Discurso durante a 178ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à forma de condução da política indigenista pela Funai.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Críticas à forma de condução da política indigenista pela Funai.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2014 - Página 133
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MOTIVO, FALTA, ASSISTENCIA, GRUPO INDIGENA, TENTATIVA, POSSE, TERRA PARTICULAR, AGRICULTOR, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, INSTITUIÇÃO FEDERAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE BOA VISTA, RORAIMA (RR).

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco União e Força/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Anibal Diniz, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, pessoas que nos abrilhantam aqui das galerias, eu até poderia dizer que já dava para ter enjoado de falar desse tema aqui da tribuna. Mas não dá, porque, primeiramente, vejamos o seguinte: nós temos uma política indigenista puramente territorialista. Não é uma política indigenista que tenha como objetivo o ser humano. Portanto, não é uma política humanística.

            Interessante que o meu Estado é um Estado que já tem 32 reservas indígenas demarcadas, correspondendo a mais de 50% do seu território e, da população indígena existente no meu Estado, mais de 50% moram na capital ou nas sedes dos Municípios. Portanto, nas aldeias mesmo, vive a minoria.

            Agora, somos surpreendidos... Nem bem passou o episódio da famosa reserva indígena Raposa Serra do Sol, que se localiza na fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela e, depois de termos participado - eu fui presidente da Comissão Temporária Externa do Senado, que esteve naquela região, ouviu os índios, ouviu os não-índios e encontrou uma saída harmônica para demarcar sem excluir. No entanto, lamentavelmente, não foi acatada pelo Poder Executivo, terminou sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que, pelo menos, mesmo dando ganho de causa à Funai, essa que é a verdade, colocou 19 condicionantes para a demarcação de terras indígenas e, principalmente, expansão de terras indígenas.

            Pois bem. Quando nós ainda nem nos recuperamos do que existe dessa forma lá na região leste, na Raposa Serra do Sol, onde existia a maior área de plantação de arroz irrigado do Estado, que respondia por mais de 25% do PIB do Estado, e além de tirar de lá também pessoas de famílias tradicionais, cujos bisavós tinham ido para lá, e a terceira geração teve que sair porque foram considerados pela Funai como intrusos e foram “desintrusados”.

            O compromisso, inclusive com a interferência do Tribunal Federal de Recursos, na época foi o Desembargador Jirair que esteve lá, garantiu-se que se iria indenizar todas as famílias. Quatrocentas famílias saíram de lá. Interessante: em algumas famílias, o marido era índio, a mulher não índia, ou o inverso; mas todo mundo teve que sair. Então, não ficou ninguém que não fossem somente os indígenas propriamente ditos.

            Hoje, portanto, depois desse estelionato... Porque a impressão que dá é que a reserva indígena é uma terra do índio; não é, é uma terra para usufruto dos índios. E o que acontece? Depois de demarcada, a Funai simplesmente vira as costas para essas reservas indígenas e entrega para ONGs internacionais tomarem conta do pedaço. E isso está acontecendo justamente num Estado fronteiriço com a Venezuela e com a Guiana, a maioria das reservas indígenas demarcadas na fronteira.

            Agora surge a história de que a Funai descobriu uma tribo isolada no sul do Estado, no Município de Rorainópolis, que é o Município maior produtor agrícola e pecuário do Estado, e a Funai localizou esses índios, que ela diz que são isolados. E diz assim, o jornal Folha de Boa Vista publicou a seguinte matéria:

Funai anuncia surgimento de nova tribo e ameaça retirar produtores.

Produtores rurais afirmam que estão sendo aterrorizados por servidores da Funai para que deixem a área sem qualquer processo legal.

Funai afirmou que nova tribo de nome Pirititi [...]

            É até bom saber quem colocou esse nome, se foram os índios mesmo ou se foi algum conjunto de ONGs. E quando estou falando aqui de ONGs, Sr. Presidente, não vou muito longe, não. Lá no meu Estado, na fronteira de Roraima com o Amazonas, existe uma reserva indígena, Waimiri-Atroari, em que uma rodovia federal cruza essa reserva, e os índios, através de uma ONG, fecham a estrada a partir das 18 horas. Não existe nenhum caso no Brasil em que isso aconteça. Isso é inconstitucional! É uma rodovia federal, portanto, da União, que passa dentro de uma terra da União, que é a reserva indígena, em que se fica sem poder transitar nesse período de 18 horas até as 6 horas da manhã do outro dia.

            Então, vejam bem, essa tribo, por meio dessa ONG que existe lá, não permite que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), recupere o trecho da rodovia federal que está dentro da reserva. Eu pedi informações ao DNIT, recebi, fiquei estarrecido e encaminhei à Procuradoria-Geral da República. Porque, vejam bem, é um órgão federal proibindo outro órgão federal de fazer a manutenção de uma rodovia federal e, ainda por cima, o mais grave, a Funai não quis fazer o convênio direto com o DNIT, mas mandou que se fizesse com a ONG. Isso é um caso muito preocupante!

            Voltando a essa nova reserva indígena no meu Estado:

Morador da Vila do Equador, localizada no Município de Rorainópolis, sul do Estado, o agricultor José Fernandes denunciou que ele e outros moradores da região, entre as vicinais II da região e vicinal II do Matin, estão sendo coagidos e ameaçados por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) para que deixem o local. O órgão indigenista informou que uma nova tribo isolada foi identificada na região, a etnia [chamada de] Pirititi, e que todos os ocupantes de lotes serão retirados.

“Eles estão entrando de comboio vindo de Manaus (AM), carros cheios de funcionários e dizendo que vão tomar a área, que nós não devemos mais plantar e nem construir mais nada, porque as terras são deles”, disse. Conforme o agricultor, são mais de 80 famílias que vivem na região e que estão sendo aterrorizadas pelos funcionários que querem desocupar a área. “Eles fotografam tudo, nossas terras, e dizem que temos que sair do local, pois surgiu uma nova tribo indígena, a Pirititi. Isso não existe”, relatou.

Conforme José Fernandes, a Funai pretende retirá-los do local para ampliar a área indígena próxima à localidade. “O que eles querem é ampliar a área dos Waimiri-Atroari [- que foi essa a que me referi, que está impedindo que se faça a recuperação da rodovia e também o trânsito pela rodovia 24 horas por dia -], que vivem lá perto. [Portanto, teriam suas terras ampliadas.] Querem desapropriar essas pessoas, todas documentadas, e dar mais de 40 mil hectares de terras novas para os índios”, destacou.

O agricultor disse que os moradores da região pretendem realizar, na próxima segunda-feira, 24 [passada], uma manifestação no local para proibir a entrada dos funcionários que informaram que levariam a documentação para fazer a retirada deles. “Nós não vamos permitir. Ninguém vai nos tirar de lá. Pode ocorrer até um conflito lá, nós não temos medo”, [falou o agricultor].

            Então, Sr. Presidente, é lamentável. Parece, para algumas pessoas que não conhecem a realidade da Amazônia, não conhecem a realidade de uma comunidade indígena e que não estão envolvidas com essas ONGs, que têm outros objetivos aqui no Brasil, essas pessoas, às vezes de boa-fé, acham que reclamar contra a excessiva demarcação de terras indígenas é estar contra os índios.

            Nunca estive contra os índios. Eu fui um médico que exerci minha profissão em Roraima e atendi mais indígenas do que não indígenas, indo, inclusive, às comunidades indígenas, para atendê-los lá nas comunidades indígenas.

            O que vejo, hoje, nessas comunidades indígenas, em todas, tanto nas mais antigas quanto nas atuais? Um total abandono pela Funai. Aliás, os índios já chamam de “funerária nacional do índio”, porque ela, realmente, não dá nenhum tipo de assistência às pessoas, seja aos homens, às mulheres ou às crianças. Os índios ficam, então, ao deus-dará e terminam por sair das comunidades, como eu disse, para morar na capital ou na sede dos Municípios, onde eles conseguem algum trabalho para melhorar de vida.

            A Funai deu a sua versão:

A representação da Funai em Boa Vista explicou que a tribo indígena Pirititi foi detectada no final de 2013 [portanto, no ano passado] na região de Rorainópolis. Conforme o órgão, esses índios são considerados isolados e foram detectados no final do ano passado. A partir desse momento, iniciou-se um processo de intervenção administrativa da área. “Como são índios isolados, todos os atos produzidos em terras indígenas são considerados nulos quando se identifica uma comunidade isolada. Mesmo que eles (produtores rurais) tenham documentos. Depois haverá uma indenização das benfeitorias”, explicou o órgão. Quanto à coação feita pelos funcionários, a Funai não se pronunciou.

            Aí, vem a questão da indenização pelas benfeitorias. Eu já disse aqui, e estou repetindo, que foi o que aconteceu com as 400 famílias que foram retiradas da Reserva Raposa Serra do Sol, no nordeste do meu Estado. Até hoje, muitas delas estão ainda vivendo em acampamentos e nunca receberam, adequadamente, as suas indenizações. 

            Eu quero aqui fazer um apelo ao Governo Federal. Eu não vou fazer um apelo à Funai porque sei que ela tem essa visão e é totalmente manipulada por ONGs. Ali, na Funai, é preciso haver uma investigação tipo Petrobras, porque existem vários casos de coisas comprovadas, inclusive com voos fictícios, mas pagos, a comunidades indígenas, principalmente o não atendimento na área de saúde.

            Então, quero fazer um apelo aqui ao Governo Federal, especialmente ao Sr. Ministro da Justiça. Vou enviar um requerimento de informação tanto ao Ministro da Justiça quanto ao Presidente da Funai, porque legalmente ela existe, para que sejam dadas informações técnicas e, de fato, corretas sobre essa nova ameaça que paira sobre meu Estado.

            Meu Estado é, em área territorial, Senador Paim, quase equivalente a São Paulo, mas, em população, é o menor Estado da Federação. Talvez, por isso, por ter pouca população, estão aproveitando para encher o Estado de reserva indígena, sem que haja uma correlação. Não há sequer um estudo definitivo da Funai.

            Descobriu-se tribo indígena no final do ano passado! Quantas décadas ou séculos está a Funai, com os nomes que lhe antecederam, como Serviço de Proteção ao Índio, e não encontraram esses índios ali. Numa estrada que passa por esse Município, cruzando-o de norte a sul, rumo a Manaus, agora descobrem novos índios!

            Eu acho, realmente, que essa política indigenista do País precisa ser objeto de investigação. A Funai precisa ser objeto de investigação. Espero que, assim como descobrimos coisas horríveis com o mensalão, com o “petrolão”, terminemos por descobrir também com a “funerária nacional do índio”.

            Não posso aceitar calado que essas coisas aconteçam. Pena que eu esteja terminando meu mandato agora, porque, se não, eu iria propor uma CPI e uma Comissão Temporária Externa do Senado para estudar esse caso. Mas também não vou ficar de braços cruzados. Vou pedir as informações e ver quais são as saídas legais para tomarmos e não ficarmos apenas ouvindo o que a Funai fala e deixando fazer o que a Funai quer fazer.

            Peço, Senador Anibal, a V. Exª, embora o tenha lido quase todo, que autorize a transcrição, na íntegra, do material em que me baseei para fazer este pronunciamento.

            Muito obrigado.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2°, do Regimento Interno.)

            Matéria referida:

            - Jornal Folha Boa Vista, de 20/11/2014.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2014 - Página 133