Discurso durante a 171ª Sessão Especial, no Senado Federal

Destinada à entrega da Comenda Senador Abadias Nascimento, personalidade que se destacaram na proteção e promoção da cultura afro-brasileira, aos Srs. agraciados Gilberto Gil, Martinho da Vila, Milton Gonçalves, Sílvio Humberto dos Passos Cunha, Benedito Gonçalves, Edna Almeida Lourenço e Francisco José do Nascimento (“Dragão do Mar”)(in memorian), nos termos da Resolução nº 47/2013.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Destinada à entrega da Comenda Senador Abadias Nascimento, personalidade que se destacaram na proteção e promoção da cultura afro-brasileira, aos Srs. agraciados Gilberto Gil, Martinho da Vila, Milton Gonçalves, Sílvio Humberto dos Passos Cunha, Benedito Gonçalves, Edna Almeida Lourenço e Francisco José do Nascimento (“Dragão do Mar”)(in memorian), nos termos da Resolução nº 47/2013.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2014 - Página 15
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ABDIAS NASCIMENTO, EX SENADOR, IMPORTANCIA, LUTA, IGUALDADE RACIAL, BRASIL.
  • HOMENAGEM, CONCESSÃO HONORIFICA, COMENDA, ABDIAS NASCIMENTO, DESTINATARIO, MINISTRO, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), PARTICIPANTE, MOVIMENTAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, GILBERTO GIL, MARTINHO DA VILA, MUSICO, MILTON GONÇALVES, ATOR, PROFESSOR, UNIVERSIDADE ESTADUAL, MUNICIPIO, FEIRA DE SANTANA (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), LIDERANÇA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, ESTADO DO CEARA (CE), MOTIVO, PROMOÇÃO, IGUALDADE RACIAL.
  • ELOGIO, AMPLIAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, ENFASE, COTA, ENSINO SUPERIOR, INCLUSÃO, CURRICULO, EDUCAÇÃO BASICA, HISTORIA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, RECONHECIMENTO, AREA REMANESCENTE, QUILOMBOS, CRITICA, EXPANSÃO, MIDIA SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DISCRIMINAÇÃO, RELIGIÃO, MATRIZ, AFRICA, APOIO, CAMPANHA, COMBATE, HOMICIDIO, JUVENTUDE, NEGRO, BRASIL, MOTIVO, DESIGUALDADE SOCIAL, ANUNCIO, LUTA, ORADOR, PAULO PAIM, SENADOR, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, GENOCIDIO.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Apoio Governo/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Cumprimento o Exmo Sr. Presidente Renan Calheiros; o Exmo Senador Paulo Paim, Presidente do Conselho da Comenda Senador Abdias; o Sr. Senador da República José Pimentel, que é da terra justamente de um dos nossos agraciados; o Embaixador da República da África do Sul; a Ministra de Estado interina da Cultura, Ana Cristina Wanzeler; a Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Polícia de Promoção de Igualdade, minha querida amiga Luiza Bairros; o Senador Agripino Maia; a Diretora Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, viúva e representante do maior homenageado no dia de hoje, o Senador Abdias Nascimento, Srª Elisa Larkin.

            Eu quero também saudar aqui alguns companheiros que se encontram neste plenário e que fazem parte dessa história de luta da organização e da participação dos negros no Estado brasileiro: Carlos Moura, ex-Presidente da Fundação Palmares; Zulu Araújo, ex-Presidente da Fundação Palmares; Elói Ferreira de Araújo, também ex-Presidente da Fundação Palmares; Hilton Cobra, atual Presidente da Fundação Palmares. Todos esses Presidentes representam essa luta e a conquista do espaço da negritude no governo do Brasil a partir do Presidente Lula, além da nossa Ministra.

            Quero saudar de forma especial o Secretário Adjunto de Cultura do Ceará, que aqui esteve representando o Governo do Estado, que é uma importante representação do Governo do Estado aqui presente e que não poderia deixar de ser o representante da Sepromi (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial) da Bahia, que é o meu Estado: o Sr. Ataíde Lima de Oliveira.

            Quero saudar todos os nossos homenageados, Sr. Presidente, e dizer que a ideia de fazer esta comenda se deu justamente ao fato de que há outras comendas que geralmente buscam destacar segmentos da população discriminados. Nós temos uma comenda para as mulheres; nós temos uma comenda, também de minha autoria, para pessoas com deficiência; e, finalmente, temos uma comenda para expressar essa grande maioria de discriminados no Brasil, a Comenda Abdias Nascimento, uma homenagem a este que foi a grande referência da luta antirracista em nosso País.

            Completa-se o seu centenário. O Senado Federal tem a honra de iniciar as comemorações pelos cem anos de Abdias, fazendo aqui esta premiação de personalidades da cultura, da economia e da vida do povo brasileiro que se destacam e que são negros. Certamente, em cada uma delas, vive a luta de Abdias Nascimento.

            Apesar de nosso País possuir mais da metade de sua população de origem africana, de ter sua alma e seu corpo impregnados da cultura e das manifestações artísticas e religiosas de origem negra, de ter uma gigantesca contribuição civilizatória, tanto material quanto imaterial, dos descendentes de africanos, ainda assim, persistem em nosso País as consequências trágicas do mais longo período de escravidão já vivido na história moderna da humanidade. É sempre bom lembrar que o Brasil foi o último País do mundo a extinguir a escravidão e que ela vigorou em nosso País por 286 anos, afligindo e humilhando milhões de afro-brasileiros e levando-lhes dor e sofrimento.

            O primeiro homenageado do dia é aquele que empresta seu nome à nossa Comenda: Abdias do Nascimento. Nascido em Franca, no interior de São Paulo, Abdias é o ícone maior, é o exemplo, é a referência da tenacidade, da persistência e da coragem na luta pela igualdade racial no Brasil.

            Foi ator, escritor, artista plástico e militante exemplar do Movimento Negro Brasileiro. Foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa por inúmeras universidades, entre elas a Universidade Federal da Bahia, minha terra, a Universidade de Brasília e a Universidade do Estado de Nova York, onde foi professor benemérito.

            Foi Abdias que, inspirado no Movimento Negro, criou o 20 de novembro? Não. Mas foi Abdias que deu ao dia 20 de novembro esse conteúdo tão forte que ele tem.

            Paim falou do dia 20 de novembro.

            Paim, hoje, fiquei atenta, ouvindo o noticiário. E tanto o noticiário escrito quanto o televisivo falaram do feriado existente em nosso País. Nenhum deles falou a razão pela qual é feriado em diversos Estados brasileiros. Infelizmente, na Bahia, não é feriado. Na Bahia, embora não seja feriado, o povo negro estará nas ruas, manifestando-se, comemorando, afirmando sua luta pela igualdade, como sempre fazemos.

            Alguns mereceram a escolha para serem homenageados. É feita uma votação. Eu queria esclarecer aos senhores que é feita a indicação de entidades de todo o Brasil. Todos aqueles que participam do Conselho escolhem cinco nomes. Foi assim que nós escolhemos os nomes de vocês.

            São homenageados o Ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça; Sílvio Humberto Passos Cunha; Gilberto Passos Gil Moreira, mais conhecido como Gilberto Gil, também baiano; Martinho da Vila; Edna Almeida Lourenço; Milton Gonçalves; Francisco José do Nascimento.

            Todos eles - temos orgulho de dizer - são negros, são a expressão do afeto e do reconhecimento do povo brasileiro.

            Temos a convicção de que esta comenda estará em boas mãos a partir de cada um desses homenageados. Suas vidas são o testemunho de que o combate ao racismo e a luta pela promoção da igualdade racial no Brasil não podem nem devem arrefecer, pois a abolição da escravatura no Brasil ainda está inconclusa, visto que a desigualdade racial, bem como as manifestações racistas e discriminatórias, continua fazendo parte do nosso cotidiano, cada vez de maneira mais ostensiva, em que pesem os avanços significativos obtidos nos últimos anos por meio de inúmeras políticas públicas, tais como a introdução das cotas no Ensino Superior, aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal; a inclusão no ensino fundamental do estudo da história da cultura afro-brasileira, por meio da Lei nº 10.639, de 2004; e o reconhecimento das terras remanescentes de quilombos, via o Decreto nº 4.887, entre tantas outras.

            Talvez até por conta desses avanços conquistados pela sociedade brasileira, com a participação ativa do movimento negro e de seus representantes, setores conservadores e racistas de nossa sociedade estejam tão ativos, ultimamente, provocando tantos retrocessos no campo dos direitos humanos, a exemplo do que temos visto no tocante à intolerância religiosa às religiões de matriz africana, às manifestações racistas nos campos de futebol e à violência contra a juventude negra.

            Nesse sentido, as redes sociais têm sido um campo fértil para a disseminação de preconceitos e de discriminações, onde o anonimato, de um lado, e a liberdade de expressão, de outro, têm sido utilizados para garantir a impunidade de alguns.

            Por isso mesmo, precisamos continuar firmes e fortes, não só para consolidar o que já conquistamos, o que não é pouco, como também para fazer avançar as políticas de promoção da igualdade racial de que o País e a sociedade brasileira precisam.

            Os dados e informações, fruto de pesquisas e de estudos sérios e criteriosos realizados por instituições insuspeitas, como o Ipea, o IBGE, a Unesco e as universidades, indicam que o quadro de desigualdade racial no País continua grave no campo econômico. Os negros continuam a receber salários entre 50% e 60% mais baixos que os brancos, embora realizando as mesmas atividades. Os sinais emitidos são tão graves e alarmantes, que a Anistia Internacional lançou, no início do mês, no último dia 9 de novembro, no Rio de Janeiro, uma campanha mundial contra o assassinato de jovens negros no Brasil.

            Segundo dados do Mapa da Violência, que é coordenado pelo Prof. Júlio Jacobo, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), na faixa etária de 15 a 29 anos, pretos e pardos representam 77% das vítimas de assassinatos no Brasil. Mais ainda, nos últimos dez anos, de 2002 a 2012, os homicídios de jovens negros cresceram 32,4%, enquanto os de jovens brancos reduziram 32,3%. Esse é um dado muito, muito grave. Se considerarmos a relação com a população em geral, enquanto entre os jovens brancos a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu 28,6%, entre os jovens negros ela subiu 6,5%.

            Toda essa violência é uma tragédia tanto para os jovens brancos como para os negros, é uma tragédia de enorme dimensão, particularmente para a parcela negra da juventude brasileira.

            O Senado da República não pode deixar esse escândalo passar, essa crueldade se verificar de maneira impune, omissa. Temos de apurar, de identificar as causas desse verdadeiro genocídio, de ouvir a sociedade, por meio de seus representantes, para encontrarmos as soluções adequadas e para exigirmos que os poderes públicos, em todas as suas dimensões, adotem as medidas necessárias, para que, assim, possamos dar um basta nessa tragédia da violência contra a juventude negra do Brasil.

            Jovens negros policiais matam jovens negros da periferia, e jovens negros da periferia, em situação de marginalidade, matam jovens negros policiais em todas as grandes cidades brasileiras.

            Sr. Presidente, ouvindo essas vozes, eu e o Senador Paim tentamos, neste ano, criar uma CPI para investigar as mortes violentas de jovens negros no Brasil. Em função das dificuldades de implantação dessa CPI neste ano eleitoral, nós vamos reiniciar essa luta no início de 2015, para que possamos prosseguir com a investigação e a batalha para afirmar o combate à violência contra a juventude brasileira, em especial contra a juventude negra.

            Nesses últimos dias, Paim, neste mês, desapareceram quatro jovens, negros, em Salvador. A mãe de um deles, Davi Fiúza, de um bairro que, por coincidência, foi fundado por mim, na minha administração, Vila Verde, transformou sua voz, Luiza, em um movimento de resistência, sua dor num movimento de resistência.

            Na última segunda-feira, nós fizemos um “twitaço” com a sociedade baiana, a juventude baiana: #devolvamDavi. Esse é um movimento que toma corpo na juventude. É a juventude que começa a reagir, a não aceitar que a morte dos jovens negros na periferia possa continuar, como se fosse uma coisa natural.

            Nós fizemos aqui, à época, uma pesquisa, realizada pelo DataSenado, e a resposta foi que as pessoas pesquisadas acham que a morte de um jovem negro é vista com mais naturalidade do que a de um jovem branco, a morte violenta.

            A população está começando a se acostumar com a ideia de que, de um lado, nós promovemos a igualdade racial com políticas públicas e, de outro, pagamos um preço enorme com a vida dos nossos jovens na periferia. É preciso dar um basta!

            É justamente para homenagear o centenário de Abdias que nós temos de dar esse basta, instalando essa CPI no próximo ano. Que o espírito, a coragem de Zumbi dos Palmares, assim como o exemplo vivo de todos aqueles que aqui foram homenageados, nos inspirem nesse momento, na certeza de que suas trajetórias são e continuarão sendo exemplos para a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna, em que brancos e negros afirmem: todos somos brasileiros!

            Eu quero terminar, Presidente, imitando um pouco o Senador Paim, que aqui declamou alguns versos, preocupado que sua voz não nos agradasse. Eu, como tenho certeza de que a minha não agradará, quero terminar com a esperança de que nossos blocos afros: o Ilê, o Olodum, o Cortejo Afro, o Muzenza e tantos outros possam servir de exemplo a essa luta de resistência cultural que o povo da Bahia e o povo do Brasil desenvolvem.

            Vou reproduzir este verso do Ilê. Digo-o, ouvindo na minha cabeça a voz de veludo de Lazzo Matumbi, cantando nas noites baianas.

            Infelizmente, não poderei cantar para vocês - graças a Deus para vocês:

Um sorriso negro, um abraço negro

Traz felicidade

Negro sem emprego

Fica sem sossego

Negro é a raiz da liberdade.

            Um sorriso negro! (Palmas.)

            Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2014 - Página 15