Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a grave estiagem que acomete o Rio São Francisco e expectativa quanto à implementação de ações que visem à sua recuperação ambiental.

Autor
Benedito de Lira (PP - Progressistas/AL)
Nome completo: Benedito de Lira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE.:
  • Preocupação com a grave estiagem que acomete o Rio São Francisco e expectativa quanto à implementação de ações que visem à sua recuperação ambiental.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2014 - Página 712
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, SECA, POLUIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, DEFESA, RACIONALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, AGUA, POLITICAS PUBLICAS, FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ENFASE, DECRETAÇÃO, ESTADO DE EMERGENCIA, CALAMIDADE PUBLICA, MUNICIPIOS, BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, PREJUIZO, AGRICULTURA, PECUARIA, MARGEM, PESCA, POSSIBILIDADE, AUSENCIA, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, USINA HIDROELETRICA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), INTERRUPÇÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, FOZ, INVASÃO, MAR, ESTADO DE ALAGOAS (AL), IMPEDIMENTO, NAVEGABILIDADE, TRANSPORTE, DESMATAMENTO, VEGETAÇÃO, PROXIMIDADE, RIO, CRITICA, NEGLIGENCIA, PODER PUBLICO.

            O SR. BENEDITO DE LIRA (Bloco Maioria/PP - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me faz vir à tribuna na tarde de hoje é tratar de um assunto que não é recorrente aqui, nesta Casa, apesar de ser da maior importância para a vida de uma região do Brasil. Infelizmente, ele não tem sido objeto de preocupação do Senado Federal. Sr. Presidente, eu venho tratar hoje de um assunto que diz respeito àquele que, num passado não muito distante, foi um dos maiores rios do País e que hoje passa por inúmeras dificuldades. Reporto-me ao Rio São Francisco, que ocupa lugar de destaque tanto no imaginário quanto na realidade nacional, constituindo patrimônio vivo da história e da cultura do nosso País.

            O Velho Chico, como é conhecido, o rio da unidade nacional, aquele que com suas águas integra Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, se encontra em processo de rápida depreciação. A precariedade atual do São Francisco não se iniciou nas últimas gestões públicas, mas não podemos ignorar que, nos últimos anos, a sua deterioração tem adquirido níveis assustadores.

            Sou daqueles que defendem o uso racional das águas do São Francisco e das políticas públicas que favoreçam os sertanejos do Nordeste.

            O quadro é grave, Sr. Presidente.

            De acordo com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a seca que assola hoje o São Francisco é a pior dos últimos cem anos.

            Não por acaso, o Velho Chico nasce precisamente na Serra da Canastra, centro-oeste de Minas Gerais. São quase 3 mil quilômetros que cortam cinco Estados, até desaparecer nas águas do Oceano Atlântico, na divisa de Alagoas com Sergipe, todos afetados pela implacável estiagem.

            Onde sempre houve fartura, agora há escassez: 85 cidades da Bacia do São Francisco já decretaram situação de calamidade pública e de estado de emergência por causa da seca.

            Como se sabe, o maior rio do Nordeste, o São Francisco, exerce função econômica crucial na região, oferecendo historicamente seu leito para sobrevivência de milhares de famílias locais, ainda que as barragens de Paulo Afonso, Sobradinho e Xingó tenham, em larga medida, subtraído das águas do Velho Chico a força caudalosa de tempos atrás. Aliás, a Usina Hidrelétrica de Xingó se instala exatamente na divisão dos Estados de Alagoas e Sergipe.

            Nesse contexto, Sr. Presidente, quando a estiagem fora de época que ora assola o País atravessa regiões outrora abundantes em água, o São Francisco não escapa da mira nacional como potencial emblema para esse drama ambiental mais recente. Imaginem, portanto, os efeitos sociais devastadores que um provável colapso no curso do rio pode provocar no povo nordestino!

            Como bem frisei há pouco, a agonia do São Francisco percorre desde a nascente, na Serra da Canastra, até à foz, entre Alagoas e Sergipe, descortinando um cenário assustador. A outrora fartura de água converteu-se em escassez, Sr. Presidente. Famílias ribeirinhas tiveram de se deslocar, e por onde passavam barcos agora passam automóveis. Em verdade, trata-se dos efeitos da pior seca dos últimos cem anos, agravada pela ação do homem e pelos desatinos de governantes.

            Em meio a tanta abundância em recursos naturais há bem pouco, as cenas, impensáveis até bem pouco tempo, hoje chocam. O Rio São Francisco está morrendo, o rio está desidratado, o rio está maltratado. Nem sequer aquela prática tradicional de captar água para levar à casa das pessoas está mais assegurada. Tampouco há água para irrigar as pequenas plantações à margem do rio.

            Em Minas Gerais, a Barragem de Três Marias foi construída para armazenar 19,5 bilhões de metros cúbicos de água, mas, agora, o volume útil chegou a menos de 3% da sua capacidade. Ela pode parar de gerar energia elétrica a qualquer momento e cortar o fluxo de água rio abaixo, deixando 122 Municípios em risco de desabastecimento. Tal catástrofe pode acontecer em razão de que um trecho de 40 quilômetros do Rio São Francisco pode simplesmente secar de vez.

            Representantes do Comitê dos Afluentes do Rio São Francisco não se pejam de admitir que cidades nesta região com mais de cem anos de existência nunca se depararam com o atual curso de água cortado, com o dramático desabastecimento de água que ora se vivencia. As raízes das palmeiras buritis já estão expostas faz tempo.

            Desse modo, a estiagem tem afetado intensamente a já castigada economia local. Com o nível da água baixo, os peixes vão embora, e os turistas desaparecem. Em alguns pontos do rio, por causa das pedras, o motor dos barcos não pode mais ser ligado. É possível desembarcar e caminhar, uma cena antes impensável. Além disso, a poluição e o assoreamento contribuem para tornar o Rio São Francisco cada vez mais raso. Setenta e sete por cento das águas que saem do leito vão para a agricultura e pecuária. Os ambientalistas não têm dúvidas: estão exigindo demais do Velho Chico.

            Na Bahia, o desalento não é menor. Quando costumava estar cheio, o Lago de Sobradinho, o maior do São Francisco, ocupava um espaço do tamanho da Baía de Guanabara. Hoje, está irreconhecível, pois já encolheu 80%, já perdeu 80% de sua capacidade. As árvores da Caatinga submersa reapareceram, e comunidades que ficavam na beira da represa agora dependem do caminhão-pipa. Vejam que calamidade estamos a enfrentar!

            A água que não chega a Sobradinho também falta em grande parte do leito do São Francisco. Segundo moradores da região, está muito difícil de navegar nos trechos onde balsas fazem a travessia de carros. Está tudo encalhando pelo leito do rio. As margens se transformaram em paredões de terra, e o gado que desce em busca de água para matar a sede não consegue voltar. Muitos estão morrendo. O peixe também se torna raridade. Quase nove mil pescadores dependem do Rio São Francisco.

            Mesmo com pouca água, a barragem de Sobradinho, até agora, está conseguindo liberar a vazão mínima para garantir a geração de energia rio abaixo.

            Em Alagoas, o Velho Chico chega ao fim de sua longa viagem sem nenhuma força. Na foz, ele, que empurrava o mar, deixa-se invadir hoje pelas águas salgadas.

            Tão devastador quanto é tomar conhecimento de que o porto da única hidrovia que transportava grãos, entre Ibotirama e Juazeiro, há três meses parou de operar. Da divisa da Bahia com Minas Gerais até o Município de Xique-Xique, em vários pontos, o assoreamento impede o rio de correr.

            Sem dúvida, um dos motivos desse cenário assustador é a destruição das matas ciliares. Elas foram destruídas em mais de 80% de toda a extensão do rio. Pelas leis ambientais, as margens de rios como o São Francisco deveriam dispor de uma proteção de pelo menos cem metros de mata em cada lado. Mas os pastos avançam até a calha, e o desbarrancamento tem avançado tanto, que comunidades situadas a um quilômetro da água agora estão a 30 metros, no máximo.

            Sr. Presidente, os projetos de revitalização que preveem o replantio das matas ciliares até agora não plantaram uma árvore. É preciso agora, finalmente, prestar atenção na realidade de que o São Francisco precisa efetivamente de ações de recuperação ambiental.

            Ao Poder Público, obviamente, deveria competir a busca de políticas e de engenharias que recuperassem condições satisfatórias de aproveitamento fluvial, tanto economicamente quanto ambientalmente. Mas, infelizmente, não tem sido assim. Pelo contrário, o descaso, a indiferença ou mesmo o conluio criminal, em detrimento do Rio São Francisco, prevalecem como eixo político ao redor do qual as autoridades públicas movem suas diretrizes.

            Como bem alertam os ambientalistas, essa grande estiagem atual é, antes de tudo, uma questão climática. Afinal de contas, a quantidade de chuva na região do São Francisco está abaixo da média histórica há três anos. Somente isso bastaria para justificar o aproveitamento dessa grave conjuntura para realizarmos o Pacto das Águas. Trata-se, em outras palavras, de uma forma inteligente e eficaz de angariar e de integrar ações governamentais no sentido da revitalização do Rio São Francisco.

            Para concluir, Sr. Presidente, nada mais oportuno que não somente as autoridades governamentais, mas sobretudo a sociedade brasileira se conscientizassem da dimensão catastrófica que se nos avizinha, se não tomarmos providências urgentes para a recuperação do Rio São Francisco.

            No caso de Alagoas, por fim, temos de nos unir aos demais Estados da Federação por onde as águas do Velho Chico correm, para que juntos encontremos fórmulas econômicas, sociais e ambientais mais justas e adequadas para resgatarmos de vez a vitalidade do maior patrimônio fluvial do Nordeste.

            Sr. Presidente, a Chesf, Sobradinho e Xingó se instalaram, essas três barragens, para construirmos nelas o desenvolvimento do Nordeste, mas, infelizmente, nem Sobradinho nem Chesf nem Xingó têm qualquer tipo de responsabilidade pelo que aconteceu com o Rio São Francisco. As suas águas foram barradas, o fluxo acabou definitivamente. Isso é absolutamente estranhável, mas é verdade.

            Cito o exemplo do Município de Piranhas, no alto Sertão de Alagoas, uma cidade maravilhosa do Sertão, banhada pelo Rio São Francisco. Hoje, nós saímos de Alagoas, do Município de Piranhas, para o Estado de Sergipe atravessando o Rio São Francisco a pé. Era absolutamente impossível pensar nessa hipótese! Ao atravessarmos a ponte do Rio São Francisco que liga Alagoas a Sergipe, ao ficarmos lá em cima e olharmos para baixo, verificávamos que a velocidade do rio era assustadora. Hoje, praticamente, os olhos não enxergam a água se mexer.

            Então, é preciso que haja uma providência por parte das autoridades constituídas, meu caro Delcídio. V. Exª é originário de uma região, graças a Deus, muito bem servida de água. Nós tínhamos o maior orgulho do Brasil e do Nordeste brasileiro, que era o Rio São Francisco. Mas estamos na iminência de ver uma catástrofe acontecer naquela região, o que vai parar o Nordeste e acabar com aquela região, que já é discriminada, que já é difícil, que já é de pouco desenvolvimento.

            Infelizmente, nós não temos tido essa preocupação. Temos nos preocupado com muita coisa. Não me estou referindo aos recentes governos. Ao longo da história deste País e ao longo do nascimento do Rio São Francisco na Serra da Canastra, ninguém tomou qualquer providência para protegê-lo, para que a gente pudesse continuar vendo aquela maravilha da natureza proporcionando desenvolvimento, progresso e bem-estar à sociedade nordestina. É lamentável, mas esse é o quadro.

            Eu espero que o Governo da Presidenta Dilma, que se reinstalará a partir de 1º de janeiro, possa, através do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos que têm a responsabilidade de cuidar do meio ambiente neste País, encontrar caminhos para olharmos para o grande Rio da Unidade Nacional, o Velho Chico, o Rio São Francisco.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2014 - Página 712