Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para as recomendações à sociedade e ao Estado brasileiro elencadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade; e outro assunto.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Destaque para as recomendações à sociedade e ao Estado brasileiro elencadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2014 - Página 333
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, RELATORIO, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE, HISTORIA, BRASIL, MANUTENÇÃO, DEMOCRACIA, MOTIVO, PRESENÇA, ATUALIDADE, AUTORITARISMO, SOCIEDADE, POLITICA, OCORRENCIA, JAIR BOLSONARO, OFENSA, MARIA DO ROSARIO, DEPUTADO FEDERAL, SESSÃO, CONGRESSO NACIONAL, NECESSIDADE, PUNIÇÃO, FALTA, DECORO PARLAMENTAR, ENFASE, COMISSÃO, RECOMENDAÇÃO, MEDIDA, EXTINÇÃO, CARACTERISTICA, MILITAR, POLICIA MILITAR, ESTADOS, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL, ELIMINAÇÃO, AUTO DE INFRAÇÃO, RESISTENCIA, PRISÃO, SUBSTITUIÇÃO, LESÃO CORPORAL, MORTE, DERIVAÇÃO, INTERVENÇÃO, POLICIAL, REVOGAÇÃO, LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, SUPRESSÃO, LEGISLAÇÃO, REFERENCIA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, HOMOSSEXUAL, INCLUSÃO, LEGISLAÇÃO FEDERAL, CRIME, OPOSIÇÃO, HOMEM, DESAPARECIMENTO, REESTRUTURAÇÃO, SISTEMA, SEGURANÇA PUBLICA.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, CONFLITO, POLICIAL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REESTRUTURAÇÃO, MODELO, POLICIA, EXTINÇÃO, CARACTERISTICA, MILITAR, POLICIA MILITAR, EXIGENCIA, POLICIAMENTO OSTENSIVO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL, DEFINIÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VALORIZAÇÃO, MUNICIPIOS, PROVISÃO, SEGURANÇA PUBLICA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, SEGURANÇA, CRIAÇÃO, DIRETRIZ, INSTRUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, CONTROLE EXTERNO, UNIFICAÇÃO, CARREIRA.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Flexa Ribeiro, que está passando a condução dos trabalhos para o Senador Randolfe Rodrigues, que falou sobre a Comissão da Verdade. E o meu pronunciamento, Senador Randolfe Rodrigues, é no mesmo sentido, porque a Comissão Nacional da Verdade encerrou, no dia de hoje, os seus trabalhos.

            O relatório entregue à Presidenta Dilma e à sociedade descreve, minuciosamente, as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. E, de forma inédita, elenca os agentes públicos responsáveis por essas violações, exigindo sua responsabilização.

            Direito à verdade é direito à memória histórica. Na história da humanidade sempre houve certa tensão entre a memória e o esquecimento. Os críticos à comissão se valem dessa tensão. Enxergam em seus trabalhos, equivocadamente, revanchismo e vingança. A eles temos a dizer, simplesmente, que a verdade liberta e que reconciliação política só é digna desse nome quando fundada no máximo de conhecimento possível sobre a memória histórica. Só quando o esquecimento cede à memória, restaurando a verdade, é que se transita da escuridão para a luz.

            Em sua conformação atual, o direito à verdade se consolida em diversos países, a partir das experiências de superação de regimes ditatoriais, nas décadas de 80 e 90.

            A história do nosso País carrega, é claro, suas singularidades. Levamos 27 anos após o fim da ditadura para instalar a comissão. Mas o exercício coletivo do direito à verdade não se encerra com a comissão.

            Como bem lembrou seu coordenador Pedro Dallari, a entrega do relatório não marca o início, tampouco o fim desse trabalho. Trata-se, na verdade, de um exercício permanente de vigília de toda a sociedade e do Estado brasileiro contra o autoritarismo, a repressão, as violações aos direitos humanos, que começa na transição para a democracia e se estende até os dias de hoje. 

           A restauração da verdade histórica implica reconhecer, sem meias palavras, que parte significativa da sociedade brasileira, as Forças Armadas e diversas outras instituições, sustentou um regime odioso, privador de liberdades e violador dos direitos humanos.

           Lembrar esse fato é pedagógico. Ao passar a limpo os mecanismos políticos e institucionais que permitiram a ascensão do autoritarismo, estamos nos prevenindo, coletivamente, exercendo uma espécie de vigília permanente em favor da liberdade. Isso para que a sociedade olhe para o seu presente e possa identificar o tanto de ditadura que ainda persiste entre nós, para que se previna e combata qualquer indício de autoritarismo e violação às liberdades públicas e aos direitos humanos.

           Os resquícios do autoritarismo ainda são muitos em nossas instituições, em nossa cultura política. O exemplo lamentável foi o episódio de ontem, quando, em sessão do Congresso Nacional, o Deputado Jair Bolsonaro ofendeu de forma grave e criminosa até a Deputada Maria do Rosário, em franca violação do necessário decoro parlamentar. Trata-se de uma postura extremamente machista e violenta, infelizmente, ainda presente na sociedade brasileira e que merece todo o nosso repúdio.

           É fundamental punir o Parlamentar por quebra de decoro, para que se previna a ocorrência de situações como essa. Mas há também resquícios institucionais importantíssimos, entulhos autoritários que ainda temos de remover da legislação e de nossas instituições.

           O caminho para a consolidação do Estado democrático de direito é longo. Com o intuito de prevenir a ocorrência de graves violações dos direitos humanos, assegurar a sua não repetição e promover o aprofundamento do Estado democrático de direito e cumprimento do mandamento legal que lhe outorgamos, a Comissão aprovou uma série de recomendações à sociedade e ao Estado brasileiro.

           Ao lado de recomendações institucionais, Senador Randolfe, como a punição das violações de direitos humanos cometidas, encontram-se propostas de alteração legal ou constitucional. Eu gostaria de destacar aqui algumas dessas recomendações, acompanhadas da justificativa formulada pela própria Comissão.

            Desmilitarização das Polícias Militares Estaduais. A Comissão reconhece que a atribuição de caráter militar às Policias Militares Estaduais, bem como a sua vinculação às Forças Armadas, emanou de legislação da ditadura militar, que restou inalterada na estruturação da atividade de segurança pública fixada na Constituição brasileira de 1988. Essa anomalia vem perdurando, fazendo com que parte das forças de segurança estaduais funcione a partir desses atributos militares, incompatíveis com o exercício da segurança pública no Estado democrático de direito, cujo foco deve ser o atendimento ao cidadão. Torna-se necessário, portanto, promover as mudanças constitucionais e legais que assegurem a desvinculação das Policias Militares Estaduais das Forças Armadas e que acarretem a plena desmilitarização desses corpos policiais.

            Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão. Inclusive é preciso dizer que esse projeto está na pauta da Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Paulo Teixeira, para ser votado: recomenda-se alterar a legislação processual penal para que as lesões e mortes decorrentes de operações policiais ou de confronto com a polícia sejam registradas como “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte decorrente de intervenção policial”, substituindo os termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”, respectivamente.

            Revogação da Lei de Segurança Nacional. A atual Lei de Segurança - Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 - foi adotada ainda na ditadura militar e reflete as concepções doutrinárias que prevaleceram no período de 1964 a 1985. A Constituição de 1988 inaugurou uma nova era na história brasileira, configurando a República Federativa do Brasil como Estado democrático de direito, fundado, entre outros princípios, na promoção dos direitos humanos. De forma consistente com essa transformação, impõe-se a revogação da Lei de Segurança Nacional em vigor e sua substituição por legislação de proteção ao Estado democrático de direito.

            Supressão, na legislação - é outra recomendação -, das referências discriminatórias das homossexualidades. Recomenda-se alterar legislação que contenha referências discriminatórias das homossexualidades, sendo exemplo o art. 235 do Código Penal Militar, de 1969, do qual se deve excluir a referência à homossexualidade no dispositivo que estabelece ser crime praticar ou permitir militar que com ela se pratique ato libidinoso homossexual ou não em lugar sujeito à administração militar. A menção revela a discriminação a que os homossexuais estão sujeitos no âmbito das Forças Armadas.

            Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado. O Direito Internacional dos direitos humanos identificou, por meio de tratados internacionais dos quais o Brasil é parte, entre eles o Estatuto de Roma, constitutivo do Tribunal Penal Internacional, condutas cuja gravidade é extrema e que não podem ser admitidas em nenhuma circunstância. Nesse sentido, recomenda-se o aperfeiçoamento da legislação brasileira para que os tipos penais caracterizados internacionalmente como crimes contra a humanidade e a figura criminal do desaparecimento forçado sejam plenamente incorporados ao Direito brasileiro, inclusive com a estipulação legal das respectivas penas. A previsão legal do desaparecimento forçado como um tipo penal autônomo é, como afirmou a Corte Internacional de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros versus Brasil, numa obrigação imposta ao Estado Brasileiro pelo Direito Internacional dos direitos humanos.

            O pronto cumprimento do dever de criar um tipo penal autônomo que contemple o caráter permanente desse crime, até que se estabeleça o destino ou o paradeiro da vítima e se obtenha a certificação sobre sua identidade é fundamental para a coibição do desaparecimento forçado, uma prática ainda presente no Brasil.

            Gostaria de me estender aqui sobre as recomendações pertinentes à reestruturação do nosso sistema de segurança pública. Já falei ainda há pouco, mas nós temos um modelo policial herdado da ditadura militar. Sua arquitetura institucional permaneceu intocada na Constituição de 88.

            A estrutura interna das Polícias é militarizada e marcada por códigos disciplinares draconianos e inconstitucionais, inteiramente inadequados à função democrática que as Polícias deveriam desempenhar.

            O ciclo de atividade policial é fracionado. Isso só existe no Brasil, Senador Randolfe. As tarefas de policiamento ostensivo, prevenindo delitos, e de investigação de crimes são distribuídas a órgãos diferentes. A Polícia Militar faz o trabalho do policiamento ostensivo e preventivo, e a investigação cabe à Polícia Civil. Em todo lugar do mundo, existe o ciclo completo. A função de policiar as ruas é exclusiva de uma estrutura militarizada, força de reserva do Exército, a Polícia Militar, formada, treinada e organizada para combater o inimigo, e não para proteger o cidadão.

            A União tem responsabilidades pequenas, salvo em situações excepcionais. O Município, ente federado crescentemente relevante nas demais políticas sociais, como educação, saúde e assistência social, é praticamente esquecido, e os Estados concentram a maior carga das responsabilidades.

            O resultado é dramático: temos um padrão de atuação das Polícias extremamente violento. O sistema de segurança pública no País é ineficiente, anacrônico, e se volta contra todos, prejudicando tanto policiais quanto cidadãos comuns.

            Segundo o mais recente Anuário de Segurança Pública, ao menos seis pessoas foram mortas por dia pelas Polícias brasileiras em 2013. E, se somarmos os últimos cinco anos, as Polícias brasileiras mataram o equivalente ao que as Polícias dos EUA mataram em 30 anos. Ao mesmo tempo, 490 policiais foram mortos violentamente no ano de 2013. Nos últimos cinco anos, a soma é de 1.770 policiais vitimados. Os policiais trabalham sob verdadeiro fogo cruzado. Mal remunerados e formados para atuar em uma máquina de fazer guerra, matam e morrem em proporção muito superior a qualquer padrão internacional.

            As execuções da população mais pobre das periferias das grandes cidades são um problema sistêmico, acobertado pelo famigerado instrumento dos autos de resistência.

            Como se vê, as maiores vítimas desse modelo de segurança pública são os próprios policiais e a população pobre mais vulnerável das cidades, especialmente os jovens negros.

            Não é por acaso que a Comissão recomendou, no dia de hoje, a desmilitarização das Polícias Militares estaduais e o fim dos autos de resistência. São resquícios institucionais autoritários, que se consolidaram durante a ditadura militar.

            Há uma conexão evidente entre o aparato repressivo da ditadura militar e o modelo policial anacrônico que temos no País, obviamente a despeito de tantos policiais honrados, que, certamente, constituem a maioria das corporações policiais.

            O Congresso Nacional deve agora se debruçar sobre o Relatório e iniciar um amplo processo de negociação para aprovar as recomendações de alteração legislativa aprovadas pela Comissão.

            Como primeiro passo mais imediato, defendo a aprovação do Projeto de Lei nº 4.471, de 2012, que exige investigação de toda morte ocorrida em confrontos policiais, contribuindo para o fim dos autos de resistência. Mas entendo que a questão é mais profunda e exige reforma constitucional. Buscando criar condições para que se reduzam as desigualdades na provisão de segurança pública, para humanizar e democratizar a atuação das polícias e o sistema de segurança pública, apresentei uma proposta de emenda à Constituição que reestrutura nosso modelo policial e desmilitariza a Polícia Militar. Refiro-me à PEC nº 51, de minha autoria, apresentada no ano de 2013.

            Entendo que a minha proposta está em linha com a recomendação da Comissão. Entre as medidas propostas pela PEC nº 51, está um primeiro ponto: a desmilitarização das Polícias, o que implica a reestruturação profunda da instituição policial, no caso, da atual Polícia Militar, reorganizando-a seja quanto à divisão interna de funções, seja na formação e treinamento dos policiais, seja nas normas que regem seu trabalho, para transformar radicalmente o padrão de atuação da instituição. Sem prejuízo da hierarquia inerente a qualquer organização, a excessiva rigidez das Polícias Militares deve ser substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência. O policial deve se relacionar com a sociedade a fim de se tornar um microgestor confiável da segurança pública naquele território, responsivo e permeável às demandas dos cidadãos. Essa transformação, evidentemente, deve ser acompanhada de valorização destes profissionais, inclusive remuneratória.

            O segundo ponto da PEC nº 51 é a exigência de ciclo completo. A autonomia para os Estados definirem seu modelo policial não implica a faculdade de fracionar a atividade ostensivo/preventiva, hoje atribuída às Polícias Militares, da atividade investigativa, hoje atribuída às Polícias Civis. Necessariamente, toda instituição policial deve ter caráter ostensivo e investigativo. A diferenciação de atribuições deve se dar não em relação às fases do ciclo policial, mas sobre o território ou sobre grupos de infrações penais.

            Com a desmilitarização da Polícia Militar e com a exigência de ciclo completo, valoriza-se a atividade de prevenção dos crimes e o método de policiamento comunitário. É preciso romper com os atuais padrões de vigilância e de abordagem, comprometidos com estigmas e tratamentos violentos e desrespeitosos, principalmente com a juventude negra. Hoje, como a Polícia Militar só pode fazer policiamento ostensivo (sem investigação), a pressão por "produtividade" acaba reforçando sua orientação voltada para a reatividade e para as prisões por flagrante. É um círculo vicioso, sem planejamento e inteligência, que resulta em mais e mais violência e que está relacionado ao problema das execuções e dos autos de resistência.

            Vamos ao terceiro ponto, Senador Randolfe - estou perto de concluir: definição constitucional de Polícia. A Polícia é definida como instituição de natureza civil que se destina a proteger os direitos dos cidadãos e a preservar a ordem pública democrática a partir do uso comedido e proporcional da força. Essa definição supre lacuna da Constituição e constitui a pedra angular de um sistema de segurança pública democrático e garantidor das liberdades públicas. Ademais, a proposta fixa princípios fundamentais que deverão reger a segurança pública.

            O quarto ponto é a valorização do Município na provisão da segurança pública. O Município é incluído entre os entes responsáveis pela segurança pública, podendo, a depender da decisão tomada em nível estadual, instituir Polícias em nível local. Em todo lugar do mundo, existem as Polícias municipais.

            O quinto ponto é o aumento da participação da União. Em áreas críticas para a segurança pública, que se ressentem de maior padronização e uniformização em nível nacional, a União deverá estabelecer diretrizes gerais. É o caso da gestão e do compartilhamento de informações, da produção de dados criminais e prisionais, além da criação e funcionamento de mecanismos de controle social e de promoção da transparência. Na formação policial, a União deverá avaliar e autorizar o funcionamento de instituições de ensino que atuem na área, a fim de garantir níveis adequados de qualidade e a conformidade a uma perspectiva democrática de segurança pública.

            O sexto ponto é a instituição de mecanismos de transparência e controle externo dos órgãos policiais. Em cada órgão policial, deverá ser instituída uma Ouvidoria Externa, com autonomia funcional e administrativa, dirigida por Ouvidor-Geral com independência e com mandato fixo. A Ouvidoria terá competência regulamentar, para dispor sobre procedimentos de atuação dos policiais, para suspender a execução de procedimentos inadequados e para avaliar e monitorar suas atividades, e competência disciplinar, para receber e processar reclamações e denúncias contra abusos cometidos por profissionais de segurança pública, podendo decidir, inclusive, pela demissão do cargo.

            O sétimo ponto é a exigência de carreira única por instituição policial. A existência de duplicidade de carreiras com estatura distinta nas diversas instituições policiais é, reconhecidamente, causadora de graves conflitos internos e de ineficiências. A proposta avança ao propor a carreira única por instituição policial. É preciso registrar que essa medida não é incompatível com o princípio hierárquico ou com o estabelecimento de gradação interna à carreira, que permita a ascensão do profissional, mediante adequada capacitação e formação, a partir de instrumentos meritocráticos.

            A PEC nº 51 busca refundar o sistema de segurança pública, redefinindo o papel das Polícias e as responsabilidades federativas, a partir da transferência aos Estados da autoridade para definir o modelo policial.

            Esse processo de reestruturação exige implementação cuidadosa, com participação e monitoramento intensos por parte da sociedade civil e rigoroso respeito aos direitos adquiridos dos profissionais de segurança pública.

            Pela proposta, os Estados deverão decidir se promoverão o ciclo completo de trabalho policial, a desmilitarização e a carreira única no âmbito de cada instituição, reorganizando as instituições policiais, as atuais Polícias Estaduais, a Polícia Civil e a Polícia Militar, segundo atribuição de responsabilidade sobre território ou sobre grupos de infração penal.

            Isso não implica necessariamente a unificação de Polícia Civil e Polícia Militar. O Estado pode optar, por exemplo, por manter duas Polícias Estaduais, convertendo a atual Polícia Civil em uma Polícia especializada em determinados tipos de crime e reestruturando a atual Polícia Militar, que também passaria a ter poderes de investigação. Você poderia transformar a Polícia Militar numa Polícia Civil que tivesse o ciclo completo e poderia transformar a Polícia Civil no seu Estado, podia deixá-la para combater o crime organizado, por exemplo. Você pode definir de acordo com a gravidade da infração penal.

            Essa autonomia regulada implica grande variedade de modelos à disposição dos Estados. Com isso, reconhecemos a complexidade nacional do problema, cuja fonte é a extraordinária diferença entre regiões, Estados e até mesmo Municípios da Federação brasileira.

            Cada Estado adequaria da forma que mais se aproximasse de suas características. Quando penso no caso do Rio de Janeiro, penso muito nisto, ou seja, penso em a Polícia Civil ser transformada numa espécie de Polícia Federal, ligada ao combate ao crime organizado, que tem força, milícias, tráfico. E a Polícia Militar seria aquela Polícia Civil que faria policiamento ostensivo e preventivo e investigação. Mas o ideal é que cada Estado organize da forma como melhor lhe convier.

            Eu encerro, Senador Randolfe, dizendo que, a partir da desmilitarização da Polícia Militar e da repactuação das responsabilidades federativas na área, bem como da garantia do ciclo policial completo e da exigência de carreira única por instituição policial, pretende-se criar as condições para que a provisão da segurança pública se dê de forma mais humanizada e mais isonômica em relação a todos os cidadãos, rompendo, assim, com mais um resquício institucional autoritário.

            A Comissão Nacional da Verdade, ao esclarecer o passado sombrio da ditadura militar, traça um caminho de reformas rumo à consolidação do Estado democrático de direito. Não podemos perder essa oportunidade histórica.

            Conto com a participação e a colaboração das Srªs e dos Srs. Senadores para levarmos adiante o processo de aprovação da PEC nº 51, de 2013, e a aprovação das demais recomendações da Comissão Nacional da Verdade.

            Muito obrigado, Senador Randolfe.

            Quero parabenizá-lo também pelo pronunciamento feito sobre o mesmo tema.

            Saímos muito animados com o relatório apresentado pela Comissão Nacional da Verdade, porque ela olha para o passado, mas olha para o presente e para o futuro. Nós temos que dar passos à frente.

            Eu fiz meu discurso falando sobre a reestruturação da segurança pública. Não está funcionando. Nós temos uma média de resolução de homicídios neste País de 8%. Não funciona. A Polícia Militar, que faz o trabalho, o policiamento ostensivo e preventivo, briga com a Polícia Civil, que faz o trabalho investigativo. Nós não temos um ciclo completo. E a desmilitarização é fundamental para que a gente tenha outro tipo de policiamento nos grandes centros urbanos, com respeito aos direitos humanos, com respeito à proteção do cidadão.

            Eu sei que V. Exª defende essa pauta também, mas creio que, aqui, nós temos uma oportunidade histórica. Temos que, a partir desse relatório da Comissão da Verdade, fazer avançar essas pautas por meio da discussão dessas recomendações que foram aprovadas por esse relatório.

            Muito obrigado, Senador Randolfe Rodrigues, pelo tempo.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Por fim, eu queria também aqui fazer um registro que também diz respeito ao pronunciamento do Senador Lindbergh aqui. O registro de que a Comissão de Direitos Humanos desta Casa aprovou, no dia de hoje, uma recomendação e uma moção de repúdio ao Sr. Deputado Jair Bolsonaro, da Câmara dos Deputados, pelas agressões descabidas no dia de ontem à Deputada Federal Maria do Rosário, na Câmara dos Deputados.

            Essas agressões do Deputado Jair Bolsonaro são um acinte à democracia brasileira e aos próprios direitos humanos neste País. Dizem respeito a um Brasil que nós não queremos mais ver, uma página da história deste País que nós queremos ver virada para o passado. 

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Randolfe.

            O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Pois não, Senador Lindbergh.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Esse sujeito age como um desequilibrado. Não é a primeira vez. Com posturas fascistas, agressivas, racistas, violentas. O que ele falou ontem é inadmissível!

            O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Apoio Governo/PSOL - AP) - Inaceitável.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A Câmara dos Deputados tem que tomar uma decisão. Acho que ele tem que ser cassado por quebra de decoro parlamentar. Não se pode dizer que não estupraria uma Parlamentar porque ela não merece. Existe mulher que merece?

            Acho que essa nossa indignação tem que se transformar em fatos. Passou de todos os limites. Não é a primeira vez que agride a Deputada Maria do Rosário. Já havia também chamado a Deputada de vagabunda em outra ocasião, mas fez isso aqui com inúmeras Parlamentares. Muitas mulheres Parlamentares cuja luta conhecemos para conseguir vencer tanto machismo neste País, conseguir ser eleitas e estar aqui no Congresso Nacional como Senadoras ou como Deputadas.

            Acho que é momento de uma resposta firme da sociedade e da Câmara dos Deputados, cassando, por quebra de decoro, o mandato do Deputado Jair Bolsonaro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2014 - Página 333