Pronunciamento de Paulo Paim em 15/12/2014
Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários acerca da flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, POLITICA DE EMPREGO.:
- Comentários acerca da flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/12/2014 - Página 195
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, POLITICA DE EMPREGO.
- Indexação
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- APREENSÃO, FLEXIBILIDADE, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, MOTIVO, PREJUIZO, TRABALHADOR, CRITICA, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, RETIRADA, ADICIONAL DE INSALUBRIDADE, ADICIONAL DE PENOSIDADE, ADICIONAL DE PERICULOSIDADE, TERCEIRIZAÇÃO, TRABALHO, REDUÇÃO, HORARIO, ALMOÇO, PAGAMENTO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, DEBATE, SOCIEDADE, APOIO, MOVIMENTO TRABALHISTA.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Ruben Figueiró, tanto eu como a Senadora Ana Amélia estamos no plenário, e um dos objetivos é participar do seu discurso de despedida, porque vai ficar, naturalmente, toda a semana. Fazemos questão de apartear V. Exª e de dar o depoimento ao Brasil e ao seu Estado do brilhante trabalho que V. Exª fez aqui na Casa. Mas eu o farei no momento adequado.
Neste momento, Sr. Presidente, vou falar de um tema que está me preocupando muito e que sei que preocupa também V. Exª e todos os Senadores e Deputados. Vou falar da flexibilização dos direitos dos trabalhadores, que, infelizmente, via Judiciário, mais o Supremo, via projetos na Câmara e no Senado, que estão aqui, independentemente da iniciativa, nos preocupam.
Começo lembrando que falava, ainda hoje pela manhã, em uma audiência pública, que seria fundamental que o movimento sindical brasileiro chamasse o Congresso Nacional, eu diria, de urgência ou de emergência, para debater essa questão e outras que têm tudo a ver com justiça social, com liberdade, com políticas de oportunidade, de direitos iguais, de distribuição de renda. E, claro, tudo isso tem a ver também com a própria democracia. Vou falar do mundo do trabalho.
Sr. Presidente, V. Exª, que é um jurista respeitadíssmo e conhecido - tive a alegria de ser constituinte com V. Exª -, sabe a história do mundo do trabalho.
O movimento mundial em defesa do trabalho teve início com a Revolução Industrial do século XVIII e também do século XIX, exatamente porque os trabalhadores estavam expostos às mais indignas e desumanas condições de trabalho: sem direito a uma jornada de trabalho compatível com as condições humanas, sem a garantia de um salário justo e também sem direitos fundamentais que lhes garantissem a qualidade de vida no emprego.
Enfim, os empregados se reuniram e se rebelaram, dando ao nascimento, então, de uma revolução - só se fala em revolução industrial - pacífica no mundo do trabalho. E avançamos, a partir daí, na organização sindical. Nasce, assim, a base do direito coletivo do trabalho, exigindo proteções mínimas com relação às condições de trabalho, transformações que ocorriam nos países da Europa.
As organizações sindicais surgem, então, para assegurar proteções mínimas às atividades desenvolvidas até então por homens, mulheres, idosos e até crianças. Era o trabalho escravo.
As primeiras normas trabalhistas surgiram no final do século XIX como, por exemplo, a edição do Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos. Em 1912, foi fundada Confederação Brasileira do Trabalho - CBT -, que tinha por objetivo reunir as reivindicações operárias, tais como: jornada de trabalho de oito horas; fixação do salário mínimo, indenização para acidentes no trabalho entre outros direitos. Porém, a política trabalhista brasileira somente avança com a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas cria, então, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
A Constituição, Senador Figueiró - que preside a sessão -, de 1934, também reproduziu essa nova face ao tratar, pela primeira vez, do Direito do Trabalho, assegurando a todos a liberdade sindical; um salário mínimo justo; a jornada, definida, de oito horas; as férias anuais remuneradas; o repouso semanal; a proteção do trabalho feminino e infantil, e a isonomia salarial. Quando falamos em salário mínimo justo, isso é uma perseguição eterna, não é? Depende muito do que é justo.
Somente, em 1943, é editada a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho -, que unificou toda a legislação trabalhista brasileira, inserindo, de forma definitiva, o direito dos trabalhadores no ordenamento jurídico do Brasil.
Hoje, no entanto, a tônica maior volta-se à chamada “Modernização do Direito do Trabalho”, cuja causa é o processo de globalização mundial da economia que, queiramos ou não, está sendo vivida também aqui no Brasil. É importante ressaltar que esse processo tem influenciado o mundo do trabalho, e a mão de obra brasileira não está alheia a esse processo mundial.
Sob a alegação de que temos uma mão de obra cara pelos altos encargos sociais incidentes, conforme alguns; pela pouca qualificação, conforme alguns, e pela baixa produtividade, conforme alguns, tentam flexibilizar os direitos conquistados há mais de 70 anos.
Na pauta, Sr. Presidente, da precarização, figuram alguns pontos que eu vou levantar aqui.
O Equipamento de Proteção Individual - IPI - virou agora instrumento para não se pagar adicional e acabar com a aposentadoria especial.
As terceirizações de mãos de obra em atividades fins - antes, era meio; agora, fins.
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço que, antes, se pagava a dívida total. Agora, vão pagar somente os últimos cinco anos.
A desaposentadoria, que está, lá no Supremo, enrolada há horas. Eu lamentei a posição da Ministra Rosa Weber, que já tinha dado o seu voto, pediu revisão, quando a decisão do Ministro Relator era só que o Congresso, nos próximos seis meses, definisse essa questão conforme projeto que tenho, na CCJ, pronto para ser votado.
A flexibilização, Sr. Presidente, na fiscalização do trabalho. Há um projeto que diz que o fiscal pode chegar uma vez e, depois, só dali a dois anos. E, durante os dois anos, vamos ver se, naquela área, o trabalhador estava tomando água envenenada e se morreu ou não. Daí, é que vai mudar. Não dá! Aí, não dá!
Os descontos na remuneração disponível do trabalhador, até mesmo no caso de indenização. O banco chega lá e pega todo o salário dele, porque ele ficou devendo para o banco. Está aí. É fato. É real.
Repito: as indenizações trabalhistas, sem correção monetária, enquanto os bancos operam a juros exorbitantes.
A redução do período de descanso e alimentação.
E muitos outros estão pautados.
Mas, Sr. presidente, antes de tratar, individualmente, de cada um desses temas, quero dizer que vivemos hoje, a meu ver, um desequilíbrio entre os Poderes da União, fato esse marcado pela omissão em algumas responsabilidades e invasão em competência uns dos outros.
Primeiramente, em relação à utilização do IPI. A matéria foi debatida, na semana passada, em um processo com repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. A ação discutia se o IPI pode ou não eliminar os adicionais e a aposentadoria especial, como já comentei.
É lamentável isso. Eu fui técnico supervisor de segurança, trabalhei em Cipa. Desde quando o IPI elimina? Agora, se tem que usar IPI é porque a área é insalubre, penosa e periculosa e, consequentemente, eu tenho direito à especial, que fazia com que o trabalhador escapasse do fator. Agora, não. Perde a especial, perde a valorização do benefício do seu salário, devido aos adicionais, e ainda terá que trabalhar um tempo muito maior para efeito de aposentadoria.
Vamos pegar o caso de um mineiro. Digamos que ele use um equipamento de segurança porque trabalha no subsolo. Hoje ele tem que trabalhar 15 anos, mas, se tiver que trabalhar 35 anos, no vigésimo ano ele morre.
Fiquei muito preocupado e, por isso, protestei. E aqui repito o meu protesto. Por exemplo, o PL nº 51, de 2014, que apresentei, acaba com essa celeuma e com essa grande injustiça. Mas ele está trancado aqui e até agora não foi votado.
Sr. Presidente, foi aprovado por unanimidade na CAS em caráter terminativo, mas veio um recurso ao plenário para que outra vez o trabalhador não tenha o direito de receber os seus adicionais e a ter aposentadoria especial.
Esses recursos que servem apenas para protelar, para ver se o Supremo decide contra o trabalhador, são inaceitáveis. E duvido que qualquer Senador ou Deputado vote em um projeto - desculpem-me a expressão - vagabundo como este. Porque esse projeto é vagabundo mesmo, já que quer tirar direito dos trabalhadores, assegurado durante décadas e décadas, que é o adicional de insalubridade, serviço penoso e periculoso e a aposentadoria especial. Mas existe gente que se presta para tudo.
Essa é uma artimanha malandra, esperando que o Supremo decida contra o trabalhador, o que espero que não aconteça. Se o Supremo decidir a favor, eles vão quebrar a cara, pois quem fez isso vai ter que responder pelos seus atos. Sr. Presidente, não há motivo nenhum para que esse projeto não seja aprovado.
Em relação à terceirização do trabalho, não há como negar, como eu dizia antes, que é fruto da globalização da economia e do crescimento do capitalismo, criando uma nova concepção entre capital e trabalho, o que nos preocupa. Antes da terceirização, era atividade-meio, agora é atividade-meio e fim; não há mais limite. E, com isso, não pagam os direitos dos trabalhadores que estão na própria CLT.
Enfim, o desenvolvimento econômico e tecnológico expandiu os mercados em busca da acumulação de capital, usufruindo principalmente da mão de obra farta e barata dos países subdesenvolvidos e do baixo custo da produção, impondo novos modelos de contratação.
No panorama brasileiro, não foi diferente. Expandiram-se as empresas de terceirização e as contratações de profissionais como pessoas jurídicas, consequentemente ampliando a flexibilização do direito dos trabalhadores.
Sr. Presidente, sobre a matéria existem inúmeras propostas tramitando. A maioria dos projetos em trâmite pretende alterar a Lei nº 8.666, de 1993, para regulamentar a terceirização do serviço na Administração Pública. E aí vêm outros projetos: 1.292, 1.587, 6.420, 6.894, que vêm de 1995 a 2006.
Em se tratando do setor privado, destaca-se o Projeto nº 5.439, de 2005, que proíbe a utilização de mão de obra interposta aos Projetos nºs 1.621 e 6.832, que pretendem regulamentar a terceirização, proibindo a sua utilização em atividades-fins. Esses outros dois projetos, pelo menos dizem: terceirizar sim, mas atividade-fim não. Mas o outro que veio em 2005 quer derrubar os dois primeiros, alegando que tem de valer terceirização para tudo.
É claro, Sr. Presidente, sou um guardião aqui - e me considero um guardião -, vigilante e persistente, em relação às garantias trabalhistas. Estou aqui no Senado há 12 anos, Sr. Presidente, e não pensem os senhores que eu não gostaria de ir quando sou convidado, como fui hoje convidado a ir à Inglaterra, mas disse que não vou, pois tenho muito receio. Nesses 12 anos, não fiz nenhuma viagem ao exterior, e gostaria de ir. Não sou contra quem vai. E tem mais que ir mesmo, pois são experiências importantíssimas que são trazidas para o Brasil. Mas, como estou muito envolvido com esta questão do mundo do trabalho, qual é o meu receio? Eu vou, e os projetos que ferram os trabalhadores são votados naquela semana. Alguém me disse: “Paim, não quer passar duas semanas na Áustria?” Digo: “Sim, mas para fazer o quê?” “Você vai lá para ver as questões do ensino técnico”. Sou simpático a elas, é claro. Mas não pude ir, porque percebi que não era aquele o momento adequado para eu sair.
Mas, enfim, para não deixar escapar do controle qualquer matéria que encaminhe prejuízo para o trabalhador, peço o apoio de todos e do movimento sindical, para que fiquemos em um estado de alerta. Gritem, tomem as ruas, façam congressos, não podemos permitir retrocessos.
Vou dar um exemplo: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que levou, no último dia 3 de novembro, uma bala de canhão na cara. Por decisão de quem? Não foi do Congresso! Do Supremo Tribunal Federal! Segundo eles dizem - e veja, essa lei, o segundo golpe foi a edição da Lei nº 3.043, oriundo também de uma outra discussão -, cancelam-se os débitos da empresa e abre-se mão da execução fiscal referente ao FGTS. E o Supremo decidiu que agora não é mais.
Vou dar um exemplo: o senhor tem uma empresa e não pagou durante 20 ou 30 anos: “Fique tranquilo, só vai pagar os últimos cinco anos agora.” Isso é um incentivo ao empregador de má-fé, e, como existe todo mundo de má-fé em todos os setores, existe dentro do Parlamento, existe entre os trabalhadores, existe entre os empresários. Então, se ele resolver não pagar, ele não paga o fundo de garantia do camarada e só vai pagar os últimos cinco anos. Isso é um incentivo a não pagar, que o Supremo Federal acabou dando, infelizmente.
E, como essa outra medida, também, que cancela os débitos de empresas e abre mão da execução fiscal referente ao FGTS pelo não pagamento. Com o Fundo, quem não sabe, nem a ditadura fez isso, a ditadura não mexeu nisso. E o Supremo agora e outras aventureiras estão mexendo. Nem a ditadura fez, porque a ditadura fez o seguinte: acabou com a estabilidade nos últimos dez anos, que nós tínhamos depois de dez anos no mesmo emprego, mas criou o fundo; mas dizia: “Quem não paga, vai ter que pagar cinco anos, dez anos, quinze anos ou vinte anos.” Agora não.
O fundo é uma poupança do trabalhador, além do que constitui um dos pilares básicos da política habitacional, de saneamento básico, de infraestrutura urbana, em casas da habitação popular. Agora está comprometido, porque você não é mais obrigado a pagar, você não paga. E como é que fica, agora, o financiamento, por exemplo, do Minha Casa, Minha Vida? Deixar de inscrever em dívida ativa os débitos do fundo de garantia por tempo de serviço, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$1 mil e deixar de ajuizar execuções fiscais para a cobrança de débito de valores igual ou inferior a R$20 mil, pega a maioria dos trabalhadores - eu não tenho R$20 mil depositado lá. Isso, para mim, é oficializar o calote, pois permite á empresa não quitar suas dívidas com o trabalhador e ser anistiada. Sei lá quem é que está fazendo isso. Vou gritar, vou berrar e vou contestar aqui no dia da votação esse calote que estão dando nos trabalhadores!
Além do que, a lei permite o cancelamento dos débitos do FGTS inscritos em dívida ativa no valor consolidado igual ou inferior a R$100,00 e que, se continuar assim e com os R$20 mil, aí sim, nós vamos ter a quebra do Sistema Habitacional e um prejuízo enorme para os trabalhadores. É um absurdo!
Ao final, a norma permite que o trabalhador possa buscar o crédito. Mas como? Eu faço a pergunta: como? Buscar como, se as leis anteriores já disseram que eles não são obrigados a pagar?
O Estado, com todos os meios legais necessários à execução do crédito, abre mão das suas prerrogativas porque considera inviável, jurídica e economicamente, buscar tal recurso. Alguém acredita que o trabalhador vai conseguir - ele especificamente - executar esse crédito, via ação trabalhista? Com a decisão, inclusive, do Supremo? É lamentável.
Preocupado com essa situação do FGTS, apresentei a PEC nº 45, de 2014, dizendo que as ações em relação ao não recolhimento do Fundo não serão prescritas, pois estamos certos de que o trabalhador, no curso do vínculo empregatício, não encontra ambiente propício para se insurgir contra o não recolhimento dos valores destinados, porque ele é demitido.
O camarada que entrar com uma ação contra você. Vamos pegar até o empregado doméstico, Senador Romero Jucá. Digamos que o empregado doméstico move uma ação contra seu empregador: é demitido! Nas nossas casas é demitido. Se eu tenho lá um empregado doméstico, e eu acho que eu cumpri tudo direitinho, e ele mete uma ação contra mim, o que é que eu vou fazer com ele? É razoável, não é? Se eu estou com tudo em dia com o cara - eu sei porque você é um dos Relatores do empregado doméstico -, e o cara mete uma ação contra mim, eu ainda vou ficar com ele? Não vou ficar. Eu não vou ficar. Calculem o empregador de uma grande empresa. O cara mete uma ação contra ele e é demitido no outro dia. E daí? Como é que fica o Fundo dele? Se ele só vai receber os últimos cinco anos, ele vai deixar passar, para não perder o emprego; quando ele entrar, dali a 20 anos, vai receber 5 e perde 15, ou vai receber 5 e perde 25, como era a lei antes. É quem não conhece o mundo do trabalho. E eu não estou aqui acusando ninguém. Estou apenas fazendo um relato do que vai acontecer.
Enfim, por isso é preciso que o movimento sindical dê um passo à frente pela ocupação dos espaços de poder, por um amplo debate na sociedade, para ver como estão e como vão ficar os interesses dos trabalhadores.
Mas as minhas preocupações, infelizmente, não param por aqui. Por exemplo, o que aconteceu recentemente permite que os trabalhadores regidos pela CLT autorizem, de forma irrevogável e irretratável, desconto em sua remuneração disponível, incluindo as verbas rescisórias.
Vou explicar onde está o furo da bala aqui - na verdade, eu queria mais que houvesse um furo nessa bala. O camarada vai entrar numa empresa; então, ele vai assinar lá que mesmo as verbas rescisórias podem sofrer desconto; se ele estiver devendo a um banco, a instituição financeira vai pegar toda a sua rescisão e o seu salário, e ele vai para a rua e não ganha nada!
No desespero, como é o caso do Fundo de Garantia, claro que eu vou assinar. Eu estou desempregado; então digo: “Não vou fazer empréstimo com ninguém, vou assinar o que vocês quiserem; assino o fundo de garantia, na forma como é hoje, e assino também que, se eu estiver devendo, qualquer um chega lá, e pega todo o meu dinheiro”. Como fica a questão da alimentação? Como fica o aluguel?
É lamentável! Desconto na remuneração disponível, incluindo as verbas rescisórias!
O desconto deverá ter origem em contrato de empréstimo, financiamento e operação de arrendamento mercantil. E isso concedido a quem? Aos bancos, a instituições financeiras. Só aos bancos ainda. Então, eu estou com uma dívida com os bancos e não pude pagar, fui posto na rua pela empresa, o banco vai lá e pega todo o meu dinheiro. O movimento sindical tem que “acordar para Jesus”, como diz um amigo meu. Acordem para Jesus! As coisas estão acontecendo tanto aqui, como lá no Judiciário. E aqui estão o Legislativo e o Executivo. Está todo mundo, não estou levando ninguém para compadre aqui não! Estão aqui o Executivo e o Legislativo com poder de mando.
Ocorre que esse tipo de contratação se dá em contratos de adesão, em que o trabalhador assina sem saber - como é notório para nós - exatamente o teor de cada ponto, de cada artigo, de cada cláusula.
Tal dispositivo viola frontalmente a liberdade do devedor e o princípio da menor onerosidade da execução dos créditos. Muitos empresários têm me confessado, eles mesmos, os empresários alertam-me que consideram essa regra um abuso. Ora, se até empresários me ligaram - é uma “puta sacanagem”, desculpem a expressão, com o trabalhador essa regra -, onde nós estamos?
“Paim, se você briga tanto, por que não fala sobre isso? Eu demito um cara na minha empresa, e agora vem o banco e pega todo o dinheiro dele. Eu fico até com pena de demitir. Eu digo a ele: “Você fica aqui, pois assim, pelo menos, eu vou lhe pagando; se não, a verba rescisória vai toda para o banco, e o banco não vai lhe pagar quando você for lá.’” Esses empresários preferem pagar ao trabalhador os valores devidos na rescisão, e não para os bancos, que, a cada divulgação dos resultados, apresentam lucros gigantescos.
Eu não tenho nada contra os bancos ou a favor deles. Agora, apropriar-se da rescisão do trabalhador no ato de uma demissão é uma puta sacanagem, com que não posso concordar.
Quero também trazer aqui a discussão - já levantei aqui mais de dez sacanagens - do Projeto de Lei do Senado nº 149, de 2014, que dispõe sobre a dupla fiscalização. Eu vou resumir o projeto, do qual sou Relator. Vieram até conversar comigo. Eu disse “Não, podemos conversar.” O que diz o projeto? O fiscal vai à empresa e nota que há uma perspectiva de se incendiar aquela fábrica, com mais de mil trabalhadores dentro. Ele avisa, e só pode voltar lá daqui a dois anos. Se a fábrica incendiar nesse período, morreu; morreu o Neves, como foi o caso da boate Kiss, por exemplo, e ninguém é responsável. O que é isso? Hoje, o fiscal do trabalho chega, considera que é área de risco e pode mandar parar as máquinas. Aí, não vai poder mais. Aonde estamos chegando?
A matéria desse projeto fundamenta-se na necessidade de serem evitados os abusos do fiscal por parte do Poder Público. Ora, ora, ora, nós temos, no Brasil, milhões e milhões de empresas. Temos o quê? Cem mil? Vinte e quatro mil? Temos uma mixaria de fiscais, e eles ainda têm que autuar primeiro, para depois poderem multar ou mandar parar as máquinas, no caso de acidente.
Dessa forma, o que eles querem é estabelecer o critério da dupla visita. Salvo se, no prazo de dois anos anteriores, houver infração é que ele pode multar.
Ora, o direito do trabalho, como eu disse aqui, no início, nasceu para proteger o trabalhador, o qual é reconhecidamente a parte mais frágil da relação entre empregado e empregador.
Sabemos que a função precípua da legislação trabalhista é evitar o cometimento de abusos por parte de qualquer um dos dois, empregado e empregador. Está a CLT impregnada de normas de ordem pública que têm por escopo a proteção do trabalhador, que é a parte mais fraca.
A meu ver, não se mostra aceitável que o Poder Público seja conivente com o cometimento de infrações mitigadoras ou excludentes do direito dos trabalhadores.
A fiscalização objetiva assegurar a observância, pelo empregador, do direito atinente à jornada de trabalho, ao pagamento de salário, às férias, ao recolhimento previdenciário, ao FGTS, à anotação na carteira de trabalho profissional, ao pagamento de décimo terceiro salário, às condições de higiene no trabalho, à segurança no trabalho, ao salário e a inúmeros outros.
De acordo com o projeto, a aplicação da sanção ao empregador é apenas efeito secundário da fiscalização trabalhista. A ação fiscalizadora não objetiva, em princípio, penalizar ninguém, nem tampouco parar as máquinas. Mas eu digo: se for grave o que foi verificado, tem que parar, não tem como! E, pelo que está no projeto, não para, e tudo continua, como se o fiscal não tivesse ido lá. Dali a dois anos, ele pode voltar; antes, não pode.
O projeto permite um claro retrocesso social ao atenuar a ação da fiscalização.
Infelizmente, eu tenho que falar no mínimo de mais dois, três projetos. Tramita também no Congresso o PL nº 8/2014, que pretende reduzir o intervalo para descanso e alimentação do empregado, por meio de acordo ou convenção coletiva. Ora, o cara vai chegar para mim e dizer o seguinte: “Quer continuar trabalhando comigo? Você vai continuar, mas, se você tem agora meia hora de descanso, só vai ter quinze” O que é que eu vou fazer? Eu vou pegar um picolé, um chiclete, uma bala, vou mastigar e vou trabalhar, para não perder o emprego. Quem quer perder o emprego?
Então, essa história de querer abrir mão de direitos mediante acordo não existe! A lei é para ser cumprida! O acordo ou convenção coletiva é acima da lei; então, vamos revogar a CLT e vamos revogar a Constituição! E, daqui para frente, só vale o que as partes acertarem! Agora, se existe uma lei, a lei tem que ser cumprida, e a lei é para todos! Qualquer acordo ou convenção é acima da lei, mas não abaixo da lei!
Sr. Presidente, o próprio Tribunal Superior do Trabalho já pacificou o entendimento - o Tribunal Superior do Trabalho, não o Supremo, porque lá está difícil - da Orientação Jurisprudencial nº 342, que diz: “É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública...”
O ilustre Ministro Maurício Godinho Delgado - pelo qual tenho o maior respeito, pelas suas acertadas decisões em prol da justiça - disse:
As normas jurídicas concernentes a intervalos intrajornadas também têm caráter de normas de saúde pública, não podendo, em princípio, ser suplantadas pela ação privada dos indivíduos e grupos sociais. (...) Por essa razão, regras jurídicas que, em vez de reduzirem esse risco, alargam-no ou o aprofundam mostram-se francamente inválidas, ainda que subscritas pela vontade coletiva dos agentes econômicos envolvidos à relação de emprego.
Nesse sentido, quero elogiar a Relatora, Senadora Angela Portela, que apresentou parecer pela rejeição dessa proposta, que visa a dizer que nem horário de almoço mais, ou para ir ao banheiro, o trabalhador poderá ter. Espero que esse seja o entendimento de todas as comissões da Casa.
Por outro giro, Sr. Presidente - vou dar um outro giro -, o PL não só fere princípios constitucionais elementares, como a dignidade da pessoa humana, como contraria o tripé da sustentabilidade, baseado no equilíbrio entre capital humano, capital ambiental e capital econômico.
Por fim, volto para concluir sobre a desaposentadoria.
A renúncia à aposentadoria é um direito de cada cidadão, e não acarreta prejuízo a ninguém. A desaposentadoria, ou desaposentação, permite a renúncia da aposentadoria para o recálculo do benefício que mais lhe interessar. Eu mesmo tenho duas aposentadorias; então, eu posso. Agora, o peão lá na fábrica, meu amigo metalúrgico, não pode? Eu posso optar, se quiser, pelo instituto dos congressistas, que vai me garantir a minha aposentadoria; ou posso optar pela fábrica, porque eu já tinha lá mais de 20 anos de contribuição; vou ter que renunciar a um dos dois, mas me é dado o direito. Ao trabalhador, não. Ele tinha lá 10, 15 anos na fábrica; daí foi para outra atividade, onde a aposentadoria é melhor, e ele não pode, em nenhum momento, renunciar ou mesmo casar as duas, usando o tempo de contribuição antes da aposentadoria e o posterior. Eu posso, se eu quiser; não vou fazê-lo porque não me interessa; mas eu posso.
Então, o legislador pode, os servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário podem, e o Supremo está lá se amarrando ainda com a Rosa Weber, pela qual não morro de amores, principalmente depois dessa, que resolveu revisar o parecer favorável que ela tinha dado; resolveu revisar. E o que é que diz, repito, o Ministro Relator: o Congresso terá seis meses para ajustar essa questão da desaposentadoria. Uma decisão equilibrada.
Então, pelo amor de Deus, Ministra Rosa Weber! Eu não tenho nada contra ministro nenhum, mas não há como eu vir à tribuna e não comentar isso. Já fizeram com o fundo de garantia; agora vão tirar também o direito à desaposentadoria?
Aí se diz: “Ah, mas vai ser um custo para o Governo”. Custo coisa nenhuma! Custo zero, porque eu só vou usar as contribuições que eu fiz. Olha, eu tenho dez anos de contribuição depois que eu me aposentei, eu vou pegar esses dez anos de contribuição, vou somar àqueles que eu tinha, faço o recálculo e pronto: é o benefício. Ele não quer um centavo a mais daquilo que ele tem de direito.
Sr. Presidente, alguns aposentados, felizmente, têm conseguido o recálculo da desaposentadoria junto ao STJ, que tem tido uma visão bem avançada. O STJ decidiu por nove a zero que é um direito do trabalhador a desaposentadoria, que está encalhada lá no Supremo.
A matéria de inúmeras sentenças das instâncias chamadas de base está parada no Supremo e parada aqui, no Congresso, que também não vota. Há alguém aí, uma alma - para mim, uma alma sem ser de fantasma - que vai segurando para que o projeto não ande. Eu apresentei um projeto muito anos atrás para regulamentar a desaposentadoria, e eles conseguem ir engavetando, engavetando, e assim vão andando. Apresentei o PLS nº 91, que trata dessa questão; apresentei outro depois, sobre o mesmo tema, o PLS nº 172, para ver se andava por outra via. Nenhum anda, nem o 91 nem o 172.
A minha esperança é essa visão do Relator, que dá seis meses para que o Congresso defina. Foi assim no aviso prévio. No aviso prévio, lá no Supremo - eu tenho que admitir isto; eu que critico sei elogiar também -, o Ministro Relator disse: “Se não regulamentar, eu, baseado no projeto do Paim”, está lá nos Anais, “vou regulamentar o aviso prévio proporcional”. Ligeirinho, o Congresso aprovou; buscou um projeto de 2000 ou de mil novecentos e pouco; arrancou lá de trás e regulamentou. Pelo menos regulamentou. Foi melhor do que nada.
Sr. Presidente, eu estou indo para os finalmentes - poderia falar muito mais aqui, mas falarei outro dia.
O Poder Legislativo não pode ficar indiferente a muitas questões que estão sendo discutidas no Supremo, tem que deliberar e votar. O Congresso não pode ficar alheio a esses fatos. O Congresso tem que reassumir o seu papel para o bem do equilíbrio dos poderes, sob pena de comprometermos o próprio Estado democrático de direito e, por que não dizer, a própria democracia.
Essa não é uma denúncia, estou relatando fatos. Está tudo por escrito aqui. Para quem tiver dúvida, está à disposição aqui, estará na minha página tudo que aqui falei.
Um alerta àqueles que pensam que o gigante está adormecido: não está adormecido, não; o povo está esperto.
Concluo lembrando as maldades promovidas pelo fator previdenciário, que confisca a metade do salário do trabalhador. O Senado já votou, a Câmara continua não votando. De novo, ele não pega nem o Executivo, nem o Legislativo - nós, no caso -, nem o Judiciário; só pega o pobrezinho do celetista, o trabalhador que ganha R$1 mil, R$2 mil. O salário dele é cortado pela metade.
Isso é intolerável, inaceitável, até porque, repito, a regra do fator só se aplica aos pobres. Quem tem altos salários que podem chegar a R$30 mil pode se aposentar com R$30 mil e não pega o fator; agora, quem tem o salário de R$2 mil pega o fator. No caso do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o fator não atinge.
É urgente a construção de uma política que livre os trabalhadores do famigerado fator previdenciário. O Projeto de Lei nº 3.299, de 2008. E, Senador Romero Jucá - eu provoquei V. Exª na questão da empregada doméstica, e provoquei no bom sentido, V. Exª é o Relator, nem falei do mérito do tema -, lembro que, aqui neste plenário, numa única noite, nós votamos o fim do fator, a recuperação das perdas e também a política para os aposentados. V. Exª foi muito franco comigo. V. Exª disse: “Aqui, nós não vamos fazer recurso. Aqui, vai se aprovar, mas se vira lá na Câmara”. V. Exª foi franco, eu não me esqueço, eu não me esqueço de posições como esta: “Lá, na Câmara, você vai se incomodar, mas é lá a sua briga. Aqui, nós vamos aprovar”. E V. Exª falou como Líder do Governo e permitiu a aprovação dos três projetos.
Enfim, Sr. Presidente, agora, termino dizendo que quero que o movimento sindical fique esperto, porque eles não podem ficar achando que está tudo bem, e as coisas estão acontecendo. É preciso que haja um grande entendimento, até defendo um pacto nacional de entendimento. Não estou nem pedindo avanços. Que aprovemos esses três projetinhos em cujo encaminhamento V. Exª ajudou e, pelo menos, deixemos o resto como está, não permitindo retrocesso no mundo do trabalho.
Essa é a minha fala que termino, agradecendo a tolerância de V. Exª.
E ficarei aqui para fazer a justa homenagem que V. Exª merece.
O SR. PRESIDENTE (Ruben Figueiró. Bloco Minoria/PSDB - MS) - Meus cumprimentos, Sr. Senador Paulo Paim, pelo seu pronunciamento, que é um alerta a este Congresso para que evite as distorções que se querem fazer à legislação trabalhista.
V. Exª sempre foi o maior porta-voz aqui dos trabalhadores brasileiros e tem, pelo menos de minha parte, a maior consideração, respeito e, sobretudo, solidariedade pelas teses que defende.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Ruben Figueiró. Bloco Minoria/PSDB - MS) - V. Exª merece.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Por isso, ficarei aqui para fazer um aparte na sua despedida - nem que eu não vá almoçar.