Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para os entraves ao crescimento da indústria no Brasil.

Autor
José Medeiros (PPS - CIDADANIA/MT)
Nome completo: José Antônio Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
INDUSTRIA E COMERCIO:
  • Alerta para os entraves ao crescimento da indústria no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2015 - Página 48
Assunto
Outros > INDUSTRIA E COMERCIO
Indexação
  • COMENTARIO, VIDA PUBLICA, IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA, VISCONDE DE MAUA, HISTORIA, INDUSTRIALIZAÇÃO, BRASIL, APREENSÃO, REDUÇÃO, ATUALIDADE, INDUSTRIA, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, EDUCAÇÃO, ESTABILIDADE, TRIBUTAÇÃO, SETOR.

            O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Democracia Participativa/PPS - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amigos que nos assistem pela TV Senado, que nos ouvem pela Rádio Senado e que nos acompanham pelas redes sociais, Irineu Evangelista de Sousa ficou órfão aos cinco anos de idade. Aos nove, em troca de casa e comida, começou a trabalhar em uma pequena loja na Praça do Comércio, no Rio de Janeiro. Ele trabalhou por lá até os vinte e sete anos. A respeito dessa época, escreveu o seguinte: “Na primavera da vida, eu já havia adquirido, por meio de infatigável e honesto labor, uma fortuna que me assegurava a mais completa independência". O ano, Sr. Presidente, era 1840. Irineu, como costumamos dizer, já estava com o burro na sombra. Entretanto, trabalhador infatigável que era, ele teve o sonho de criar uma versão tropical da revolução que testemunhara na Inglaterra, uma versão brasileira da Revolução Industrial. Iniciava-se, então, a segunda fase de sua vida. Irineu fundou a primeira indústria siderúrgica, o primeiro estaleiro naval e a primeira estrada de ferro do Brasil. Abasteceu a capital do Império com água encanada e substituiu os lampiões a azeite de peixe pela moderna iluminação a gás. Criou a primeira companhia de navegação a vapor da bacia amazônica, ligou o Brasil à Europa por meio de cabos submarinos e refundou o Banco do Brasil. Tornou-se o homem mais rico do Império. Segundo alguns, tornou-se mais rico do que o próprio Imperador. E talvez tenha sido esse o seu pecado.

            Em 1878, aos 65 anos, escreveu um pequeno livro - Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & Cia. e ao Público - e fez ali um relato de sua vida. Em resumo, Irineu - então Visconde de Mauá - chegou à seguinte conclusão:

Não preciso dizer-vos que errei, e errei grosseiramente, optando por uma nova vida de atividade sem exemplo em nossa terra [...]. [...] Em outros países, outros elementos auxiliarão os esforços da iniciativa individual vigorosa para alcançar altos propósitos, em bem dos interesses gerais. [E] eu afianço ter sido [esse] o pensamento dominante que atuou em meu ânimo, rodando todas as outras considerações muito abaixo desse nível.

            Irineu foi à falência e passou os últimos anos de sua vida lutando para honrar seus compromissos e pagar o último cobre ao último credor. Em 1889, faleceram ambos: Visconde de Mauá e o Império Brasileiro.

            Depois de sua morte, algumas décadas foram necessárias para que o Brasil iniciasse, finalmente, sua industrialização. De 1930 a 1970, a indústria cresceu vigorosamente, e o Brasil, de um País arcaico e rural, se tornou moderno e urbano. Nas décadas seguintes, o vigor de outrora arrefeceu, e, a partir de meados da década de oitenta, a importância relativa do setor industrial no PIB brasileiro começou a diminuir. E diminuiu de tal forma, que um novo termo teve de ser incorporado ao jargão econômico, um termo que temos ouvido, Sr. Presidente, cada vez mais e com frequência perturbadora: desindustrialização. A palavra é complicada, mas tanto o doutor mais estudado quanto o operário mais humilde lhe entendem o significado. E V. Exªs, tanto o Senador Paim, quanto V. Exª, agora há pouco, registraram nesta tribuna a preocupação que levantamos aqui agora. Atrás dessa palavra, temos menos crescimento, menos riqueza, menos oportunidades e menos empregos. Eu creio que estas, talvez, sejam as maiores preocupações do País neste momento: a desaceleração da economia, o processo de desindustrialização e a queda dos empregos.

            Tal é a realidade da indústria brasileira. A despeito dos planos levados a cabo ao longo dos últimos anos, a indústria definha.

            Nos idos de Fernando Henrique Cardoso, enquanto o governo cuidava dos fundamentos macroeconômicos, a indústria iniciava seu processo de sofrimento. O governo Lula, com seu Programa de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior e com sua Política de Desenvolvimento Produtivo, não logrou reverter o movimento de queda. O primeiro governo Dilma, com seu Plano Brasil Maior, também não obteve êxito. Nossa indústria de transformação, que, em 1950, era responsável por um quinto do PIB e que, na década de 80, ultrapassou um terço, aproxima-se hoje de um décimo do PIB.

            Pode haver quem argumente que a vocação do Brasil é a agropecuária, a mineração, que as cores da Bandeira Nacional nos revelam que nossas matas são mais verdes, que nosso subsolo é mais rico e que nosso destino é a exportação de commodities.

            Sr. Presidente, represento um Estado, o Mato Grosso, que é um dos maiores exportadores de produtos primários do País. Enquanto o Brasil fechou o ano de 2014 com um déficit na balança comercial de quase US$4 bilhões, Mato Grosso teve um superávit de US$13 bilhões. Mas, a despeito de nosso sucesso local, eu acredito que a mera exportação de commodities não é o caminho suficiente nem seguro para que o Brasil consiga atingir o nível de prosperidade de que os brasileiros tanto necessitam. Acredito que não podemos nos dar ao luxo de desprezar nenhuma estratégia para agregar valor aos nossos produtos. Nossa indústria precisa tornar-se competitiva, reduzindo custos e aumentando a produtividade. E, justamente por acreditar nisso, venho me perguntando: como alcançar esses objetivos?

            Os economistas e o próprio setor industrial consideram que há vários flancos a serem atacados. Mencionarei alguns. Em primeiro lugar, não por acaso, nossa educação precisa melhorar. É fundamental que a educação básica prepare nossas crianças para prosseguir nos estudos. É preciso eliminar os obstáculos que a formação deficiente lhes impõe. Em segundo lugar, nosso sistema tributário precisa tornar-se mais simples e mais eficiente, precisa livrar-se da cumulatividade que tanto prejudica as cadeias produtivas e precisa armar-se de mecanismos que beneficiem os investimentos produtivos.

            Hoje, Sr. Presidente - não sou eu que digo -, os profissionais que lidam com a contabilidade no dia a dia das empresas já não conseguem acompanhá-la, por mais que estudem, devido ao tanto que muda o nosso arcabouço jurídico tributário.

            Cada Estado e cada Município editam por dia uma normativa, e o que vale pela manhã já não vale à tarde. Isso nos atrasa, isso cria gargalos, isso nos deixa menos competitivos.

            Em terceiro lugar, nossa infraestrutura precisa alargar-se e aprofundar-se, aumentando o estoque de capital investido, proporcionando segurança energética e modais de transporte eficientes. Como podemos competir com países como a China, os Estados Unidos ou a Coreia do Sul, quando nossos produtos são sangrados por rodovias, hidrovias, ferrovias e portos insuficientes e ineficientes?

            Essas são apenas algumas questões que precisamos enfrentar. A mensagem que fica é a seguinte: a indústria brasileira precisa da nossa atenção.

            Quando falo aqui sobre esses gargalos, Sr. Presidente, vale lembrar que hoje nós fazemos parte dos ditos emergentes, dos BRICS: Brasil, China, Índia, África do Sul, Rússia. E, infelizmente, cabe-nos aqui dizer que, entre esses, estamos bem atrás em termos de educação, que, entre esses, estamos bem atrás em termos de logística e de infraestrutura.

            Sr. Presidente, nós brasileiros temos, sim, vocação para a indústria de ponta, para a indústria de alta tecnologia e de alto valor agregado.

            Agora, há pouco, o Senador Paim dizia da importância de fazermos aqui o que pudermos fazer. Ele falava em termos da nossa indústria. Se pudermos construir nossas plataformas aqui, nós as construiremos aqui. Mas é preciso avançar, é preciso ter vontade para isso.

            Para a indústria de alta tecnologia e de alto valor agregado, é necessário termos mão de obra capacitada, é necessário termos mão de obra qualificada. E, como dissemos aqui, isso só vem através da educação.

            Uma prova disso foi dada no último dia três de fevereiro, quando uma aeronave de 35 metros de envergadura, capaz de decolar com 81 toneladas e de voar a 850 quilômetros por hora, sobrevoou pela primeira vez os céus de Gavião Peixoto, no interior do Estado de São Paulo. Trata-se, Sr. Presidente, do KC-390, o novo avião de transporte a jato da Embraer, a maior e mais avançada aeronave já produzida no País, uma conquista que deixaria Casimiro Montenegro, o fundador do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), muito orgulhoso.

            Aliás, o ITA é motivo de orgulho em termos de educação no País.

            É nesse tipo de presente, Sr. Presidente, que enxergo nosso futuro, um futuro que só se construirá a partir do esforço continuado de cada um de nós, que só se realizará se conseguirmos forçar uma mudança de curso em nossa história econômica. O futuro de modernidade, de prosperidade e de justiça social foi sonhado há quase 200 anos por Irineu Evangelista de Sousa, o nosso Barão de Mauá.

            Sr. Presidente, como eu disse, venho do Estado de Mato Grosso, cuja economia é lastreada na produção, na agricultura, mas, infelizmente, pouco valor agregamos aos nossos produtos. Vários Estados do Brasil têm a mesma base econômica e também pouco agregam valor à sua indústria. Como eu disse aqui, além de não agregarmos valor, mesmo na simples exportação, estamos com dificuldades de competição, porque nossos concorrentes têm modais de transporte e formas muito mais eficazes para competir no cenário internacional.

            Então, Sr. Presidente, é um tema sobre o qual esta Casa deve se debruçar. Que o Governo possa também refletir sobre o fato de que não temos como avançar, de que não temos como melhorar índices de emprego, de que não temos como competir no cenário internacional se não olharmos atentamente para o tema de que tratamos aqui.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2015 - Página 48