Discurso durante a 186ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogio à decisão do governo uruguaio de abrigar seis ex-detentos prisioneiros da base de Guantánamo, em Cuba, em contraste com as violações aos direitos humanos cometidas pelo governo norte-americano; e outro assunto.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL, TERRORISMO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SEGURANÇA NACIONAL.:
  • Elogio à decisão do governo uruguaio de abrigar seis ex-detentos prisioneiros da base de Guantánamo, em Cuba, em contraste com as violações aos direitos humanos cometidas pelo governo norte-americano; e outro assunto.
Aparteantes
Eduardo Amorim, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2014 - Página 252
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL, TERRORISMO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SEGURANÇA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, OBTENÇÃO, DIREITOS, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, ELOGIO, ATUAÇÃO, MOTIVO, ACOLHIMENTO, PRISIONEIRO, CRIME, TERRORISMO, CRITICA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESCUMPRIMENTO, DIREITOS HUMANOS, TORTURA, DETENTO, ABUSO DE AUTORIDADE.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, REESTRUTURAÇÃO, SEGURANÇA NACIONAL, DEFESA, NECESSIDADE, SUSPENSÃO, ARMAMENTO, POLICIA MILITAR, OBJETIVO, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Aureliano Chaves, que preside esta sessão, quero primeiro dirigir-me ao Senador Eduardo Suplicy, que esteve hoje na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, falando sobre a Mumbuca; conheceu essa experiência.

            Senador Eduardo Suplicy, Maricá, na próxima quinta-feira, vai se transformar na primeira cidade, acima de 100 mil habitantes, a implantar tarifa zero no transporte coletivo. O prefeito criou também uma empresa municipal, rompeu uma lógica de monopólios. Então, há uma experiência muito interessante sendo construída no Município de Maricá. Muito obrigado pela presença do senhor hoje lá no nosso Estado do Rio de Janeiro.

            O Senador Paulo Paim também falou aqui da luta dos autistas e de suas famílias. Falou também em Berenice Piana, que foi uma grande lutadora - nós aprovamos neste Congresso Nacional a Lei Berenice Piana. E quero também cumprimentar o Senador Paulo Paim pelo pronunciamento.

            Quero dizer, antes de começar, Senador Aureliano Chaves, que tive uma relação de amizade com o seu pai. Vários encontros como líder estudantil, depois daquele movimento do impeachment, e tivemos longas conversas, a juventude, com Aureliano Chaves naquele momento. Ele teve um importante papel na história, em todo aquele importante período, dada inclusive a sua ligação com o nosso Presidente Itamar Franco, que assumiu logo depois naquele processo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores, público que nos assiste pela TV Senado e que nos ouve pela Rádio Senado, o Uruguai, nosso querido vizinho, é um país pequeno. Tem apenas 167 mil quilômetros quadrados, sendo menor que o Estado do Paraná. Sua população, de somente 3,5 milhões de pessoas, equivalente à área metropolitana do Distrito Federal, é uma das menores da América continental. No entanto, o que o Uruguai carece de tamanho físico tem de sobra em tamanho político e moral. E não é de hoje, Sr. Presidente.

            Com efeito, o Uruguai, à exceção do período autoritário que viveu, entre as décadas de 70 e 80 do século passado, sempre foi um país que esteve à frente de seu entorno regional, principalmente no que tange à política e à promoção e proteção dos direitos civis de seus habitantes.

            Em 1907, Senador Paim, o Uruguai foi o primeiro país da América Latina a aprovar o divórcio, muitas décadas antes do Brasil e dos demais países da região. Em 1915, bem antes do Brasil e de outras nações sul-americanas, implantou a jornada de trabalho de oito horas. No ano de 1932, tornou-se o segundo país das Américas, após os EUA, a conceder o direito de voto às mulheres. Naquela época, o Uruguai já tinha uma legislação trabalhista e previdenciária semelhante à dos países mais avançados da Europa e desfrutava de um nível de desenvolvimento social e político invejável.

            O Uruguai era chamado, por seus avanços democráticos e por sua estabilidade política, de “Suíça da América do Sul”.

            Seguiu-se, no entanto, em épocas mais recentes, um período de retrocesso autoritário, de estancamentos dos avanços, que só foi efetivamente superado com a ascensão da Frente Ampla, de Tabaré Vázquez e de José Mujica, ao poder. Com esses governantes, Senador Paulo Paim, o Uruguai retornou decididamente à sua tradição de vanguarda política da América Latina.

            Assim, praticamente um século depois da aprovação do divórcio, o Uruguai se tomou, em 2007, o primeiro Estado latino-americano a conceder a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Ainda no que se refere aos direitos dos homossexuais, o parlamento uruguaio abriu as portas para a adoção de crianças por casais gays em 2009. No ano seguinte, o governo decretou o fim da restrição à entrada de homossexuais nas Forças Armadas.

            Há seis anos, o legislativo uruguaio também aprovou a lei que castiga os pais que inflijam punições físicas a seus filhos, atrás apenas de países escandinavos e, outra vez, à frente do Brasil e de outros países da região.

            Questões delicadas da área médica também foram enfrentadas pelos uruguaios. Desde 2009, é permitida a realização da eutanásia, nos casos em que os doentes terminais expressem sua vontade de interromper tratamentos médicos para o prolongamento da vida. Da mesma forma, o aborto foi totalmente descriminalizado em 2012, graças ao projeto de lei proposto por José Mujica.

            Mais recentemente, o mesmo Mujica esteve à frente da descriminalização da venda e do uso, com determinadas regras, da maconha. Embora inevitavelmente polêmica, essa medida revela a coragem uruguaia de tomar medidas avançadas, que saem dos esquadros estreitos dos clichês e dos preconceitos arraigados.

            Pois bem, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, essa mesma coragem, esse mesmo destemor animou mais uma decisão extraordinária do governo uruguaio. Refiro-me à decisão de abrigar no Uruguai seis ex-detentos dessa excrescência chamada Guantánamo. Trata-se de um grupo composto de quatro sírios, um tunisiano e um palestino, que foi trazido ao Uruguai a bordo de um avião militar dos Estados Unidos. É o maior grupo a deixar o campo de concentração de Guantánamo desde 2009 - desde o início de novembro, sete outros presos foram transferidos de Guantánamo, incluindo três para a Geórgia, dois para a Eslováquia, um para a Arábia Saudita e um para o Kuwait. O pequenino Uruguai ficou com a maioria.

            Entre os presos, apenas o tunisiano não teve sua identidade informada. Os demais são Mohammed Tahamatan, palestino de 35 anos; Abu Wael Dhiab, sírio de 43 anos; Abd Hadi Faraj, sírio de 39 anos; Ali al Shabaan, sírio de 32 anos; e Ahmed Adnan Ahjam, sírio de 36 anos. Todos foram capturados na fronteira do Afeganistão com o Paquistão e estavam no “campo de sequestrados” de Guantánamo, incomunicáveis, desde 2002.

            Sr. Presidente, senhoras e senhores, quando uso a expressão “campo de sequestrados”, não estou sendo exagerado ou leviano. Na realidade, estou muito bem acompanhado, nessa conceituação. Foi o próprio José Mujica que, em entrevista ao canal público uruguaio TNU, afirmou que a base de Guantánamo “não é uma prisão, mas um cativeiro para sequestrados, uma vez que uma prisão pressupõe a aplicação de algum sistema jurídico, a presença de alguma fiscalização, as decisões de um juiz, qualquer que seja, mas lá nada disso acontece”.

            Tem toda razão o Mujica. Um preso é normalmente submetido a alguma forma de processo legal. Ele é acusado de algum crime, submetido a um julgamento, de preferência com direito à defesa, e, conforme o desfecho, o acusado é condenado ou libertado.

            Mesmo em ditaduras, há, muitas vezes, arremedos de processo legal. Na ditadura militar brasileira, por exemplo, os que sobreviviam à tortura eram enquadrados em algum dispositivo da terrível Lei de Segurança Nacional, julgados por tribunais de exceção e condenados às penas correspondentes. Em Guantánamo, nem isso há. Os sequestrados que por lá passaram nunca foram acusados formalmente de nada, nunca foram a julgamento, mesmo depois, Senador Paulo Paim, de 12 anos.

            Os 775 sequestrados que por lá passaram, ou ainda passam, estavam ou ainda estão num conveniente limbo jurídico. Não são réus. Não são acusados. Não são prisioneiros de guerra. Não são sequer seres humanos. São simplesmente “terroristas”. Seres que, de acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, estão aquém dos direitos humanos e até do direito humanitário, que protege os prisioneiros de guerra contra a tortura e outros maus-tratos.

            A famosa Convenção de Genebra não chega a Guantánamo, apesar da decisão da Suprema Corte dos EUA, que decidiu que a Convenção se deveria aplicar aos sequestrados de Guantánamo. Eles, os sequestrados, são menos que animais, pois estes são protegidos nos EUA contra maus-tratos. E são tratados como tal. Como menos que bichos. Guantánamo, até Obama chegar à presidência, era, além de um campo de sequestrados, um campo de tortura, como Abu Ghraib e vários outros. Há testemunhos sólidos e incontestáveis.

            O soldado norte-americano Brandon Neely, por exemplo, que serviu por seis meses em Guantánamo, decidiu levar a público as barbaridades que viu e de que participou no campo dos Estados Unidos da América localizado em território cubano. Brandon, que começou a trabalhar em Guantánamo em janeiro de 2002, revelou ao público aquilo que denominou de uma série de violações aos direitos humanos cometidas pelo Exército: a chegada de detentos em jaulas, abuso sexual cometido por médicos, afogamento, espancamentos brutais que deixavam o chão encharcado de sangue, desrespeito a práticas religiosas - como fazer o detento muçulmano comer carne de porco ou assistir a profanações do Corão -, detenções de criança etc. Ele também presenciou a primeira entre as muitas greves de fome no local.

            Na semana passada, Senador Paulo Paim, na terça-feira ou na segunda, a Comissão de Inteligência do Senado dos Estados Unidos divulgou um extenso relatório que prova que o governo norte-americano praticou sistematicamente, e de forma extensa, tortura contra prisioneiros acusados de terrorismo e contra soldados inimigos. Guantánamo é o ponto central desse relatório.

            Esse relatório, Senador Paulo Paim - e eu passo, daqui a pouco, a palavra a V. Exª -, levou cinco anos para ser feito por essa comissão do Senado e tem mais de seis mil páginas. Foram divulgadas 524 páginas.

            Entre os métodos descritos pela comissão do Senado estão banhos de gelo, isolamento, torturas psicológicas e ameaças de morte. Alguns dos presos chegaram a ser deixados durante dias dentro de compartimentos que lembravam um caixão. Ao menos cinco detentos foram submetidos a procedimentos de reidratação ou alimentação retal sem necessidade médica, técnica classificada pelo chefe de interrogatórios da CIA como forma de impor “controle total sobre o prisioneiro”.

            Ao todo, diz o relatório, 119 prisioneiros passaram pelas instalações secretas da CIA - não só Guantánamo - a partir de 2002. Destes, 26 foram detidos sem se enquadrarem nos critérios do “Memorando de Notificação”, assinado pelo presidente George Bush, em 2001, que autorizava a agência a capturar indivíduos envolvidos com atividades terroristas. “Esses presos incluíam um homem com deficiência mental, cuja detenção foi usada com o único propósito de fazer com que um membro da sua família fornecesse informações” - afirma o relatório, que é da comissão do Senado.

            Os registros da CIA mostram que 39 prisioneiros foram torturados. Diante dos abusos, muitos deles deram informações falsas aos agentes, levando a operações fracassadas. Sete não revelaram nenhuma informação.

            Ainda de acordo com o relatório, o comitê reviu os 20 principais exemplos de operações bem-sucedidas contra o terrorismo. Isso é muito interessante, porque eles dizem que, a partir dessa tortura, tinham operações bem-sucedidas. O relatório do Senado mostra que não. Ele reviu todas essas operações usadas pela agência para justificar os interrogatórios e descobriu que eles “estavam errados em aspectos fundamentais”.

            Apesar disso, o alto escalão da CIA ressaltava a importância do programa para as operações, tanto em relatórios confidenciais para o governo quanto em discursos públicos. Um exemplo disso é a operação que levou à morte de Osama Bin Laden, em maio de 2011. Os registros mostram que a informação mais importante para o caso foi dada por um prisioneiro antes que ele fosse submetido à tortura.

            Isso é muito interessante, porque mostra que não é verdade que as operações bem-sucedidas foram aquelas em que pessoas foram submetidas à tortura.

            Mas eu volto a falar de Guantánamo. Guantánamo, Senador Paulo Paim, supera, assim, os piores pesadelos imaginados por Kafka. Lá, os homens são insetos submetidos a processos incompreensíveis e esmagadores.

            Sr. Presidente, é inconcebível que Obama, que assinou, em 22 de janeiro de 2009, a Executive Order que mandava fechar o campo de sequestrados no prazo de um ano, até agora não tenha conseguido o seu intento. Já se passaram praticamente seis anos, Sr. Presidente!

            As resistências foram e são muitas, no Congresso dos Estados Unidos e fora dele. É possível entender a razão: uma revisão dos casos dos prisioneiros de Guantánamo, feita pela administração de Obama, chegou à conclusão de que, caso houvesse a instauração de processos legais contra os sequestrados, apenas 20, entre os 775, poderiam ser efetivamente condenados. Contra a esmagadora maioria que lá estava, não havia provas ou evidências que possibilitassem uma condenação. Daí a conveniência desse terrível e kafkiano limbo jurídico.

            Sr. Presidente, há muito casos de condenação sem provas, inclusive aqui no Brasil. Mas os Estados Unidos inovaram: inventaram a condenação sem acusação. Não se trata mais do uso indevido do “domínio de fato”; trata-se do uso abusivo do “fato do domínio”. Os Estados Unidos da América são a única superpotência do Planeta, dominam amplamente e agem como se estivessem acima das convenções internacionais, do direito internacional público. Sobretudo, agem com indisfarçável hipocrisia. Condenam regimes que lhes são inconvenientes com base na “proteção dos direitos humanos”, mas negam a seus perseguidos direitos que não negados sequer aos animais.

            Mas Obama, Sr. Presidente - e eu passo logo depois ao Senador Paulo Paim, ao qual agradeço a presença, acompanhando...

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Para o aparte, não há nenhuma pressa. Eu acho que é importante que V. Exª conclua todo o seu pensamento, porque está dando aqui um conhecimento ao País de uma situação que muitos desconheciam. Parabéns a V. Exª.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

            Mas Obama, justiça seja feita, quer de fato fechar Guantánamo. As recentes liberações de sequestrados fazem parte de uma estratégia de esvaziar, literalmente, o campo de Guantánamo para, posteriormente, fechá-lo em definitivo. Por isso, Clifford Sloan, funcionário do Departamento de Estado americano que negociou a transferência dos sequestrados para o Uruguai em janeiro deste ano, disse: “Estamos muito gratos ao Uruguai por essa ação humanitária importante. O apoio que estamos recebendo de nossos amigos e aliados é fundamental para que alcancemos o objetivo comum de fechar Guantánamo, e esta transferência é um marco importante”.

            Entende-se: Guantánamo tornou-se uma nódoa para a consciência mundial. É um crime monumental que não deu nenhuma contribuição para o “combate ao terrorismo”. Acima de tudo, Guantánamo tornou-se um enorme e inútil embaraço para a única superpotência do Planeta. Daí a pressa atual em fechá-lo, transferindo o problema para outros países. Há malícia, portanto, nessa súbita “ação humanitária”. Além de transferir os “indesejados” para outros países, os Estados Unidos querem evitar possíveis ações futuras por violações de direitos e reparações de danos.

            Ainda assim, a “ação humanitária” é temperada por reivindicações escabrosas. Mujica revelou que os Estados Unidos da América fizeram um pedido para que os detentos permanecessem ao menos dois anos em uma prisão uruguaia. O Uruguai, obviamente, rejeitou o pedido hipócrita e absurdo. Mujica afirmou que acolhe os ex-detentos como refugiados e homens livres, e que eles poderão deixar o Uruguai “no dia seguinte, se assim desejarem”.

            Sr. Presidente, mesmo com essas recentes liberações propiciadas pela “ação humanitária” tardia dos Estados Unidos, permanecem em Guantánamo 136 sequestrados, mantidos incomunicáveis em suas masmorras. Assim, a abjeta agressão dos Estados Unidos contra os princípios mais elementares dos direitos humanos e do direito humanitário continua. E continua não apenas em Guantánamo. Guantánamo é somente a face mais evidente e chocante de uma política externa baseada no unilateralismo, no desrespeito às instituições multilaterais, no recurso reiterado da força militar para resolver conflitos e no uso hipócrita da questão dos direitos humanos e da democracia para perseguir e condenar quaisquer regimes que se queira destruir.

            Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Ucrânia, Palestina revelam um padrão desastrado e destruidor de intervenções feitas em nome da democracia e dos direitos humanos. Um padrão que acirra conflitos pré-existentes e que sacrifica os direitos humanos e a paz que afirmam defender. Guantánamo é a penas um sintoma, o nome da doença é “arrogância imperial”.

            Sr. Presidente, eu vou para o fim do meu discurso dizendo que, ao contrário do pequenino Uruguai, os Estados Unidos são o quarto maior país do mundo, têm mais de 300 milhões de habitantes. Os Estados Unidos são, também, a maior economia do Planeta e a grande potência militar do mundo. Mas o que sobra em tamanho e poder aos Estados Unidos lhes falta em envergadura moral para se converterem em verdadeiros líderes. Lidera-se, sobretudo, pelo exemplo, e não pela força.

            Nesse sentido, o pequenino Uruguai de José Mujica tem mais liderança legítima que o colosso arrogante e hipócrita presidido por Obama. No cenário simbólico mundial, o modesto Davi uruguaio está ganhando de goleada do Golias norte-americano. E está ganhando sem atirar nenhuma pedra. O Uruguai ganha atirando belos exemplos para o mundo.

            Muito obrigado.

            Passo, imediatamente, para o Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Lindbergh Farias, permita que eu comece o meu aparte saindo do eixo do seu pronunciamento.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro, Senador.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E sabe o que eu vou dizer? Vou dizer que o Rio de Janeiro entendeu que, neste momento, V. Exª não precisava ser governador daquele Estado, porque o povo do Rio de Janeiro não queria abrir mão de V. Exª aqui no cenário desta Casa do Senado da República. V. Exª, toda vez que vai à tribuna - e falo isso porque muita gente assiste aos seus discursos e adora... Eu queria dizer a essas pessoas que, em todas as vezes que o senhor subir à tribuna, elas devem parar para ouvir e olhar um grande pronunciamento; um pronunciamento corajoso, autêntico, verdadeiro e com conteúdo. É o discurso a que assistimos de V. Exª nesta tarde, pegando um exemplo aqui do lado, do nosso Uruguai, que está fazendo uma verdadeira revolução, como diz V. Exª, muito bem, sem jogar uma pedra. Eu diria mais, até alcançando flores. Mujica, no Rio Grande, é uma liderança incontestável - lá no meu Rio Grande! -, reconhecidíssimo por tudo que fez e que, tenho certeza, o sucessor, apoiado por ele, há de continuar fazendo. Tenho assistido ao debate dessa questão específica de Guantánamo e ao apelo que Barack Obama faz para que outros países aceitem, em tese, os presos que estão lá em uma situação de tortura. Nós dizemos sempre: tortura nunca mais, em nenhum país do mundo, porque temos uma visão universal dos direitos humanos, que V. Exª também tem. Oxalá o Brasil siga alguns exemplos do nosso querido Uruguai, aqui do lado, e participe dessa cruzada internacional dos direitos humanos para que, de uma vez por todas, fechem-se os cárceres em Cuba liderados pelos Estados Unidos. Este é o meu aparte. É muito mais para cumprimentar V. Exª pela coragem, pela garra, pela firmeza, que fazem com que eu, um pouco mais velho, lembre-me do líder dos Caras Pintadas no Brasil: V. Exª. Ainda hoje, pela manhã, na Comissão de Direitos Humanos, eu dizia que queria que tivessem surgido alguns líderes na jornada de junho. Não consegui enxergá-los, mas gostaria muito! V. Exª é fruto de uma grande jornada da Nação brasileira, do povo brasileiro, de uma grande caminhada em defesa da própria democracia. O seu exemplo na Casa é algo que nos deixa feliz. E é exemplar para que outros jovens que estão assistindo a V. Exª, neste momento, vejam na política um caminho, o caminho da transformação, da mudança e da revolução que o Uruguai está fazendo. Parabéns a V. Exª.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu que agradeço, Senador Paulo Paim. Agradeço a gentileza, a generosidade.

            Devo dizer que V. Exª é que é uma referência para nós, porque V. Exª, com as suas bandeiras de direitos humanos, defesa dos trabalhadores, demonstra para nós da esquerda do PT que nós não podemos perder o caminho das nossas origens, o que nos levou a entrar nessa luta.

            Acho que V. Exª é - e não digo isso para retribuir o elogio -, talvez, entre todos nós aqui no Parlamento, o que mantém a maior coerência com as suas origens. Então, V. Exª é um alerta também para nós, militantes desse Partido, o Partido dos Trabalhadores, porque nós não podemos nos afastar das nossas lutas originárias.

            E V. Exª conquistou algumas vitórias. Defendeu, aqui, o fim do fator previdenciário, sozinho, durante muito tempo. E sei da satisfação de V. Exª ao ver aprovado, na última reunião da direção do PT, esse ponto, que é uma bandeira, agora, a ser defendida por todo o Partido.

            Então, quero retribuir, de fato, e dizer que o Mujica virou essa referência para a juventude, para uma gente que quer mudança no mundo, no País. Acho que seria muito bom agora, inclusive com o fim do seu mandato, tentarmos trazê-lo à Comissão de Direitos Humanos. Essa pode ser uma iniciativa.

            E eu quero me associar a V. Exª, também, na discussão com o Governo brasileiro, porque acho que o Governo brasileiro pode, assim como fez o Uruguai, fazer um gesto humanitário, igualmente, de acolher prisioneiros de Guantánamo. Isso o Brasil pode fazer, e acho que seria um passo importante. Quando tivermos a oportunidade de discutir isso com o Ministério de Relações Exteriores, acho que essa é uma pauta que tem que ser tratada.

            Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

            Passo a palavra ao Senador Eduardo Amorim.

            O Sr. Eduardo Amorim (Bloco União e Força/PSC - SE) - Senador Lindbergh, só para ser solidário com o pensamento do Senador Paim, quero dizer que também é muita coragem de V. Exª trazer esse tema. Mas o senhor nos faz lembrar, também, o tempo todo, Senador Paim: poderíamos ser nós, também, um exemplo. Poderíamos ser nós - o Brasil ser esse exemplo e estar liderando, realmente, no mundo, ou na América Latina, ou na América como um todo, dando esse bom exemplo. Sei que esses países geograficamente menores esperam de nós brasileiros esse exemplo. Mas que pena que nós não temos esse exemplo para dar! Ao contrário. Hoje, um seminário importante no nosso Estado mostra que o Brasil tornou-se um dos países mais violentos do mundo, Senador Paulo Paim, lamentavelmente. Então, os desafios são muitos. Quando vejo o senhor citar o Uruguai como bom exemplo, fica aqui aquela boa inveja, porque ainda há muito que se fazer. Mas o parabenizo pelo discurso corajoso e pela lembrança, pela reflexão que nos traz aqui nesta hora da noite e de forma permanente, porque não é só hoje, sobre momentos como hoje. Ainda há muita coisa a trilhar. Este País tem jeito, mas o jeito quem dá somos nós com as nossas escolhas, com as nossas opções. Eu acredito muito nele. Assim como Mujica sempre acreditou no seu Uruguai, acreditemos nós também num Brasil melhor. Parabéns pelo corajoso discurso.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Eduardo Amorim.

            Eu queria só lembrar que acho que a Comissão Nacional da Verdade teve uma importância no relatório apresentado por olhar o passado, responsabilizar quem cometeu crimes no passado, mas também de olhar para o futuro.

            Eu queria destacar, Senador Eduardo Amorim, um ponto como muito importante: a recomendação da discussão da desmilitarização das nossas polícias. Nós temos hoje no Brasil uma máquina em que temos a polícia que mais mata e que mais morre; os policiais estão sendo vítimas também.

            No domingo, no Rio de Janeiro, teve uma passeata, na praia do Rio de Janeiro, de familiares de policiais mortos. Por outro lado, está tendo uma política de extermínio da juventude negra no nosso País, genocídio, extermínio, por uma política de guerra às drogas que não está funcionando em canto algum do mundo. Essa juventude negra, Senador Paulo Paim, está morrendo na mão da polícia, na mão de traficante, na mão de miliciano. Há uma campanha da Anistia Internacional agora. Então, eu acho que nós temos que fazer isso avançar, é preciso uma outra preparação da nossa polícia. A polícia não pode estar preparada apenas para o combate, como se fosse o Exército; a polícia tem que estar preocupada em proteger o cidadão. Então, eu acho que nós temos que avançar.

            Eu sou autor da PEC nº 51, que fala da reestruturação da segurança pública brasileira, fala da desmilitarização, mas fala também do ciclo completo porque só no Brasil existe essa situação em que a Polícia Militar faz o trabalho ostensivo e preventivo e não faz a investigação, a investigação é a outra polícia. Não existe isso em lugar algum do mundo. Quem assiste a qualquer seriado na televisão vê que é o policial que está na ponta, fazendo o policiamento ostensivo, que começa a investigação. Então, nós temos que mudar a estrutura de segurança pública do nosso País porque do jeito que está nós vamos continuar matando os nossos jovens, em especial os jovens negros.

            Está ali, o Senador Eduardo Amorim mostra o jornal, que diz que homicídios no Brasil matam 400% mais do que na Europa inteira.

            Infelizmente, quem mais sofre, Senador Paulo Paim, e é outra pauta sua, é essa juventude, principalmente a juventude que mora nas comunidades, no subúrbio, na periferia: 70%, jovens negros.

            É isso que temos que mudar. Por isso, parabenizo a Comissão da Verdade, por entrar nesse ponto. E o Brasil vai ter que enfrentar essa discussão.

            Muito obrigado aos senhores.

            Muito obrigado pela tolerância de V. Exª.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2014 - Página 252