Pronunciamento de Marta Suplicy em 19/11/2014
Discurso durante a 27ª Sessão Solene, no Congresso Nacional
Sessão solene destinada ao lançamento da Campanha Nacional “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”.
- Autor
- Marta Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Marta Teresa Suplicy
- Casa
- Congresso Nacional
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CONGRESSO NACIONAL, FEMINISMO.:
- Sessão solene destinada ao lançamento da Campanha Nacional “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”.
- Publicação
- Publicação no DCN de 20/11/2014 - Página 8
- Assunto
- Outros > CONGRESSO NACIONAL, FEMINISMO.
- Indexação
-
- SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, LANÇAMENTO, CAMPANHA NACIONAL, OBJETIVO, EXTINÇÃO, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEI MARIA DA PENHA, REFERENCIA, PROTEÇÃO, COMBATE, AGRESSÃO, REGISTRO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, SENADO, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, DESENVOLVIMENTO, POLITICAS PUBLICAS, AUXILIO, CRIME CONTRA A PESSOA, FEMINISMO.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Apoio Governo/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Bom dia a todos os presentes. Quero cumprimentar as minhas caras companheiras, a Sra. Presiden- te, as signatárias da presente sessão, a Senadora Vanessa Grazziotin, a Senadora Angela Portela, a Deputada Federal Jô Moraes, a Deputada Federal Maria do Rosário, a Senadora Ana Rita; a Ministra Maria Elizabeth Gui- marães Teixeira Rocha; a Deputada Federal Elcione Barbalho, a Deputada Federal Keiko Ota, a Deputada Fede- ral Nilmar Ruiz; a Sra. Rejane Alves da Silva Brito, representando a Ministra do TST; a Sra. Beatriz Cruz da Silva, representando o Ministro da Justiça; o Sr. Juiz Ben-Hur Viza, Coordenador do Centro de Resolução de Conflitos e Cidadania da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do DF; a Sra. Apa- recida Gonçalves, representando a Ministra de Estado da Secretaria de Políticas para as Mulheres Eleonora Me- nicucci; a Sra. Lúcia Rincon, Coordenadora Nacional da União Brasileira de Mulheres, a Sra. Ângela Guimarães, Presidente do Conselho Nacional da Juventude; os senhores embaixadores e os membros do corpo diplomático.
Primeiro, quero cumprimentar os organizadores da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres e parabenizar essa iniciativa, que hoje abrange 150 países. Não é pouca coisa. É uma inicia- tiva de caráter global que, desde 1991, tem desempenhado essa função de enfrentar, em todos esses países, as diversas formas de violência contra as mulheres.
No Brasil, como foi mencionado, o marco fundamental dessa luta, marco que hoje é falado em todo o mundo, inclusive, como um emblema da luta contra a violência contra a mulher, é a Lei Maria da Penha. Ela foi feita no Governo Lula, e nós temos feito uma diligência grande para que ela tenha uma maior efetividade.
Ao mesmo tempo, a aplicação dessa lei depende de fatores, e o primeiro deles é o engajamento da so- ciedade no combate à violência doméstica. Isso é fundamental, porque, enquanto for aquela história de que, “em briga entre marido e mulher, não se mete a colher”, nós não caminhamos. A lei já mudou enormemente esse panorama no Brasil, mas isso ainda existe. Essa consciência é cada vez mais clara - e é muito bom podermos dizer que essa lei teve uma consequência extraordinária --, mas nós ainda temos muito a caminhar.
Por parte do Estado, é preciso ter uma rede de apoio às vítimas, como também policiais que apurem inquéritos, e que estes sejam levados adiante, de modo a intensificar a atuação das Delegacias da Mulher e a encorajar a mulher a sair dessa situação em que vive.
Eu destaco ainda a disposição das autoridades judiciárias em cada caso, de forma a manter a credibi- lidade da Justiça no País; uma Justiça que tem que agir e tem que punir. Isso é fundamental para qualquer lei poder pegar. Nós temos caminhado nisso, mas tem que estar sempre em mente esse esforço.
Eu tive a oportunidade de compor a CPMI da Violência contra a Mulher, criada em 2012. E quero apro- veitar essa brecha para dizer do trabalho extraordinário da Senadora Ana Rita, que percorreu este País incan- savelmente (palmas), ouvindo dezenas de depoimentos em todos os Estados, ouvindo coisas de arrepiar o ca- belo e que saiu muito fortalecida nessa luta. Eu fui a poucas dessas reuniões, mas, quando a Senadora Ana Rita chegava aqui, ela nos contava as coisas, e dávamos muita força para ela continuar essa luta. É uma coisa que se escuta aqui e ali, chegando até a ser normal, em alguns lugares, o tratamento contra a mulher; o tratamen- to como se deu com a Lei Maria da Penha, até o tratamento que diminui tanto a mulher que sua autoestima passa a não existir, e ela fica num estado de vulnerabilidade desastroso para toda a família e para ela própria.
A CPMI foi vitoriosa no sentido de que realmente se pôde fazer um diagnóstico, que resultou em 13 projetos de lei, entre os quais: o que insere o feminicídio como qualificador do homicídio; o PLS 295, que ga- rante o atendimento especializado no SUS às mulheres vítimas de violência; e o PLS 294, que exige rapidez na análise do pedido de prisão preventiva para os agressores. Isso é muito importante, porque muitas vezes, quando se ia analisar o caso - e não vamos nem descrever a situação da mulher, se tivesse sobrevivido --, ela não estava mais viva para receber o benefício da lei.
A Senadora Gleisi Hoffmann mencionou que hoje foi votada, na CCJ, uma PEC de minha autoria, junto com outros Senadores, que pretende acrescentar, entre os objetivos da assistência social, o amparo à mulher vítima de violência.
Eu estava mencionando a autoestima. A assistência social já presta um serviço especial a idosos e a de- ficientes físicos. Idoso é idoso; deficiente físico é deficiente físico. A maioria está uma situação de permanência, porque idoso não fica mais jovem; deficiente físico, muitas vezes, não tem possibilidade de melhorar aquela deficiência. Quanto à mulher vítima de violência, temos que lembrar que ela é uma pessoa que fica semanas, meses e anos destroçada, mas essa mulher tem recuperação.
A importância desse projeto é podermos dar uma assistência a essa mulher que vive uma vulnerabili- dade extraordinária e resgatá-la para a vida, resgatar a sua autoestima, resgatar o seu papel, para ela própria ser alguém, mostrando que ela é merecedora de respeito. Depois de anos apanhando, essa mulher não se acha mais nada, e a assistência do Estado tem que dar tanta importância à mulher vítima de violência quanto dá para o idoso e para o deficiente.
Fiquei muito feliz que o Senador Vital do Rêgo pôde ter essa sensibilidade de, nesta semana, colocar esse projeto em votação, e os Senadores o aprovaram.
Também quero falar do machismo que hoje ainda impera no Brasil. Eu sou do Estado de São Paulo. Vocês, volta e meia, leem nos jornais, na Internet, o que ocorre na USP: estupros, estupros e estupros. E não se faz nada! E o que as moças têm dito reservadamente? Que não podem falar, que são aconselhadas a não fazer denúncia, com o intuito de não manchar a reputação, a imagem da instituição. Isso tem sentido, gente? É uma coisa insana! Nós temos que exigir, sim, que a Universidade tome providências, porque é inaceitável acontecer um estupro a cada tantos dias, a cada tantas semanas, como é corriqueiro hoje. Isso é que mancha a instituição, e não a denúncia, o policiamento e o que tem que ser feito! (Palmas.)
Refiro-me agora a algo mais sutil, mas temos que brigar por isto também. Vocês viram o que ocorreu aqui, no Distrito Federal? E resultou numa campanha, o que eu achei muito bom. Um policial militar utilizou a sua página na rede social para agredir moralmente modelos plus size, modelos gordinhas. No post, ele as chama de leitoas e criaturas bizarras, o que reflete o resquício da sociedade machista a que as mulheres estão subme- tidas. Nós não podemos admitir isso, porque começa assim e depois continua de formas tão ou mais graves.
Eu sou psicanalista, psicóloga, e sei que ser tratada assim pela sociedade é tão grave quanto levar um tapa físico, minha gente! É tão desmoralizador para a mulher quanto levar um empurrão, sofrer um crime de racismo ou de homofobia. É uma coisa muito dura, que não podemos admitir: “Ah, chamou de gorda, chamou de baleia”. Não, não pode! Não podemos aceitar isso!
Nós conversávamos ali na mesa sobre dados do IPEA que me chamaram a atenção. Eu rascunhei umas coisas, e acho importante a gente pensar. A Lei Maria da Penha não diminuiu mortes nem agressões. É uma tristeza pensar nisso, mas não tão surpreendente, porque ter informação não muda comportamento. Eu vi isso durante anos, trabalhando na questão da AIDS. Se você só dá a informação sobre como se pega a doença e não ensina a moça a dizer não, não adianta nada! Ela sabe que pode pegar, mas o namorado insiste, e aí vai.
Então, é mais complexo do que só dar a informação. E é mais complexo ainda o entendimento, porque a pena foi criada. Não havia uma pena antes da Lei Maria da Penha. Agora tem uma pena forte, que é cumprida. A lei está lá, as mulheres exigem que seja aplicada, mas não diminuiu a agressão e não diminuíram as mortes.
Isso é muito sério, e temos que fazer a reflexão que vou fazer agora. A primeira coisa: nós temos que trabalhar a cultura e a mentalidade. E onde primeiro se faz isso? Nas famílias. O maior exemplo para uma criança é como o pai trata a mãe e como a mãe trata o pai. O primeiro tapa que essa criança vê o pai dar na mãe, o pri- meiro xingamento, a primeira desqualificação, isso tudo vai sendo introjetado aos poucos. Quando adulto, ele passa a tratar assim a sua namorada, talvez mais disfarçadamente; mas quando casa, quando tem uma união mais estável, passa a repetir os comportamentos que via como coisa normal na sua família. Mas para isso não tem lei, gente! Isso vai mudar como mudou em relação ao serviço doméstico.
Aos poucos, as famílias foram entendendo que os maridos tinham que ajudar na cozinha, para que os filhos pudessem aprender a ajudar na cozinha. Há 30 anos, quando eu falava isso no programa TV Mulher, era um escândalo. Imaginem um homem na cozinha? Hoje, com os casais jovens, já está todo mundo na cozinha, o pai faz questão de trocar fralda, e ai vai.
Essa é uma questão que precisa ser trabalhada na sociedade. Mas como, se ela não pode ser trabalha- da em lei? E mesmo porque a gente já viu que lei às vezes não adianta muito. Então, temos que trabalhar essa mudança na televisão, com propaganda. Pode-se fazer propagandas muito interessantes. Temos que trabalhar nas novelas, porque não há nada hoje no Brasil que tenha o peso de uma novela. Na novela, você cria o fato e pode mostrar as consequências. Ali se pode tratar o assunto de forma didática e novelesca, porque isso os autores sabem fazer muito bem, e ensinar! As novelas, hoje, no Brasil, têm um papel extraordinário, e tiveram um papel pioneiro no sentido de combater a homofobia. Hoje, as novelas mostram vários tipos de homosse- xuais. A gente ainda tem que sair de alguns estereótipos, eu concordo, mas, há 30 anos, a homossexualidade não era um tema de que se falava nas famílias. Agora a TV pode fazer isso.
Nós temos que procurar esse apoio. Podemos fazer uma comissão de Senadoras e Deputadas para con- versar com roteiristas, para inserir o tema, porque isso se faz. Eles têm a maior boa vontade e sabem fazer de um jeito que não fique chato, de um jeito que as pessoas assimilem. Essa é uma forma interessante, e depois nós podemos levar às escolas também.
As escolas são fundamentais, porque têm muitos instrumentos: podem usar psicodrama, podem usar filmes, podem estabelecer discussões. Mas, primeiro tem que haver um trabalho com o professorado, porque o professorado é contaminado, também, por tudo que a gente vê, como nós todos somos. Eles têm que ter uma formação, tem que haver uma discussão. Não precisa ser nada muito longo, mas tem que se aprofundar a discussão, para poder passar o assunto aos alunos.
A escola é, na minha opinião, o instrumento fundamental. E às vezes nós nos esquecemos disso, como ocorre com a questão da educação sexual nas escolas. Faz parte do mesmo pacote, pois quando você fala so- bre educação sexual na escola, fala do prazer à concepção, fala sobre como se proteger, como dizer“não”, como dizer “sim” com responsabilidade, e sobre como exigir respeito. Isso precisa ser ensinado, porque a maioria das crianças às vezes até tem uma ideia do assunto, mas isso tem que ser desenvolvido em sala de aula.
Muito obrigada. (Palmas.)