aplicação das sanções cabíveis. Tramita na Câmara projeto de lei sustando os termos trazidos por essa resolução do Conanda.

            Assim, ressalto o papel de fundamental importância dos meus pares, membros do Poder Legislativo, no acompanhamento dos projetos de lei do Congresso Nacional para que se evitem retrocessos. É fundamental para o controle maior da publicidade voltada ao público infantil. Para combater violência, delinquência de adolescente, famílias problemáticas, nós temos que cuidar, temos que prevenir, como foi o tema da excelente audiência pública hoje, na manhã, chamada pelo Senador Cyro Miranda, que debateu os aportes da neurociência na compreensão do desenvolvimento infantil. É isso mesmo. Nós devemos começar é com a infância.

            Muito obrigada pela compreensão, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2014 - Página 690