Pronunciamento de Vanessa Grazziotin em 18/02/2015
Comunicação inadiável durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Defesa da reforma política no que tange, em especial, ao fim do financiamento empresarial de campanhas.
- Autor
- Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
- Nome completo: Vanessa Grazziotin
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Comunicação inadiável
- Resumo por assunto
-
SISTEMA POLITICO:
- Defesa da reforma política no que tange, em especial, ao fim do financiamento empresarial de campanhas.
- Aparteantes
- José Medeiros, Paulo Paim.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/02/2015 - Página 24
- Assunto
- Outros > SISTEMA POLITICO
- Indexação
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- COMENTARIO, INVESTIGAÇÃO, POLICIA FEDERAL, ASSUNTO, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, ENFASE, PROIBIÇÃO, FINANCIAMENTO, EMPRESA PRIVADA, CAMPANHA ELEITORAL, MOTIVO, CESSAÇÃO, CONTROLE, CLASSE EMPRESARIAL, POLITICA.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Paim.
Srªs Senadoras, Srs. Senadores, companheiros e companheiras, Sr. Presidente, venho a esta tribuna, para, mais uma vez, falar de temas que têm ocupado muito o pronunciamento dos Srs. Parlamentares e das Srªs Parlamentares.
Se fizermos um levantamento dos pronunciamentos feitos desta tribuna, veremos que a maior parte aborda, sobretudo, esta grande operação de combate à corrupção no Brasil, chamada Operação Lava-Jato. E todos, absolutamente todos, independentemente da Região, do Estado, do partido político, vêm à tribuna, para falar da importância de mudar procedimentos a partir desses fatos que estão sendo elucidados pelo Ministério Público, pela Polícia Federal, pela Justiça brasileira, Sr. Presidente.
Entretanto, eu creio que é hora de separarmos o joio do trigo, de podermos ver quem realmente está a favor do combate à corrupção, porque a corrupção não deve ser combatida apenas em determinados momentos, em momento A ou momento B. Não! A corrupção é algo que vai e vem, aparece. Portanto, a principal tarefa que todos temos, Senadora Ana Amélia, que passa a dirigir esta sessão a partir deste momento, talvez seja como blindar, ou como proteger ainda mais a Nação, o Estado brasileiro, as empresas públicas, desse tipo de ação, para que daqui a algum tempo não venhamos a tratar novamente das mesmas questões.
Em primeiro lugar, quero deixar claro que me espanta o pronunciamento daqueles que dizem que a corrupção é culpa deste Governo e, assim, não podemos investigar nenhuma linha do que aconteceu para trás. Ou alguém que ousar falar de algum fato que não tenha acontecido neste Governo, mas em governos passados. Esses não querem apurar a corrupção.
Ora, Srª Presidente, o que é isto? Temos que apurar tudo, repito, Senadora Gleisi, doa a quem doer. Tenho ouvido com muita atenção, apesar de ter falado que a imprensa toca no assunto muito en passant, que tudo começou lá em 1997, 1998. Não estou aqui querendo isentar da culpa quem quer que seja ou quem esteja no Governo ou na empresa. Não! Apenas acho que todos os que se envolveram têm que ser investigados; todos os que se envolveram têm que ser punidos. E, mais do que isso, a nossa obrigação é trabalhar, repito, na formulação de um novo Estado brasileiro, na formulação de uma nova legislação que seja protetiva da cidadania e da democracia, da jovem democracia brasileira.
Dessa forma, Srª Presidente, estamos assistindo a inúmeras manifestações afirmando que vivemos uma crise ética, que o País está mergulhado no caos e que nossas instituições não têm condições de responder aos desafios de nossa sociedade. Temos visto ressurgir vozes que clamam pela interrupção deste que é o mais longo período democrático da nossa República.
É certo que são vozes isoladas que propugnam a volta da ditadura, como se houvesse algo que justificasse tamanha violência contra o nosso povo e os seus direitos. Essas vozes, muitas com um passado de luta pela democracia, têm abdicado de sua responsabilidade para emular a extrema direita por uma visão míope e de curto prazo. Aliás, erro semelhante cometeu a UDN e a sua mais famosa voz, o ex-Deputado Carlos Lacerda, que, com sua pregação golpista, abriu a caixa de Pandora do golpe militar e também por ela foi cassado.
É preciso ter seriedade e responsabilidade neste momento. É preciso aperfeiçoar a nossa democracia, Srª Presidenta, e não assassiná-la. E um passo importante nesse aperfeiçoamento é, sem dúvida, a reforma política. E é esse o tema a que, mais uma vez, me dedico desta tribuna, Senador Paim.
O debate sobre a reforma política vem se popularizando no País desde que milhares de manifestantes ganharam as ruas no ano de 2013. O tema ganhou mais visibilidade e agora, depois das eleições, volta com força no Congresso Nacional.
O tema é bandeira histórica do meu Partido, o PCdoB e foi reforçado por uma proposta que veio da sociedade, uma proposta que está escrita por meio do Projeto de Lei nº 6.316, de 2013, em uma coalizão que reuniu mais de 100 entidades para debater o tema, uma coalizão pela reforma política, democrática e eleições limpas.
Entre os pontos defendidos pelo meu Partido, por mim e pela coalizão das entidades populares - e eu tenho aqui uma cópia do manifesto da coalizão -, o primeiro ponto é exatamente, repito, o afastamento do poder econômico das eleições. Ou seja, o fim do financiamento privado, empresarial das campanhas, uma maior participação popular e o aumento da representatividade feminina nas instâncias de poder.
Em minha opinião, Srª Presidenta, e de setores importantes da sociedade brasileira, um ponto é central. E repito: esse ponto central é o fim do financiamento empresarial de campanhas, para acabar com a corrupção eleitoral.
A influência do poder econômico nas eleições cerceia e impede que vozes que não dispõem de recursos possam estar presentes neste plenário. Todos sabem o tamanho dos custos de uma campanha eleitoral e as dificuldades que os partidos têm para arrecadar recursos. Mas, infelizmente, o que se depreende das opiniões de alguns membros da comissão que está sendo formada na Câmara dos Deputados e que irá discutir a reforma política é diametralmente oposta aos interesses da sociedade.
Setores conservadores apontam como saída para a democracia o seu apequenamento. Buscam responder às justas reivindicações da sociedade com uma reforma política antidemocrática, que constitucionaliza o financiamento de campanha por empresas; que adota, possivelmente, um sistema chamado de distritão; adota o fim das coligações proporcionais, além do estabelecimento, se for o caso, dependendo de que sistema eleitoral passar, da possível instituição de uma cláusula de barreira. Apontam como rumo para o País o alijamento, portanto, do povo da política e do processo democrático do nosso País. Propõem que, para superar deficiências, as aumentemos ainda mais, e é exatamente esse o conteúdo da proposta que está sendo constituída majoritariamente, Srª Presidente.
Eu quero, aqui, falar a respeito dessa questão do financiamento.
Muito animados estivemos - e eu continuo, estou ainda, e creio que a população deve continuar - com o fato de o Supremo ter iniciado o julgamento de uma ação de inconstitucionalidade a que deu entrada a Ordem dos Advogados do Brasil, questionando a constitucionalidade do poder que as empresas têm de interferir nos processos eleitorais através do financiamento de campanhas. Esse julgamento já obteve seis votos e todos eles favoráveis à inconstitucionalidade do atual sistema vigente no País.
Ocorre que o Ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e, até agora, está a analisar o referido processo. Então, quero aqui, de público, fazer o que já tive oportunidade de fazer pessoalmente ao Ministro, há alguns dias: que o Ministro libere para julgamento.
O Ministro colocou, de forma sincera - eu assim senti por parte do Ministro Gilmar Mendes -, o fato do atrito que, muitas vezes, o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, o STF, cria com o Parlamento brasileiro quando legisla questões sobretudo eleitorais, mas, por diversas vezes, isso já foi feito pelo Poder Judiciário e nunca as relações foram abaladas. Creio que, agora, também não deverão ser abaladas.
Portanto, esse julgamento é fundamental até para que o Congresso Nacional possa seguir, com maior segurança, votando essa reforma política, ou seja, precisamos da palavra final do Poder Judiciário brasileiro acerca da legalidade ou não do financiamento por parte de empresas.
Porque a peça é muito consistente, Senadores. Senador Paim, a peça da OAB é muito consistente. Ela mostra, claramente, o quanto há uma deturpação do sistema e representatividade política no Brasil, essa possibilidade de empresas, ou seja, pessoas jurídicas, e não físicas, interferirem diretamente no processo eleitoral, incentivando, pagando, dando recursos para campanhas.
Precisamos debater isso e não só no Parlamento, mas com a sociedade brasileira. Aí, sim, estaremos demonstrando nosso verdadeiro objetivo em dizer não à corrupção e não apenas utilizar a bandeira da ética para derrubar o governo A ou B, que é o que recheia a história passada do nosso País.
Não há como fugir da realidade. Uma reforma política necessita de um debate e participação, necessita ouvir a sociedade, necessita ampliar e oxigenar a política. Transparência e democracia não podem ser subjugadas ao poder econômico.
Para analisar de forma diferente da que eu tenho analisado até agora, quero passar - após conceder aparte a V. Exª, se assim a Presidente permitir, Senador Paim - a ler um artigo escrito pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e publicado na revista Carta Maior. É um artigo que considero simples, muito simples, é tudo aquilo que nós sabemos, mas muito bem apresentado e muito bem escrito e que representa, de fato, o momento que nós vivemos.
Concedo um aparte a V. Exª, Senador Paim.
O Sr. Paulo Paim (PT - RS) - O meu aparte, de fato, é um pequeno aparte. É só para dizer que concordo, na íntegra, com V. Exª. O poder econômico cada vez mais avança sobre a democracia e, naturalmente, sobre o Congresso Nacional. Os dados que o Dieese apresenta são assustadores. Praticamente diminuímos pela metade a chamada Bancada trabalhista, sindical, de líderes dos trabalhadores, porque eles tiveram uma concorrência desleal. Eu me lembro do meu querido amigo - e seu também - Inácio Arruda, que não voltou para o Parlamento. Foi, de fato, uma disputa totalmente desproporcional. A continuar este quadro, permitindo que o poder econômico invista milhões e milhões... Fala-se, hoje, em R$20 milhões, R$30 milhões - vinte para eleger um Deputado e trinta para eleger um Senador. Isso não existe. Não há como, não há como a gente enfrentar esse combate. Por isso que eu sou daqueles que vai na linha de V. Exª. O financiamento público de campanha é fundamental. Não pode mais o grande capital monitorar, financiar e cobrar a campanha dos políticos no futuro. Aí dá no que deu, como é o caso agora de todas as denúncias que chegam ao País, que passam por esse viés. Por isso, meus cumprimentos a V. Exª. Oxalá a gente faça a reforma política e eleitoral, e a gente não permita mais que as campanhas possam ser financiadas ou até compradas pelo grande capital. Parabéns a V. Exª.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM) - Eu lhe agradeço, Senador Paim. Eu já havia me referido, para ilustrar o aparte de V. Exª, que eu considero como a íntegra de meu pronunciamento, se V. Exª assim permitir, os dados do Diap, mostrando que, para uma representação empresarial, de 273 Deputados e, representação ruralista, de 160, o que soma 433; e nós temos 91 representantes da área sindical - noventa e um.
Quando V. Exª fala que uma campanha de um Deputado custa 20 milhões, 30 milhões, eu espero que a população esteja nos ouvindo: 20 milhões, R$30 milhões, para uma campanha de um Deputado - uma campanha! É possível isso?
O Dr. Samuel Pinheiro Guimarães retrata muito bem isso naquilo que escreveu e foi publicado, repito, na Carta Maior. Vou ler alguns trechos, porque não posso nem tenho tempo, aqui, Senadora Ana Amélia, de ler todo o artigo de Samuel Pinheiro Guimarães. Mas vou ler os trechos que considerei mais marcantes, mais importantes.
Ele inicia dizendo e retratando exatamente esse clamor público, a revolta de todas as classes da sociedade contra as revelações de corrupção, e faz alguns questionamentos. Ele diz:
Quando terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um fenômeno exclusivamente brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em geral? A quem interessa? Ocorre apenas no setor público? Será uma característica inata da sociedade brasileira?
Ele começa assim, de uma forma simples. Mas são perguntas que todos nós devemos fazê-las e respondê-las ao mesmo tempo, todas as pessoas, todos os cidadãos, todas as cidadãs, trabalhadores, mulheres, jovens, seja quem for. E diz que os incidentes de corrupção que a operação Lava Jato vem desvendando e que vazam para a imprensa estariam relacionados diretamente com o financiamento de campanhas eleitorais. Talvez não tudo, porque os fatos também dão notícia, dão conta de que muitos daqueles que metiam a mão no dinheiro público era para enriquecer, era para aumentar suas fortunas pessoais. Mas, quando se fala em envolvimento de partidos, é para quê? Para financiar campanhas eleitorais. Aí entra a maior dúvida: mas o dinheiro foi dado legalmente ou não foi para o partido A, B ou C? Porque todos receberam. Aquilo é legal ou não? Até que ponto nós temos algum medidor que possa dizer que aquele dinheiro que o partido A, B ou C recebeu não seja dinheiro fruto de corrupção?
Então, ele levanta por aí e trata, no artigo, dizendo que o sistema de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à representação de interesses econômicos no Legislativo e Executivo. E diz:
O caso do Judiciário é um tema a parte, ainda que de grande interesse.
O candidato Aécio Neves... [Estou aqui, repito, lendo o que escreveu Samuel Pinheiro Guimarães] O candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo com as declarações ao TSE, cerca de R$201 milhões; a candidata Dilma Rousseff gastou cerca de R$318 milhões. O custo total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi de R$5 bilhões. [Cinco bilhões de reais.]
Concedo o aparte, Senador José Medeiros.
O Sr. José Medeiros (Bloco Democracia Participativa/PPS - MT) - Senadora Vanessa, é bem lembrado este assunto trazido por V. Exª, principalmente no que tange à questão da corrupção, que se coloca que o pano de fundo são as campanhas eleitorais. É bem lembrado que a conta é toda jogada no meio político. Bem colocada a sua ressalva de que tendemos, no País inteiro, dizer “Olha, meu governo é totalmente técnico”; ou, às vezes, quando um Prefeito ou um Governador assume, dizer “Vou montar um governo totalmente técnico, sem político nenhum”. E por vezes até se nega a política, como se um governo cheio de técnicos fosse prova de que não haveria corrupção. Esses fatos que acontecem na Petrobras e em inúmeros lugares pelo País inteiro sempre mostram que uma pequena parte vai para as campanhas, sim, uma pequena parte. Eu me arrisco a dizer que o resto, o vertedouro, 80% a 90%, vai para o bolso, na maioria das vezes, dos técnicos. Não quero demonizar os técnicos, mas é importante aproveitar o seu discurso para deixarmos as coisas bem claras. Não existe técnico honesto e político corrupto ou político honesto e técnico corrupto. Não. Existe o ser humano. E ninguém pode defender o ser humano dele mesmo quando quer fazer o errado. Na verdade, a senhora colocou muito bem: precisamos começar a pensar em um sistema que possamos evoluir, para que essas coisas não acontecerem. Era essa a ressalva que eu queria fazer, porque, às vezes, colocamos as coisas fora dos devidos lugares. Muito obrigado.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM) - Eu agradeço, Senador, o aparte de V. Exª e também, com a sua permissão, incorporo-o ao meu pronunciamento.
O fato é esse. O que estamos vendo, pelo menos, agora, nessas revelações recentes sobre a corrupção na Petrobras, é que havia a parte política, mas havia a parte pessoal de quem lá trabalha, e que não era pequena. Mas a política também não é pequena.
Então, nós precisamos reformular o sistema, e é essa que tem que ser a nossa base de atuação, porque não basta... Eu repito: a história do Brasil está recheada de momentos e de luta contra a corrupção. Governos e mais governos caíram, muitas vezes, por conta de atos de corrupção.
Então, o que precisamos fazer, o que estamos chamados a fazer é blindar, é construir um novo sistema político, um sistema político mais rigoroso, um sistema político mais transparente, mais aberto à participação popular, e não fechado como é hoje.
Continuando o artigo de Samuel Pinheiro Guimarães, diz ele:
De onde vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não vieram da fortuna pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou quase exclusivamente, de grandes empresas privadas.
O custo das campanhas é em extremo elevado devido aos custos de produção e de veiculação de programas de televisão, das viagens que se fazem necessárias devido à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda e de sua distribuição.
O objetivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas eleitorais está vinculado à principal característica da sociedade brasileira, que é a concentração de renda e de riqueza.
A concentração de renda é, em geral, estimada a partir dos rendimentos do trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE.
Os rendimentos do capital, isto é, os lucros, os juros, os aluguéis, são subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses dados de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem quebra de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda.
A estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam cerca de 48% da renda nacional.
O salário mínimo é [hoje] de 788 reais, o salário médio do trabalhador brasileiro é inferior a 2.300 reais por mês e 90% dos brasileiros ganham até cinco salários mínimos por mês.
São 13,7 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto significa que cerca de 50 milhões de brasileiros têm rendimento mensal inferior a 77 reais. Por outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários [repito, 46 bilionários] e 10.300 multimilionários [vou repetir: 10.300 multimilionários, em um País de quase 200 milhões de habitantes], estes com patrimônios pessoais superiores a 23 milhões de reais.
Muitos são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza. Entre esses mecanismos, estão as taxas de juros, o sistema tributário, os créditos do Estado a empresas e o sistema de aluguéis.
Quanto mais elevadas as taxas de juros “autorizadas” ou permitidas pelas autoridades monetárias, maior a transferência de riqueza de devedores, que são a enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do capital, e do Estado para os seus credores.
O sistema tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema se diz regressivo quando a maior parte dos impostos arrecadados provém da maioria da população, sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o consumo, por exemplo) e se diz progressivo quando os indivíduos detentores de maior riqueza ou de mais alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em proporção a sua riqueza ou renda. É fato que um sistema regressivo de tributação concentra renda e riqueza. As isenções de impostos, as restituições e as desonerações para empresas ou indivíduos acentuam a concentração de renda.
Os créditos fornecidos pelo Estado privilegiam, em geral, as maiores empresas e, portanto, seus proprietários, que são os indivíduos mais ricos da sociedade.
A leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não pagamento (por exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e perdão das dívidas tributárias) também concentra renda e riqueza. São brasileiros os proprietários de 530 bilhões de dólares depositados em paraísos fiscais.
Agora mesmo, temos a notícia de que só o HSBC revela a existência de mais de oito mil contas de brasileiros que têm contas fora. É óbvio que não vamos criminalizar tudo, porque muitas não devem ter nada de errado, mas muitas, provavelmente, têm problemas - muitas têm problemas.
Então, com tudo isso, diz Samuel Pinheiro:
A concentração de renda e de riqueza em mãos de uma ínfima minoria da população brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema democrático e sobre os episódios de corrupção.
Os indivíduos detentores de riqueza e renda têm interesse em preservar os mecanismos de concentração e interesse em que não surjam instrumentos legais (leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda.
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM) -
Ora, as normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de riqueza, propriedade e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da propriedade rural e urbana, etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente no Executivo e cada vez mais no Judiciário [também].
Em um país de grande concentração de riqueza e renda, de elevado grau de urbanização, de grande penetração dos meios de comunicação, de sistema democrático e eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural que a enorme maioria da população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse a maioria dos representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e remediados e, portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a renda ou pelo menos a minorar os mecanismos de concentração. Não é isso o que ocorre. [diz Samuel Pinheiro Guimarães].
A ínfima minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar instrumentos para influir no processo político para evitar esse tipo de legislação e de ação redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são taxadas de comunistas, socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de bolivarianas. [Vejam bem, V.Exªs].
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM) -
O primeiro e mais importante desses instrumentos é o financiamento privado (empresarial) das campanhas eleitorais.
O segundo instrumento é o controle dos partidos para que estes escolham como seus candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão (isto é, daquela minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do ponto de vista pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas.
O terceiro instrumento é o controle dos meios de comunicação para convencer a população das deficiências do Estado, do caráter corrupto dos candidatos dos partidos e das políticas populares (isto é, daqueles comprometidos com programas de reforma social que levam à desconcentração de riqueza e renda).
O quarto instrumento é a campanha permanente dos meios de comunicação de desmoralização da atividade política, do Estado e dos políticos para manter a maioria do povo afastada da política. Uma das formas de manter o povo afastado da política seria a aprovação [por exemplo] do voto facultativo como se este fosse apenas um direito e não um dever. [E eu já caminho para o encerramento, Sr. Presidente.]
(Soa a campainha.)
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (PCdoB - AM) -
A campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central do financiamento empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de corrupção e de controle oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que concentram o poder econômico e controlam os meios de comunicação.
Aliás, Senador José Medeiros, como V. Exª concorda, a política e os financiamentos empresariais de campanha são a desculpa que muitos utilizam para meter a mão nos recursos públicos. Uma desculpa muito valorosa - e, aliás, nós temos o dever e somos chamados a romper com isso, a romper absolutamente com isso.
Voltando ao artigo de Samuel Pinheiro Guimarães:
Os representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já se empenham para votar o projeto que consagra o financiamento privado, isto é, empresarial, das campanhas eleitorais.
A consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema fundamental de corrupção do processo político que tem como objetivo impedir a desconcentração de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais injustos do mundo.
Portanto, se é para debatermos, vamos debater. Vamos debater a corrupção. Vamos nominar os culpados. Vamos lutar para que esses sejam punidos, Senador Paim. Mas vamos mudar o Estado brasileiro. Vamos promover uma reforma que afaste as empresas das campanhas eleitorais, porque empresa tem nome físico, mas não tem direito ao voto. Apenas aquele ou aquela que tenha direito ao voto é que deve ter condições de influir nesse processo tão nobre, não só da democracia brasileira, mas da democracia universal.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigada, Sr. Presidente.