Discurso durante a 15ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão especial destinada a debater a Reforma Política.

Autor
Walter Pinheiro (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Walter de Freitas Pinheiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Sessão especial destinada a debater a Reforma Política.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/2015 - Página 39
Assunto
Outros > SISTEMA POLITICO
Indexação
  • REGISTRO, DEBATE, REFORMA POLITICA, ENFASE, NORMAS, ORGANIZAÇÃO, PARTIDO POLITICO, NECESSIDADE, CRITERIOS, UTILIZAÇÃO, FUNDO PARTIDARIO, ARGUIÇÃO, EXIGENCIA, PRESENÇA, DIRETORIO PARTIDARIO, MAIORIA, ESTADOS, REGULAMENTAÇÃO, FINANCIAMENTO, PESSOA FISICA, CAMPANHA ELEITORAL, PROIBIÇÃO, REELEIÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ASSUNTO, COINCIDENCIA, ELEIÇÃO, PREFEITO, GOVERNADOR, DEFESA, MISTURA, VOTO DISTRITAL, LISTA DE ESCOLHA.

 O SR. WALTER PINHEIRO (PT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, quero fazer uma saudação aos membros convidados para este debate. Foram grandes contribuições que considero, inclusive, importantes, pela vivência desses - eu diria - lutadores da reforma política, que têm uma característica diferenciada da nossa, pois o debate deles se processa na academia, se processa na sociedade, se processa do ponto de vista, inclusive, do estudo, Prof. Murillo. Acho que é importante a contribuição de todos vocês.

 E também tínhamos na Mesa a contribuição de um membro do Poder Judiciário, o que é importante, até porque, nos últimos anos, a ausência, ou melhor - vou usar uma expressão até um pouco mais dura -, o vácuo deixado pelo Legislativo terminou sendo... Aliás, não existe vácuo, quando surge o vácuo, alguém vai e ocupa. Então, portanto, o Poder Judiciário fez isso ao longo dos anos, na medida em que houve essa ausência do Poder Legislativo em responder de forma contundente e apresentar propostas para esse drama.

 A reforma política não é, sem dúvida nenhuma, a chamada reforma das reformas, a coisa mais importante, mas, na minha opinião, ela é orientadora, é fundamental, até porque, aqui no Parlamento, se processam as outras reformas. Ora, se este Parlamento é constituído com anomalias, a tendência natural é de que as outras reformas sofram anomalias, a partir inclusive da própria representação.

 E o primeiro ponto que quero abordar e que acho importante nesse aspecto é exatamente a organização partidária. Continuo ainda convencido de que, para um passo significativo em relação à reforma política, temos que botar o dedo na ferida na questão das organizações partidárias.

 Não sou partidário, ou melhor, não sou daqueles que dizem que o Brasil tem partidos demais. Isso é bobagem! O problema está exatamente na regra para a existência desses partidos, como esses partidos são criados, como esses partidos funcionam e quais os papéis que esses partidos jogam na sociedade. Na medida em que nosso modelo permite a criação de partido exclusivamente para um processo de trocas e barganhas no período eleitoral, não há nenhuma contribuição para o processo político.

 Portanto, o primeiro passo para uma boa reforma política é estabelecermos exatamente regras, não tramelas nem tampouco proibições, mas regras claras que levem a organizações partidárias fortes, consolidadas e enraizadas na sociedade. Partido, meu caro Murillo, onde quem manda é a ata; o sujeito bota embaixo do braço, e ele determina. Partidos que não constituem, enquanto diretórios, exatamente para permitir que seu presidente possa destituir um dirigente num menor Município ou num maior Município da Federação. Portanto, partidos que passam a ter o controle, partidos que têm dono. Volto a dizer: isso vai produzir anomalias no processo de formação aqui na Casa. É lógico! Esses partidos vão se apresentar para o processo eleitoral, e, consequentemente, nós vamos ter as distorções. Então, se o partido não tem essa capacidade, inclusive, de agir para que, de forma democrática, de forma clara, as representações, ou seja, os segmentos possam aqui estar, é óbvio que nós vamos ter, aqui, algo completamente desregrado e descompensado do ponto de vista da representação. Então, esse é o primeiro aspecto.

 Apresentei uma emenda à Constituição onde eu trato, exatamente, a questão que tem a ver com o fundo partidário, que tem a ver com o financiamento de campanha e que tem a ver com a existência de partidos. Ora, partidos que são constituídos, que não têm um voto, que não elegem um Parlamentar - têm voto, mas não conseguem eleger um Parlamentar - continuam recebendo o fundo partidário. Consequentemente, a existência desses partidos termina, de certa forma, só e somente só, favorecendo o dono do partido. Alguém que termina com o fundo partidário, transformando aquilo em renda pessoal. Portanto, o partido vira um negócio, e não uma instituição partidária para interferir no processo eleitoral de forma democrática e para construir, na estrutura política, oportunidades, programas e projetos.

 Este é o primeiro aspecto que a gente tem que resolver: o da organização partidária. Quando todo mundo diz aqui: “Ah, se a gente votar a questão do financiamento de campanha está resolvido?” Não! Não! Na minha opinião, não! Nós vamos continuar com partidos recebendo o fundo? Partidos que não elegem ninguém? Partidos que são verdadeiros cartórios? Não adianta nada! Não adianta você resolver o problema do financiamento porque, de certa forma, o outro financiamento, que é o fundo partidário, continua alimentando essa anomalia. E, aí, esses partidos vão para a negociação de tempo, vão para a negociação da própria coligação proporcional.

 Então, este é o primeiro aspecto, meu caro Paulo Paim, que nós temos que resolver: as organizações partidárias.

 Não precisamos dizer como é que cada partido se organiza lá dentro; lá dentro, é problema de cada um, mas você tem que ter uma regra geral, algo que balize, um conjunto de diretrizes, e esses partidos se organizem.

 Uma das propostas, Senador Renan, que eu estou colocando é de que um partido, para continuar existindo, tem que ter diretórios constituídos em mais de 50%, 50% mais um, dos Estados brasileiros, constituídos com diretórios locais, para acabar a figura do dono do partido. Porque, ali, Paulo Paim, o sujeito chega lá e diz assim: “Ó, eu quero botar lista.” Mas lista como? Um partido, tendo dono, vai funcionar a lista do dono do partido. Um partido que alguém chega lá na ponta e diz assim: “Ó, sinto muito, mas eu estou tomando o partido de sua mão e estou passando para outrem.” Isso não é instituição partidária, isso é balcão. Portanto, isso é comércio; não é organização partidária. Então, não tem como. Nós vamos falar de reforma política de conteúdo quando a peça principal que opera o conteúdo está completamente apodrecida, que são as organizações partidárias.

 Portanto, esse é o primeiro ponto, na minha opinião.

 Quem vai tocar a política? Ah, nós vamos aprovar, por acaso, aqui, candidaturas avulsas, na reforma política? Não. Não acredito que isso passe. Então, nós vamos continuar tendo partidos.

 Então, se não organizar isso, não adianta, Senador Pimentel, regrar os outros passos enquanto a ferramenta, o principal instrumento de condução na política continua apodrecido. Esse é o primeiro aspecto da reforma política para o qual eu quero chamar a atenção.

 O segundo é exatamente essa questão da forma como há o financiamento das campanhas. A tese, inclusive, dos partidos - aí eu quero falar até do meu, para não falar dos outros -, do ponto de vista da igualdade, para quando chamava o financiamento público, era para dizer que era para dar condições iguais a todos e quaisquer candidatos. Ora, mas aí, meu caro, se você permite que alguém tenha condição de captar mais do que outrem, que alguém possa ter acesso a financiamentos de campanha mais do que outrem, não há como você dizer que há igualdade na disputa.

 Então, aí, nós vamos ter, de novo, o problema central que é a anomalia na representação aqui na Casa. Os que acessam mais, os que têm condições vão continuar se elegendo, e, portanto, nós não vamos ter a representação.

 Eu me lembro - eu não era Parlamentar nessa época, mas frequentava muito o Congresso Nacional, até para fazer aqui a minha pressão enquanto pertencente tanto a movimento estudantil, e depois, ao movimento sindical - de que o velho Ulysses usava uma frase interessante. Certa época perguntaram a ele assim: “Mas aqui está muito ruim. O que que vai fazer, Deputado Ulysses Guimarães?”.E o sujeito perguntando e indagando sobre a questão da qualidade da representação, e, num dado momento, o Deputado Ulysses respondeu a esse outro Deputado, dizendo assim: “Você está achando que o Congresso está ruim? Espere o próximo.”

 Então, na realidade, a expectativa do próximo é sempre uma expectativa pior, fruto dessa desorganização, fruto da ausência dessa tão propalada por nós reforma.

 O segundo aspecto para o qual quero chamar a atenção é este: de uma vez por todas, é travar esse debate. Se o debate do financiamento é que resultou no processo de corrupção que muita gente levanta aqui, agora, então é regrar esse processo.

 Aí, tem gente que diz: “Ah, mas se a gente acabar com essa forma de financiamento, nós vamos ter caixa dois, vamos ter isso, vamos ter aquilo e aquilo outro.”, então, todas as vezes em que você quer apontar um caminho para o funcionamento, as pessoas entram com negativas e coisas que, na realidade, se processam no sistema atual.

 Assim, é fundamental estabelecermos qual é a linha que vai ser adotada sobre o fundo partidário, com dinheiro suficiente para que as organizações partidárias fortalecidas, enraizadas e organizadas possam, inclusive também através do fundo - portanto, com recurso público -, bancar as suas campanhas e abrir a perspectiva de outra forma de financiamento, ainda que não o dos chamados CNPJs, Paulo Paim, mas o financiamento de pessoa física, com a possibilidade efetiva de haver a contribuição e de promover a arrecadação.

 Aliás, vivemos esta experiência, recentemente, nas eleições nos Estados Unidos: as pessoas fazendo contribuições, Senador Renan, pela internet; cada um se identificando, tornando pública, ou seja, publicizando a sua participação no processo eleitoral, dizendo: “Olha, eu estou entrando com esta contribuição.”

 Então, usando a nova ferramenta do novo tempo é possível dizer: “Quem quiser contribuir com a campanha deste ou daquele partido, estão aqui os mecanismos abertos, públicos e completamente transparentes.”, permitindo-se ao cidadão olhar, fiscalizar e até participar do processo de contribuição para o financiamento de campanha, num passo significativo para se adotar uma linha de participação no financiamento de campanha. A terceira questão para a qual quero chamar a atenção tem a ver exatamente com um dos processos que nós introduzimos - aliás, nós não, porque eu votei contra - no processo eleitoral e que, como hoje chegamos à conclusão, não é uma boa coisa: o processo de reeleição. Ele não deu certo.

 A tese utilizada naquele período para se defender a reeleição era a de que nós tínhamos um tempo muito curto, e é verdade. Num mandato de quatro anos, Senador Renan, o governante participa de duas eleições: a eleição municipal, em que se elege o prefeito, e a eleição para governador. Portanto, são duas eleições que esse sujeito enfrenta, ou seja, são dois anos em que praticamente se paralisa a Administração Pública. Discutia-se na época a tese da reeleição, porque o sujeito teria mais tempo para administrar. Na realidade, ao que a gente assistiu? Há mais tempo para o cara se preocupar com a próxima eleição. O governante ganhou mais tempo para se preocupar mais com sua reeleição do que com a gestão. Ora, se a preocupação era relativa ao tempo, meu caro Senador Renan, nos oito anos, ele, na realidade, continua tendo os quatro anos na prática, porque, nos oito anos, há quatro eleições. Portanto, ele continua enfrentando as quatro eleições.

 Defendo o que acho que é importante: o fim da reeleição. E a gente, inclusive, deve aumentar o tempo do mandato para cinco anos. Ele tem quatro anos para, tranquilamente, promover sua gestão. No ano da eleição, corretamente, vigem as proibições introduzidas, inclusive, por leis aprovadas por nós, para não permitir o uso da máquina. Então, na realidade, ele teria isso, só que combinado com uma coisa que é importante. Acho que é importante combinar o fim da reeleição com as eleições coincidentes.

 Portanto, nós poderíamos aprovar um regime que nos permitisse uma gestão de cinco anos e, ao mesmo tempo, sem reeleição, com todos disputando a mesma eleição. Aí algumas pessoas dizem assim, Senador Renan: “Mas vai ser complicado votar em todo mundo”. Não é complicado coisa nenhuma! Esse teste já foi feito, a urna eletrônica passou na prova.

 Eu sempre faço a provocação aqui, Senador Paim, de que o sujeito que inventou a urna eletrônica teve a ideia de colocar o teclado da urna eletrônica igualzinho ao teclado do telefone público.

 É igualzinho! Onde há aquela teclazinha branca “confirma”, no telefone público há o asterisco e o jogo da velha. É igualzinho ao telefone público. Quem não tinha telefone no Brasil usava telefone público. Quem tinha telefone em casa também usava o mesmo teclado do telefone público. Por isso, a interação do eleitor com a urna eletrônica foi imediata. Ele se identificou facilmente. Em segundos, o sujeito consegue votar. É bobagem. Se fosse votar no papel, o sujeito teria de sair botando o número de muita gente e poderia se atrapalhar ou coisa parecida. Mas ali ele vai teclando, e dá até para ver a figura, o rosto do seu candidato. Não há nenhum problema.

 Então, seria importante que a gente pudesse combinar isto: fim da reeleição e eleições coincidentes. Para isso, na PEC que estamos apresentando, colocamos que a eleição de 2018 já incorporaria, inclusive, essa tese. Poder-se-ia, na eleição de 2018, introduzir exatamente o voto para mandatos de cinco anos com eleições coincidentes no ano de 2023 no País. Portanto, já caminharíamos com essas questões.

 Há outras regras que a gente coloca com relação a essa questão. Eu quero concluir, Senador Renan, e ficar nesses pontos.

 Acredito que voto distrital, se pudesse ser misto, seria importante. Concordo plenamente com o Senador Randolfe que o voto distrital puro e simples é muito complicado para um País com as dimensões do Brasil. Nós, efetivamente, vamos correr o risco de candidaturas muito localizadas, sem o debate nacional. E também é uma espécie de caminho para o fortalecimento de alguns coronéis locais. Portanto, acho que é extremamente perigoso o processo de introdução do voto distrital, assim como acho que o voto em lista, obrigatoriamente, poderia caminhar na direção de uma espécie de voto misto de lista e de candidato, exatamente para permitir que candidatos pudessem disputar dentro do partido essa questão.

 Acho que essas coisas são um complemento para um processo eleitoral. E, ao mesmo tempo, é importante firmarmos os pilares básicos. Quero voltar, encerrar e tocar exatamente nestes pilares básicos: organização partidária, financiamento de campanhas, fim da reeleição, eleições coincidentes.

 Portanto, na minha opinião, esses são os quatro pontos principais, para daí derivarmos.

 Se há partidos organizados, partidos agora enraizados, cada partido disputa sua eleição. A coligação proporcional é, na realidade, algo completamente esdrúxulo. Os partidos se juntam em uma eleição, por exemplo, para Deputado e, quando chegam aqui dentro, não há a menor hipótese de estarem juntos. A coalizão ou o acordo partidário é possível fazer em programa. Portanto, você o faz em campanhas majoritárias. Na proporcional, não! Cada um, exatamente na proporção, apresenta-se para ter o tamanho que efetivamente vai ter a sociedade. É por isso que é na proporção!

 Portanto, essas são coisas que podemos ajustar. Na medida em que esses quatro primeiros passos que relatei aqui forem consagrados, acredito que abriremos uma perspectiva positiva de resolver essa questão de uma vez por todas.

 Acho, Senador Renan, muito importante V. Exª abrir essa chamada comissão geral, como a gente costuma sempre batizar aqui, sobre esse tema, porque, todas as vezes que acaba uma eleição, ouvimos o choro de todo mundo: “Foi difícil!”; “não participo mais”; “se não houver reforma política, estou fora!”. E, na eleição seguinte, está todo mundo dentro. Na eleição seguinte, está todo mundo lá.

 Senadora Vanessa, agora, nós temos um tempo enorme entre a última eleição e a próxima. Portanto, façamos a reforma política, para eliminarmos esse choro que termina não resultando em absolutamente nada. Se não fizermos a reforma política, nós não daremos contribuições efetivas. E aí volto a insistir: não é só para organização partidária, não é para eleição de Parlamentar, não é para resolver o problema de quem quer que seja. Se não a fizermos, continuaremos, de forma negativa, contribuindo para o processo de representação nesta Casa e, consequentemente, não daremos bom andamento aos trabalhos no Congresso Nacional.

 Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/2015 - Página 39