Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a descrença da população em relação aos políticos do País e sobre a crise política brasileira; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL.:
  • Reflexões sobre a descrença da população em relação aos políticos do País e sobre a crise política brasileira; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2015 - Página 8
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL.
Indexação
  • CRITICA, SITUAÇÃO, POLITICA, MOTIVO, FALSIDADE, DISCURSO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESULTADO, FALTA, CONFIANÇA, PODERES CONSTITUCIONAIS, ENFASE, DESEQUILIBRIO, FISCAL, BAIXA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), GOVERNO FEDERAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, creio, Senador Viana, que o senhor vai perceber que faz sentido, quando digo que nós que fazemos política não devemos ter medo de sermos incompreendidos e de dizer o que pensamos, mesmo que a reação, lá fora, da população e dos amigos seja: “Caramba, que posição é essa, diferente daquela a que estou acostumado?” A gente não tem de ter medo disso. A gente não tem de ter medo de perder eleição. A gente não tem de ter medo nem de ser preso, porque, de repente, surge uma ditadura que manda a gente para a cadeia. A gente não tem de ter medo nem de ser morto.

            Agora, há uma coisa de que acho que político sério deve ter medo: é de que, daqui a 10, 20, 30, 50 anos, quando a história for escrita, digam que ele não estava à altura do momento que seu país vivia. Eu temo hoje, Senador Medeiros, que a história vá dizer isso de nós, se não conseguirmos, nos próximos meses, no máximo, fazer aquilo que o Brasil espera de nós.

            Este é o medo que deve estar dentro de cada um, que eu lamento que não esteja, o medo do que a história vai dizer: “Esses caras não estavam à altura do que a história exigia do País deles; receberam seus votos, foram escolhidos como líderes e não deram a resposta devida”.

            Eu temo muito hoje isso. E temo por quê? Primeiro, o Brasil está em transe. É triste que alguns não percebam que nós não estamos mais apenas numa crise, nós estamos num transe. Basta ver o noticiário.

            Basta ver o noticiário, quando fala, hoje de manhã, que jovens estudantes, que se acostumaram com a grande coisa nova neste País que é entrar na universidade e entrar, já que a estatal não é suficiente, nas particulares com financiamento, não sabem se vão ter o financiamento.

            Este País está em transe, porque, ontem ou anteontem, um aluno matou um professor por ter tirado uma nota baixa.

            Nós estamos em transe, porque as ruas estão paradas por manifestações: hoje da CUT e do MST; domingo, provavelmente, de manifestantes. As manifestações, que são uma maravilhosa atividade que a democracia permite, não deixam de manifestar um país em transe, porque, num país que está na sua plenitude da normalidade, você elege o candidato no dia da eleição e vai para casa esperar quatro anos depois. Hoje, o Brasil está angustiado e não quer esperar, vai para as ruas se manifestar.

            Nós estamos em transe, porque algumas dessas manifestações chegam até a falar em impeachment, que é algo que só deveria pensar num caso extremíssimo. Isso significa que as pessoas estão achando que chegamos a um caso extremo.

            Nós estamos em transe pelo descrédito geral que nós vemos das forças dirigentes deste País, começando com a Presidente da República, que fez um discurso preparado pelos marqueteiros e agora faz discursos preparados pelos ministros. Qualquer observador lúcido sabia que os discursos dos marqueteiros eram discursos mentirosos em relação à realidade do País. Qualquer um sabia que a Presidente teria de tomar essas medidas que está tomando - podendo ser em graus diferentes e com um tempo diferente, como eu vou falar no final, pois eu vou dedicar a maior parte à análise do ajuste -, mas ela disse uma coisa e faz outra. Criou uma posição tão grave que alguns chamam de - mais do que uma irresponsabilidade - uma mentira. Isso gerou um descrédito.

            Porém, não nos iludamos. Não se iludam os que fazem oposição, se acham que o descrédito é uma característica específica em relação à Presidente da República. O descrédito hoje cai sobre cada um de nós que tem mandato político e cai por uma razão muito simples: o noticiário que vemos dos escândalos por aí não atingem apenas aqueles cujos nomes aparecem, mas atingem a todos - aqueles cujos nomes aparecem e aqueles cujos nomes a população acha que não aparecem ainda, porque todos estamos sob suspeição. Todos estamos sob suspeição. Nós estamos sob suspeição pelo simples fato de termos sido eleitos por um sistema que tem um custo altíssimo de campanha e que tem financiamento de campanha feito privadamente, feito por empresas, gerando suspeição sob todos. Nós estamos em descrédito.

            E a Justiça? Também está sob descrédito. Não o sistema judiciário inteiro, mas, quando um juiz é pego usando o carro de um réu, quando um juiz é pego desviando dinheiro de um réu, quando a gente vê o Congresso acusando o Procurador-Geral de ter feito denúncias contra quem não devia e ter deixado de fazer contra quem devia, quando o Congresso verbaliza isso, isso gera um descrédito também.

            Nós estamos sob um profundo descrédito de todos os órgãos dirigentes deste País. E aí o País fica em transe, perplexo. Eu tenho dito que hoje ser lúcido é saber que se está perplexo. Ser lúcido hoje não é nem você saber para onde ir, mas é saber que está perdido, porque a maioria nem isso percebe. O grau de falta de lucidez é tão grande que as pessoas acham que estão sendo lúcidas quando não estão sendo.

            Nós estamos em um País em transe. Estamos em um País em transe, até quando observamos as manifestações desses dias, ontem e hoje, que são - parece - de apoio ao Governo, mas que carregam bandeiras contra as políticas do Governo!

            Estamos em transe, e nós não estamos à altura. Mas, pior do que estar em transe, o Brasil está em uma situação que beira o colapso. Se não fosse patriotismo, dava para dizer: o Brasil está quebrado.

            Vamos analisar onde é que isso aparece. Primeiro, aparece naquilo que é mais óbvio, que é a quebra fiscal do Brasil, tanto que precisa fazer cortes de 7 bilhões só na educação. Quando a gente chega ao ponto em casa de cortar o dinheiro que gasta com a educação do filho, é porque, de fato, está em uma situação pré-falimentar; senão, a gente não sacrifica o dinheiro que vai para a educação do filho. E o Brasil está sendo obrigado a sacrificar isso, em parte, pelos excessos de gastos do Governo do passado e, em parte, pela demora do Congresso em aprovar o Orçamento também. Nós temos uma parcela nisso aqui dentro.

            Nós estamos em uma situação de não pagar, e não é apenas isso, pois nós estamos em uma situação de não fazer os gastos necessários para manter este País funcionando para retomar o crescimento. Nós estamos sendo obrigados a fazer o que faz qualquer cidadão quando está em situação pré-falimentar, que é ir à busca do usureiro, daquele que empresta a um juro alto. É o que se está fazendo. A diferença é que nós País aumentamos os juros. O aumento dos juros pelo Banco Central é prova de uma situação pré-falimentar que exige tomar dinheiro emprestado além do normal para poder pagar as contas. É isso o que acontece com uma família quando vai à busca de um usurário que empresta a juros altos. É o que estamos fazendo no País, aumentando os juros.

            Nós estamos quebrados do ponto de vista da desindustrialização. Este era um País que evoluía industrialmente. A cada ano, a percentagem da indústria no PIB era maior do que no ano anterior. Este País começou com 100% da produção agrícola. Até os anos 30 do século XX, este País não produzia quase nada de indústria; éramos um País agrícola, exportador de minério, e importávamos tudo do exterior. A partir de 30, com a chamada Revolução de 30, começou a industrialização. E, aos pouquinhos, fomos aumentando a parcela do PIB de indústrias. Proporcionalmente, reduzia-se a parte do PIB de agricultura, o que significa um País moderno. Regredimos. A nossa participação industrial tem diminuído, porque este País hoje vive da importação dos bens industriais de outros países, que levam para lá os produtos agrícolas nossos. E a gente sabe que, em longo prazo, na competitividade, é a indústria que faz a dinâmica, não é a agricultura. A agricultura tem um limite, que é o tamanho do estômago das pessoas: você não come mais do que aquilo que é preciso.

            O Estado de Mato Grosso, Senador Medeiros, que tem sido um dos Estados mais dinâmicos do País, em longo prazo, não vai poder continuar crescendo tanto, porque surgirão outros países, outros Estados, inclusive, que produzirão a soja, e aí haverá estagnação, como houve com a borracha, quando foi levada de Belém, do Amazonas, do Acre, do Senador Viana, para a Malásia. Hoje, você começa a produzir soja em Moçambique, e a tendência é a de que isso seja mais eficiente, porque é mais perto do mercado.

            Agora, quem faz computador, quem faz remédios de última geração, quem faz equipamentos médicos não tem problema de demanda, porque, a cada seis meses, a gente tem de mudar o equipamento que usa. A dinâmica, por ela própria, graças à inovação, é moderna. Aqui, a cada tanto tempo, mudamos os computadores, mas a gente não aumenta a quantidade de cafezinho que toma só por que surgiu uma marca nova, até porque, se surge uma marca nova, a gente deixa de tomar a antiga.

            Pois bem, estamos nessa situação. A palavra “quebrado” é muito forte, mas é o que parece que está havendo na ciência e na tecnologia. Estamos ficando para trás dos outros países. Há 40 anos, este País tinha uma pesquisa espacial que estava no nível da pesquisa daqueles do chamado segundo time, dos que não eram União Soviética ou Estados Unidos. Hoje, nesses 40 anos, a China, que estava atrás de nós, conseguiu fazer um jipezinho que está andando na Lua. A Índia tem um circulando que já foi até Marte, sem passageiro, mas foi. O Paquistão está na nossa frente, a Coreia do Sul está na nossa frente, a Coreia do Norte está na nossa frente. Ficamos para trás.

            Ficamos para trás na indústria de remédios. Hoje, quase tudo que a gente compra é fabricado no Brasil, mas é criado fora. Este é um País quebrado do ponto de vista da criatividade da nossa indústria. O que a gente vê aqui foi feito no Brasil, mas foi inventado fora.

            Estamos quebrados na educação. Isso é óbvio! E muitos reagem, querendo dizer que estamos melhor hoje do que antes. Em educação, você não pode dizer se está melhor hoje do que antes comparando o hoje com o ontem. Você tem de dizer que está melhor comparando o que é necessário à educação hoje com o que a gente tem e o que era necessário à educação antes com o que a gente tinha. E a brecha, essa brecha está crescendo. Mesmo que a posição em que estamos melhore, a brecha cresce, porque as exigências crescem mais depressa, e os outros países avançam num ritmo próximo às novas exigências. Nós não fazemos isso.

            Estamos, sim - não é só culpa do Brasil -, quebrados ecologicamente, e a prova é a falta d’água. Estamos quebrados urbanamente, porque nossas cidades viraram “monstrópolis”, e não mais metrópolis. Nós vivemos em “monstrópolis”.

            Estamos quebrados moralmente com a corrupção, com a falta de cumprimento das normas, não só pelos governos, não só pelos políticos, porque esse é um processo que se generaliza entre todos nós.

            Eu diria até que estamos quebrados do ponto de vista mental. Nós perdemos a capacidade de criar, de inovar soluções, e não só técnicas.

            Pois bem, apesar de tudo isso, o Brasil tem jeito, o Brasil tem futuro, mas está sem rumo. Está sem rumo do ponto de vista de propostas, ou seja, há uma fraqueza intelectual, diferentemente de algumas décadas atrás em que havia discussão sobre socialismo, sobre capitalismo, sobre reformas de base, sobre conservacionismo.

            Hoje, a gente está sem propostas, a gente está sem lideranças. Quando digo que estamos sem lideranças, não quero jogar a culpa nos outros, não! Eu me incluo como um pedacinho dessa liderança que não está conseguindo exercer a liderança que tem a obrigação de exercer, porque prometeu na campanha que ia liderar o Brasil. Nós não o estamos liderando. Nós estamos indo a reboque, não a reboque dos outros, como alguns dizem, porque os outros estão melhores do que nós, mas a reboque de nós próprios, da realidade, da dinâmica das coisas, como quem está dentro de um carro que vai andando e não o controla, perde o rumo. Nós estamos sem rumos.

            Apesar disso, Senador Medeiros - eu já lhe concedo um aparte -, este País tem jeito. Este é um dos países que tem jeito no mundo. Pode parecer arrogância, mas há países que hoje não têm mais jeito. São países que hoje estão sem Estado, que vão ter de, em algum momento, ser adotados por outros países ou pelas Nações Unidas, porque não vão ter capacidade de aglutinar-se em uma sociedade só. Não vou citar nomes, porque ficaria uma posição arrogante de brasileiro.

            Nós não fazemos parte desse grupo de países que não têm jeito. Nós temos jeito. E aí é que vem o desafio: o que fazer? Que propostas? Para onde ir?

            Mas antes de falar sobre essa parte, o que farei no final da minha fala, passo a palavra ao Senador Medeiros, que me orgulha com seu aparte.

            O Sr. José Medeiros (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Cristovam, V. Exª tem sido aqui, no Brasil - nem digo nesta Casa, mas no Brasil -, a voz que clama no deserto, falando sobre essa saída, sobre como o Brasil tem jeito com a produção de conhecimento. Complementando o que V. Exª disse, nós já tivemos o ciclo do cacau, o ciclo do café, o ciclo da cana-de-açúcar, e, em todos esses segmentos, com relação a todos esses produtos, nós tivemos uma cidade como referência, como Olinda, no caso do açúcar, ou o vale de São Paulo, no caso do café. Hoje, esses locais são traços desse período na história. V. Exª citou o Estado de Mato Grosso. Mato Grosso, hoje, é cantado em verso e prosa como o maior produtor de grãos, como o Estado com o maior rebanho, como o maior, o maior, o maior. Eu me lembro de que V. Exª, quando esteve em Mato Grosso, disse justamente sobre essa produção, sobre esse ciclo e sobre como nós podíamos inverter isso. Inclusive, V. Exª - não sei se se recorda disto - disse o quanto de conhecimento é preciso ter para produzir uma tonelada de soja. Mas nós não estamos ganhando em cima desse conhecimento, porque nós compramos essa tecnologia de fora. Agora mesmo, nós estamos com a moeda em alta, e, com certeza, os produtores estão contentes, porque vão vender o produto na alta do dólar. Só que, ao mesmo tempo, eles estão tristes, porque vão comprar esses insumos, essas tecnologias, essa produção de conhecimento alheia para produzir essa tonelada de soja. É descomunal o preço desses produtos que vêm de fora! E aí vai o adubo, vai o veneno, vai tudo. Hoje, nós estamos participando, por exemplo, dos BRICS, composto por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul, mas, infelizmente - e aí isso deságua sempre no discurso que V. Exª tem colocado -, nós estamos na rabeira disso tudo em termos de produção de conhecimento, em termos de educação. A Índia, que V. Exª acabou de citar, presta, hoje, serviço para o mundo, faz a declaração de Imposto de Renda da maioria dos norte-americanos, faz a contabilidade de empresas, atende ao call center das seguradoras. E nós mal arranhamos o inglês. Nós estamos realmente em situação preocupante, porque estamos ficando para trás em tudo, até no debate político, como V. Exª colocou. As nossas lideranças estão se apequenando. Agora mesmo, recentemente, uma das maiores lideranças, uma pessoa que todos nós aqui admiramos, veio para o debate político e disse - esta foi a grande fala dele, para dizer da crise que estamos passando: “Vamos convocar o exército de Stédile.” Não sei se foi bravata ou não, mas isso surtiu efeito. Está aí uma polarização maluca! E precisamos avançar nesse debate, precisamos sair dessa linha em que a política ficou polarizada, em que se definem os dois debates. V. Exª falou que, antigamente, discutíamos se era conservador, se era liberal, se era socialista. O debate era mais amplo e mais rico. Agora, ficou definido entre Coxinha e Petralha. Nós precisamos avançar nisso. Não pode ser só contra Dilma ou a favor de Dilma. Nós precisamos discutir o País e os grandes debates nacionais. Fico muito contente em ouvir V. Exª, porque V. Exª engrandece o debate nesta Casa. Ao mesmo tempo, V. Exª afronta cada um com duras verdades. É difícil ouvir a verdade. O duro não é que falem mal da gente, mas é o fato de que, quando se fala, essa é uma verdade. V. Exª tem trazido a essa tribuna as verdades doídas que o Brasil precisa ouvir. Estamos chegando ao fundo do poço. Há aluno deixando professor paraplégico, atirando em professor, porque está com a nota baixa. Então, a crise é total, a crise é moral, a crise é familiar, a crise é educacional. E temos de aproveitar este momento de crise para crescermos, porque ficar menor não há como. Muito obrigado, Excelência.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu é que lhe agradeço, Senador. Quero dizer que fico muito contente de ter lembrado essa discussão que tivemos no Mato Grosso, essa conversa. Mato Grosso é um Estado que tem a chance de ter essa visão, fazendo a mudança de um Estado exportador de carne e de soja para um Estado exportador de chips, de inteligência, de conhecimento. O Pará e o Amazonas não tiveram isso, porque não havia essa perspectiva, não se sabia a ideia dos ciclos com clareza, nem havia ainda a alternativa da economia do conhecimento.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) -Mas, Senador, peço um pouco mais de tempo, até aproveitando a sexta-feira, para dizer que nós temos jeito. Nós temos jeito, porque temos três coisas fundamentais - e já disse de outras: temos recursos, temos democracia, temos criatividade. Temos recursos. Não somos um País sem recursos para alimentar no sentido amplo do que significa comida e saber a população brasileira. E é preciso alimentá-la não no sentido apenas da comida, mas dos consumos variados.

            Temos tamanho, temos dimensão, temos dimensão populacional, dimensão territorial. Nós temos recursos, não somos um País que cai na inviabilidade por falta de recursos. Temos democracia. Democracia é a ferramenta fundamental para reorientarmos o rumo quando o País entra em transe. Um país sem democracia, quando entra em transe, cai no abismo da ditadura, que põe uma ordem momentânea, mas que não constrói o futuro. Temos democracia.

            Temos criatividade política e demonstramos isso na maneira como saímos do regime militar. Esta geração, que, como eu digo, está deixando a ideia de não estar à altura, pegou ainda, quando jovem, a mudança do regime militar para a ditadura, sem traumas. Saímos da instabilidade das mais brutais do mundo, da instabilidade monetária, da instabilidade do ponto de vista da inflação. Tivemos e temos uma das piores histórias monetárias do mundo inteiro e saímos dela, criativamente, com o Plano Real.

            Pois bem, precisamos juntar esses recursos que temos com a democracia, que nos permite usar a criatividade que temos. E aí entra a parte final, Senador, que é um comentário sobre os ajustes.

            A culpa do momento financeiro que vivemos é do Governo da Presidente Dilma, que, não por falta de alertas aqui, fez uma política fiscal que não foi responsável, como, aliás, seu próprio Ministro Levy reconhece com outras palavras, a ponto de ter sua orelha puxada. A culpa é dos últimos quatro anos, não digo dos 12 anos, mas dos últimos quatro anos. Mas o problema é de todos nós. É um erro alguns dizerem que o problema é da Dilma. O problema não é da Dilma, o problema é do Brasil. Temos de ter essa perspectiva.

            Cada vez que me encontro num grupo de Senadores, Senador Jorge Viana, pergunto: como é que vocês acham que a gente pode ajudar o Brasil? Essa é a pergunta que a gente deveria fazer aqui todo dia. A pergunta não é como derrubar com o impeachment a Dilma, a pergunta não é como manter a Dilma impedindo manifestações, porque manifestação, como ela própria disse, é um direito, e o impeachment está previsto na Constituição, apesar de eu achar que é inoportuno o impeachment. Mas está lá, não é golpismo. Mas a pergunta não é impeachment, não é Dilma. É o Brasil e como ajudá-lo. Aí, não tem jeito. Quem quiser ajudar o Brasil vai ter que encarar a necessidade de ajustes, de ajustes fiscais, projetos de lei, porque quem vai mandar é a Presidente Dilma, porque ela é a Presidente. A gente vai ter que encarar. Encarar não significa se opor necessariamente e também, a meu ver, não é baixar a cabeça ao que vier de lá.

            Como é que eu vejo, Senador Jorge Viana? E esse é um convite para um diálogo. Vamos tentar conversar. Vamos conversar nós três, na segunda-feira, sobre como podemos participar para ajudar o Brasil nesse aspecto do ajuste.

            Eu vejo que nós temos que respeitar cinco pontos na hora de fazer o ajuste. Primeiro, ele tem que ser eficiente, tem que ter eficácia. Para isso, ele tem que ser capaz de dar um superávit que permita a retomada da credibilidade que o País perdeu, para que as coisas voltem a funcionar razoavelmente. Não será eficiente se o ajuste for só de brincadeira. Nós temos que nos sentar e discutir.

            De quantos bilhões nós precisamos, hoje, poupar, cortar, deixar de gastar, o que vai implicar sacrifícios em muitos setores? De quantos bilhões de reais nós precisamos para sair dessa situação de quebradeira fiscal em que nós entramos? Vamos fazer essas contas, mas não basta isso. É preciso que esses cortes carreguem com eles um grau de compromisso com a justiça.

            O corte linear, como foi proposto, não é justo. O corte de direitos trabalhistas sem sacrificar privilégios dos andares de cima da sociedade, mesmo que seja eficaz e eficiente, porque consegue juntar todo o dinheiro necessário, não é justo. Para ser justo, ele tem que pesar sobre toda a população, mas proporcionalmente ao que cada um tem. Aí é que estava o grande erro, o maior dos erros, o do reajuste da tabela do Imposto de Renda, porque ia sacrificar os da camada mais baixa. Alguns iam passar a pagar um imposto que não pagavam antes.

            A maneira como foi feita essa nova MP, que distribuiu de maneira diferente, aumentando para 6,5% os de baixo e para 4,5% os lá em cima, melhorou um pouco o grau de justiça, mas não é só uma questão de tabela de Imposto de Renda. É uma questão de saber onde a gente vai cortar e onde a gente não vai cortar. Vai cortar na saúde? Não. É injusto cortar na saúde, mas pode trazer mais eficiência para a maneira como se gasta o que se gasta hoje. Vamos tocar na ineficácia e na ineficiência do sistema.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Aí, a gente justifica gastar menos ou gastar o mesmo.

            Vamos ter que ter um debate sobre trazer justiça dentro dos pacotes fiscais. Paga a sociedade, mas paga proporcionalmente aos benefícios, aos privilégios que cada um tem.

            Falemos dos direitos trabalhistas. Alguns direitos têm que ser tocados. Realmente, alguns, até porque alguns ficam caducos. A sociedade muda ao longo das décadas. Mas é simples: vamos acrescentar novos direitos. Há direitos que não custam dinheiro e dos quais os trabalhadores precisam.

            A gente pode trazer o direito à redução da jornada de trabalho. A gente pode trazer o direito à licença formação, para que o trabalhador tenha um período, a cada tantos anos, para se reciclar, porque hoje as profissões mudam. Um pedreiro, cuja profissão é considerada uma das atividades com menor necessidade de formação, a cada ano já precisa de certa formação. Já não dá mais para haver um pedreiro que não saiba o que é ângulo reto, que não saiba trabalhar com estruturas metálicas. Vamos dar tempo a eles, para que eles aprendam como ser pedreiros contemporaneamente, com as técnicas do momento da vida dele. Esse é um novo direito.

            Nós precisamos fazer um ajuste fiscal eficiente e justo, mas mais do que isso: ele precisa ser estratégico. Não pode ser um ajuste que pense neste ano, esquecendo os outros. Há que saber onde é que, cortando, vai impedir o crescimento futuro, vai amarrar as exportações. Aí, coloco a educação. Estrategicamente - e há um pouco de justiça também -, é um equívoco cortar na educação hoje, porque vai pesar amanhã.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Vai trazer a ineficiência depois, e a ineficiência reduz o PIB; ao reduzir o PIB, reduz os impostos; e, ao reduzir os impostos, aumenta o buraco outra vez.

            Então, ele tem que ser eficiente, tem que ser justo, tem que ser estratégico, tem que levar em conta as consequências, amanhã, daqui a dez anos, dos cortes que fizermos hoje.

            Quarto, Senador Viana, ele tem que ser construído. Um ajuste só não é construído se for imposto ditatorialmente. Aí, rompe-se o grande recurso, que citei antes, da qualidade do Brasil, que é a democracia. Um ajuste imposto é um ajuste não democrático e não funcionará bem.

            Há duas maneiras de se fazer ditadura: uma, botando Parlamentares na cadeia; outra, comprando Parlamentares. O mensalão é um exercício de ditadura. Não é apenas imoral. É ditatorial. Os militares resolviam o problema dos Parlamentares cassando, prendendo e assustando. A gente não pode fazer mais isso. O que se tem feito? Comprado. Tem-se comprado com o mensalão ou com propina para financiar campanha. Não pode ser desse jeito!

            O ajuste tem que vir com um diálogo que permita construir, mostrando sua necessidade e eficiência, trazendo a justiça que ele carrega, mostrando a estratégia que está nele. Através desse diálogo, construiremos um ajuste aceito. Ele tem que ser aceito, que é outra maneira de dizer “construído”.

            Finalmente, ele tem que levar em conta uma variável sem a qual essa equação não fecha, sem a qual o que estou dizendo aqui é pura teoria, blá-blá-blá, boa intenção. Como casar tudo isso? Com o tempo, Senador Medeiros. Uma coisa é fazer um ajuste para um ano, ao longo de um ano. Outra é fazer um ajuste ao longo de cinco anos. Nós queremos o equilíbrio fiscal. Agora, uma coisa é dizer: “Vamos adquirir o equilíbrio neste ano”; outra: “Vamos adquirir o equilíbrio paulatinamente, ao longo de dois, três anos.”

            Um, que foi imposto pelo FMI durante alguns anos, nos anos 80, chamou-se de ajuste fiscal imediato por meio do choque. Esta expressão ficou muito em voga naquela época: choque fiscal. O choque fiscal pode até ser eficiente, do ponto de vista das finanças, mas ele não é justo, não é estratégico, não é construído.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - E, ao não ser construído, ele não tem legitimidade.

            E, sem legitimidade, ele tende a fracassar, porque as pessoas vão para a rua fazer manifestações com raiva das propostas, porque vão pedir impeachment da Presidente com raiva e, se isso acontecer, gera outro vetor do transe. O transe fica maior ainda. Mesmo que se supere o transe, depois de alguns meses, fica. Então, ele tem que ter legitimidade.

            Para ter legitimidade, Senador Viana, a Presidente precisa fazer, em primeiro lugar, um reconhecimento dos erros cometidos no primeiro Governo dela. Não fazer esse gesto de modéstia, impede a legitimidade necessária.

            Um outro presidente que não fosse fruto da reeleição chegaria com a legitimidade de não ter sido o responsável, não ter sido o culpado. Chegaria na lua de mel que caracteriza todo novo governo depois da eleição, mas o povo brasileiro escolheu reeleger, escolheu abolir a lua de mel de um novo casamento pela continuidade de um casamento de 12 anos. Escolheu não querer o novo que chegaria naquele momento, e eu insisto em dizer: novo fiscal. Não vou falar novo no resto, de propostas políticas, porque faz parte do mesmo bloco de visão do mundo o que é PSDB e PT, mas seria uma nova visão, diferente da responsável pelo que aconteceu.

            Nós, o povo brasileiro - não com o meu voto, é verdade -, no segundo turno, escolheu a continuidade. Então, é preciso que, nessa continuidade, se é preciso fazer ajustes e correções, diga-se a responsabilidade de quem mudou o rumo correto.

            A Presidente, para ter um pacote, um projeto, um ajuste legítimo, precisa reconhecer erros. E quem não comete erros? Nós erramos, inclusive com boas intenções, ao transformar a crise internacional em uma marolinha. Errou na dose. Ao errar na dose, gerou problema. E, agora, chegar para todos nós e dizer: “Nós precisamos resolver o problema que eu criei, mas, como Presidente, tenho que resolver, e só resolvo com todos vocês.” E chamar a oposição para conversar. Se a oposição não for, que aceite o ônus de não ter ido, porque o problema não é mais da Dilma, não é mais do PT. Criaram isso, mas o problema é de todos nós, o problema é do Brasil. E, nessa construção pelo diálogo, decidir em quanto tempo vamos equilibrar tudo.

            O choque, hoje, vai trazer problemas muito sérios.

            Não fazer o ajuste vai manter o País em transe.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O caminho é fazer o ajuste, levando em conta a eficiência, a justiça, a legitimidade, a estratégia, construindo, ao longo de um tempo - esta variável é fundamental: o tempo -, a volta do País à sua normalidade, fora do transe, fora da quebradeira, aproveitando tudo o que este País tem e que nos permite dar jeito.

            E concluo com o que comecei: dar jeito a ele se nós estivermos à altura dos desafios que o momento impõe aos políticos brasileiros. Aí, vem minha única dose de pessimismo, porque, quando eu falo em transe, quando eu falo em quebradeira, não estou sendo pessimista. Estou vendo as coisas, estou dizendo o que o povo vê. Não é pessimismo. Quando eu falo que tem jeito, é otimismo. Agora, quando eu digo que temo não estarmos à altura, é uma suspeita. Suspeita com base na observação do que está aí, mas uma suspeita que poderá ser superada se nós começarmos a nos encontrar.

            Já que temos aqui, Senador Viana, o senhor, o Senador Medeiros e eu, vamos começar nós três esse diálogo, em busca de tentar evitar que, daqui a 10, 20, 30, 50 anos, a história diga: “Aqueles caras não estavam à altura do momento que o Brasil atravessou”. E, aí, podemos ir até mais longe, talvez com excesso de otimismo: podemos aproveitar a crise para não apenas sairmos dela, mas para desviarmos em direção a um futuro diferente para o Brasil. O futuro de uma sociedade harmônica, com uma economia eficiente e convivência sustentável com a natureza que o Brasil tem. Aproveitar a crise para reorientar o futuro do Brasil, superar a crise mudando de rumo.

            Uma coisa é você vir em uma estrada e perceber um abismo no meio. Você faz uma ponte para o outro lado e continua no mesmo rumo. A outra é você chegar a uma estrada, ver o abismo, mas, se percebe que o caminho não estava bom, faz a ponte e muda de rumo, dobra uma esquina. Aí, sim, nós estaremos à altura do que a história exige de nós.

            Esse desafio imenso de construir a ponte para superar o transe e dobrar o rumo para construir o novo Brasil, eu sonho com ele. Acredito que ele é possível, se nós, os Líderes de hoje, estivermos à altura do desafio que a história está nos colocando.

            É isso, Senador Viana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2015 - Página 8