Pronunciamento de João Capiberibe em 15/12/2014
Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Crítica à PEC que transfere a competência referente à demarcação, à identificação e à homologação de terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional; E outro assunto.
- Autor
- João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
- Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ESTADO DEMOCRATICO, GOVERNO FEDERAL.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, POLITICA INDIGENISTA.:
- Crítica à PEC que transfere a competência referente à demarcação, à identificação e à homologação de terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional; E outro assunto.
- Aparteantes
- Antonio Aureliano.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/12/2014 - Página 242
- Assunto
- Outros > ESTADO DEMOCRATICO, GOVERNO FEDERAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
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- COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEMOCRACIA, MOTIVO, MELHORIA, PAIS, ENFASE, AUMENTO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, EXPECTATIVA, VIDA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, CORRUPÇÃO, SUPERVISÃO, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
- CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ASSUNTO, TRANSFERENCIA, CONGRESSO NACIONAL, COMPETENCIA, DEMARCAÇÃO, HOMOLOGAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, JORNALISTA.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores, visitantes que estão aqui, nesta galeria do plenário do Senado, democracia pressupõe convivência com as diferenças e respeito às minorias, e nós temos pouca tradição democrática em nosso País.
Na verdade nós estamos vivendo o mais longo período democrático da história do Brasil, que é de 85 até 2014. Nesse intervalo nós tivemos uma Constituição, escreveu-se uma nova Constituição e garantiram-se direitos. E entre os que tiveram os seus direitos respeitados estão os povos indígenas. A Constituição de 88 lhes garantiu o direito as suas terras, as terras que habitavam no passado. Mas de lá para cá esse direito vem sendo assegurado com enormes dificuldades. Também os negros passaram a ter direito às terras quilombolas que ocuparam ao longo da história. Mas esses direitos são de difícil execução.
E agora, mais do que antes, a democracia em nosso País está com uma tendência muito forte de privilegiar o poder econômico, o poder econômico que está representado nesta Casa, até porque são poucos aqueles que se elegem que não seja pela força do dinheiro.
As eleições de ano para ano, cada eleição se torna muito mais custosa, gasta-se muito mais dinheiro. E olhe que se pensava o contrário: à medida que se judicializasse o processo eleitoral se poderia reduzir o preço das eleições. Aconteceu exatamente ao contrário. Então, no Congresso Nacional, Câmara Federal e Senado, a representação majoritária é do poder econômico.
Voltando a falar do direito dos povos indígenas, amanhã, Srs. Senadores, a Comissão Especial do Senado que analisa a PEC 215 já pautou a votação dessa PEC. E essa PEC simplesmente anula os direitos constitucionais garantidos aos povos indígenas, porque ela transfere para a Câmara e para o Senado - agora imagine se nós vamos poder realizar isso - a última palavra sobre os processos de identificação de terras indígenas, demarcação e homologação, ou seja, é a paralisação completa do processo de respeito iniciado com a Constituição de 88, de devolução das terras indígenas.
Nesse sentido, eu gostaria de compartilhar uma informação, uma matéria do jornal O Globo de hoje, segunda-feira, 15 de dezembro de 2014, assinada pelos jornalistas Vinicius Sassine e Evandro Éboli. A matéria diz o seguinte, a manchete: “STF julgará deputados por direcionar parecer”. E esse parecer é sobre a PEC 215, que vai à votação amanhã. E os dois Deputados, um é o Vice-Presidente da Comissão e o outro é o Relator da Comissão. Eles são integrantes da Comissão sobre Demarcação de Terras Indígenas.
A matéria diz o seguinte:
A Justiça Federal de Mato Grosso enviou na quarta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) o processo que investiga possível envolvimento dos deputados federais Osmar Serraglio (PMDB-PR) e Nílson Leitão (PSDB - MT) em um suposto esquema de invasão de terras indígenas e arrecadação de R$30 mil para direcionar parecer na comissão da Câmara que trata de demarcação destas terras. A acusação é do Ministério Público Federal em Mato Grosso. Leitão é o vice-presidente da comissão especial que trata do tema, e Serraglio, o relator. Ambos são ligados aos ruralistas.
A decisão de enviar a investigação ao STF, onde são julgadas autoridades com foro, foi do juiz federal de Barra do Garça (MT), Cesar Augusto Bearsi. A Procuradoria Geral da República se manifestará pela abertura ou não de processos contra os dois deputados no STF. Escutas realizadas com autorização judicial e obtidas pelo MP demonstram, segundo os procuradores, o pagamento de R$30 mil ao advogado Rudy Maia Ferraz, que foi ligado à Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e teria auxiliado Serraglio em seu relatório.
Sebastião Ferreira Prado, presidente de uma associação de produtores rurais do estado, foi flagrado nas gravações. Foi ele quem revelou o suposto pagamento. O relatório de Serraglio poderá ser votado amanhã [quarta-feira, 16 de dezembro] e prevê que o Congresso dê a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas [Não apenas demarcação, mas também identificação, demarcação e homologação], e não o Executivo.
Ora, se o Executivo, com a capacidade que tem, com os quadros de que dispõe, com os instrumentos que tem a sua disposição... De 1988 a 2014, décadas se passaram e esse processo de devolução das terras indígenas continua empacado. Quando não empaca nos procedimentos de identificação, demarcação e homologação, depois que está tudo concluído, uma vez homologado, entra a contestação judicial, mais 10, 15, 20 anos para uma definição final.
Concluindo a matéria:
O relator classificou a acusação do Ministério Público como “ridícula”. O deputado Nilson Leitão disse estar tranquilo com o envio do caso para o STF e não acreditar que a denúncia vá prosperar. O advogado Rudy Ferraz disse ter saído da CNA no início de 2013 e que seu envolvimento é um “tremendo equívoco”.
Faço questão de registrar essa matéria nos Anais do Senado Federal, porque faço parte da luta dos povos indígenas para ver reconhecidos os seus direitos. Há uma tentativa clara de paralisar todas aquelas conquistas, não só paralisar como retroceder as conquistas garantidas na Constituição de 88 e no processo democrático.
É bom lembrar que a democracia só fez bem ao País. Eu acho uma insensatez alguém sonhar, querer retroceder, chamar os militares, querer de volta uma ditadura. Isso é uma insensatez. Só quem não sabe o que é uma ditadura, só quem não conhece o que significa a brutalidade, a falta de direitos...
Eu estive, há pouco tempo, Senador Paim, com o Ministro do STJ Francisco Falcão. Eu já contei essa história aqui e vou repetir para que se tenha uma ideia do que significa a ditadura.
O Ministro Francisco Falcão, em 1970, era jovem, saiu com a namorada para ir a uma festa e no caminho esbarrou num veículo da rua.
Para má sorte dele, o veículo era de um oficial da Marinha que desceu do carro com arma em punho e o prendeu. Agora, imagine se isso acontecesse nas centenas ou milhares de acidentes que ocorrem em todo o País, a cada dia. Pois ele foi levado preso para o quartel. E o Ministro Francisco Falcão era filho do Ministro Falcão. O jovem que hoje é Presidente do STJ, o pai, na época, era Ministro do Supremo. Agora, se eles faziam isso com o filho de um Ministro do Supremo, imagine com uma pessoa comum do povo. Essa é a imagem da ditadura. E, depois, nós temos que entender...
Vamos aos indicadores sociais. Senador Aureliano, vamos aos indicadores sociais. A democracia melhorou este País, isso está claro. A expectativa de vida do brasileiro hoje é de 74 anos e 9 meses, a mortalidade infantil caiu para 15 por cada mil crianças nascidas vidas, apenas 15. Apenas, não. Ainda é muito. Ainda é consequência da fome, da falta de saneamento. Ainda temos essas perdas, mas nos anos 60 a expectativa de vida era de 44 anos, 45 anos. A mortalidade infantil era acima de 100. Dos anos 80 para cá, a partir da redemocratização, esses dados foram melhorando.
Concedo a palavra, com muita satisfação.
O Sr. Antonio Aureliano (Bloco Minoria/PSDB - MG) - Exmo grande Senador João Capiberibe, digno representante do grande Estado do Amapá, quero dizer a V. Exª que concordo plenamente com as suas colações. V. Exª tem uma lucidez enorme ao colocar este receio. Nada é justificável para sair da democracia, mas eu quero dizer a V. Exª que cabe exatamente à oposição evitar que se volte, porque existe ditadura dos dois lados. E o risco... Na verdade, nós estamos vivendo momentos de admirações pela Venezuela, cada vez mais admirações por Cuba e de admirações também por ditaduras que nós não queremos. E V. Exª tem toda a razão. A preocupação de V. Exª é a preocupação da oposição. Não podemos voltar nunca mais à ditadura, nem de um lado nem de outro, porque, às vezes, a gente sente certa admiração.
Eu perguntaria a V. Exª: Cuba é uma democracia? Venezuela é uma democracia? E nós estamos em uma linha de admiração, dentro de um contexto de admiração. Então eu concordo com V. Exª que houve realmente... Nós estamos melhorando em várias áreas. De uns 30 anos para cá, logo depois da abertura da nova Constituição, eu acho que nós estamos evoluindo. Vejo dessa forma. Mas isto... O receio de V. Exª é o mesmo receio que eu tenho e que grande parte do País tem, porque é pendular. Os dois lados... A ditadura é uma coceira que dá em ambos os lados, e nós temos que evitar essa coceira. V. Exª está corretíssimo. Eu apoio totalmente as colocações de V. Exª, mas também continua... A preocupação de V. Exª é a mesma minha.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Apoio Governo/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Aureliano.
Eu me coloco numa situação até difícil de explicar, de manifestar. Eu não tenho muita identidade ou quase nenhuma identidade com o discurso do Governo e muito menos com o discurso da oposição, não tenho. Eu imaginei e lutei por isso lá nos anos, no início dos anos 90, para que houvesse uma alternância de fato. Democracia pressupõe alternância de poder. E eu queria muito ver este País com uma outra condução. E aí veio a grande vitória, a espetacular vitória de Lula em 2002. Assumiu o governo. Continuou os avanços que tinham sido iniciados, aprofundou os avanços que tinham sido começados com Fernando Henrique. Essa é a grande verdade. Continuou trilhando os caminhos da democracia.
O que nós vivemos hoje não é, digamos, o resultado apenas de um ou de outro governo. É o resultado da construção democrática da sociedade brasileira. Essa é a minha leitura. Daí por que eu tenho dificuldade de me identificar com os discursos da oposição e da situação aqui nesta Casa, até porque nós, no ano passado, vivemos um momento de grande mobilização no País. E eu interpretei, naquele momento - e continuo interpretando -, que a democracia bateu no teto. Mas não significa que a gente tem que retroceder. Significa, para mim, que nós temos que avançar. Senador Paim, nós temos que avançar.
Senador Paim, nós temos que avançar, nós temos de dar resposta aos anseios que vêm da rua. Neste momento está todo mundo aqui muito tenso, muito preocupado com o futuro, porque vão cair no nosso colo, daqui a pouco, as manifestações do Judiciário envolvendo Senadores, envolvendo Deputados, envolvendo autoridades. Aí vamos ter de dar respostas. Talvez eu tenha algumas limitações para falar sobre o que vivi. Fui Governador do Amapá durante oito anos. Tive uma relação muito difícil naquele momento com o Governo, mas prezei tanto a democracia - e prezo -, que me comportei como Governador de oposição e fui tratado como Governador de oposição. Tive oportunidade de fazer algumas denúncias de corrupção sobre as quais que me pediram para silenciar. Disseram: “Por favor, não fale disso.” Então, a corrupção, realmente, aflige a sociedade. Não me parece que o discurso da polaridade seja o melhor discurso para este momento. Acho que precisamos construir alternativas para apresentar à sociedade uma solução, uma definição clara do rumo que precisamos tomar.
É por isso que não me alio ao Governo, muito menos à oposição. Estou aqui na tentativa de construir um caminho pelo centro que possa dialogar com o conjunto da sociedade. Acho que essa, sim, está inquieta e espera da gente uma posição para o próximo ano, porque esta é praticamente a última semana do mês de dezembro em que vamos estar no plenário, pois acredito que na semana que vem já não estejamos aqui, voltando somente em fevereiro. E, quando voltarmos, em fevereiro, vamos ter de encarar essa nova situação, que não é de hoje.
Hoje, temos mais meios, mais mecanismos de identificar a corrupção do que tínhamos no passado. A gente sabe que, no período da ditadura, algum jornalista que denunciasse malversação corria o risco de ser preso. Eu tenho uma situação inusitada, Senador Aureliano. O meu Estado, o Amapá, foi criado por uma Disposições Transitórias da Constituição de 1988. Mas, antes disso, foi governado pelos militares da Marinha. O Amapá foi governado pela Marinha; Rondônia, pelo Exército e Roraima, pela Aeronáutica, Senador Paim.
A herança desses governos das três Forças é que, no Amapá, os governos que passaram por lá - foi mais de um - dotaram o Estado de uma esquadra de navios mercantes. Várias dezenas de embarcações, de pouquíssima utilidade, mesmo naquela época. Ainda há umas lá que nunca funcionaram. Mas eram dezenas de navios, inclusive alguns grandes, para 300 passageiros, 400 passageiros.
Roraima: eles têm uma esquadrilha de aviões. É só perguntar para um Senador de Roraima quantos aviões eles herdaram do período da ditadura militar - são vinte e tantos aviões. Agora, imagina, para que o Estado quer 22 ou 23 aviões?
E Rondônia tinha a maior frota de máquinas pesadas do País, porque lá era o Exército, então havia batalhão de engenharia e máquinas à vontade. Claro, isso não era de conhecimento, porque havia censura, havia restrições à comunicação. Hoje, não. Hoje temos os dados, as informações nos portais de transparência, os gastos públicos estão à mostra. O que precisa é a sociedade ir lá e fiscalizar, acompanhar.
Acho que hoje nós temos muito mais meios de detectar e até de propor novas soluções, porque a corrupção... Nós estamos aqui no Estado Nacional. O Parlamento Nacional se preocupa com a corrupção nacional, mas ela é uma pirâmide. Os Estados brasileiros são praticamente inviabilizados, a maioria dos Estados, porque as assembleias legislativas, as instituições, os Poderes dos Estados gastam uma parcela enorme do Orçamento Público - uma parcela que faz falta para colocar rede de esgoto, que faz falta para colocar água na torneira - porque há uma elite que se apropria desse recurso sem controle.
Então, imagino que nessa crise... A crise sempre dá margem para uma saída melhor. Temos que aproveitar o momento de crise para buscar novos caminhos, para que a gente possa não apenas no âmbito nacional, de ter um controle mais efetivo da corrupção, do desvio, do mau uso do recurso do contribuinte, mas que a gente baixe isso para os Estados e chegue aos Municípios.
Temos que pensar, e aí a gente tem que pedir a colaboração de todos aqueles que nos ouvem. Quem estiver nos escutando neste momento, que tiver uma contribuição a dar, em forma de ideias, de projetos, que nos encaminhe, para que a gente possa transformar em leis, na tentativa de abrir essa nova vereda, que é a vereda da cidadania e de respeito a todos os contribuintes brasileiros.
Muito obrigado, Presidente.