Discurso durante a 31ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de projeto de lei de autoria de S. Exª que determina o prazode vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa de projeto de lei de autoria de S. Exª que determina o prazode vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2015 - Página 360
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, OBRIGATORIEDADE, APRESENTAÇÃO, JUIZ, REU, PRISÃO PREVENTIVA, MOTIVO, FACILITAÇÃO, CORREÇÃO, ILEGALIDADE, PRISÃO, REDUÇÃO, EXCEDENTE, PESSOAS, PRESIDIO, REGISTRO, APOIO, MINISTERIO PUBLICO.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidenta Ana Amélia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, em 2011, eu apresentei o Projeto de Lei nº 554, de 2011, com o objetivo de determinar que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada ao juiz no prazo de 24 horas.

            Trata-se da chamada audiência de custódia, que vem adequar a nossa legislação ao que está estabelecido em tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

            É sobre essa proposta que eu gostaria de falar nesta oportunidade.

            A Constituição Federal já determina que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre sejam comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

            O Código de Processo Penal detalha esse procedimento, dizendo que o auto de prisão em flagrante será encaminhado ao juiz competente em até 24 horas após a realização da prisão para que o juiz analise a legalidade da prisão e a necessidade de impor uma prisão cautelar.

            Atualmente, portanto, o auto de prisão em flagrante que é enviado ao juiz, no prazo de 24 horas, não é a pessoa do preso que é apresentada ao juiz, como estamos propondo.

            A legislação em vigor não torna obrigatório o contato direto do juiz com o preso. De fato, o que ocorre com mais frequência é um verdadeiro absurdo. A pessoa presa só vem a ter contato com o juiz, pela primeira vez, meses ou anos após a sua prisão, geralmente no dia da audiência de instrução e julgamento. É um absurdo, como eu falei.

            O Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário, estabelece no art. 9º - abro aspas -:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. [Fecho aspas]

            Isso é o que diz o art. 9º do Pacto de Direitos Civis e Políticos, assinado pelo Brasil.

            Da mesma forma, nosso País é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica -, que traz igual determinação no item 5 do seu art. 7º.

            A prática mundial também segue nesse sentido. Na Argentina, por exemplo, o prazo é de apenas 6 horas após a prisão. No Chile, a lei exige o prazo de 12 horas para apresentação ao promotor, que poderá soltar o preso ou apresentá-lo ao juiz em 24 horas. No México, a apresentação ao promotor deve ser imediata e, ao juiz, em 48 horas. Na Colômbia, o prazo é de 36 horas. Na Espanha, Itália e Alemanha, o preso deve ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24 horas. Em Portugal, 48 horas. Na Argentina, 6 horas. Pasmem!

            Mas, além de cumprir com obrigações decorrentes de tratados internacionais, qual seria a razão prática para que o preso em flagrante seja apresentado pessoalmente ao juiz, no prazo que propomos de 24 horas?

            “A apresentação do preso perante o juiz no prazo de 24 horas torna mais célere o exame da necessidade da prisão e previne a tortura e outros tratamentos cruéis”. Quem faz essa afirmação é o Ministério Público Federal, em Nota Técnica Conjunta do último dia 26 de fevereiro, assinada por membros das Câmaras de Coordenação e Revisão responsáveis pela matéria criminal, pelo combate à corrupção e pelo controle externo da atividade policial e sistema prisional (7ª CCR).

            Nesse documento, o Ministério Público Federal reconhece a relevância desse projeto e vê muitas vantagens na audiência de custódia. Esse instrumento processual facilitará a correção de ilegalidades e a identificação imediata de abusos que possam ter sido praticados.

            Ele também deve causar um decréscimo no número de prisões arbitrárias e atuar contra um dos maiores problemas do sistema carcerário brasileiro, que é a superlotação e a grande quantidade de presos provisórios de longa duração. Apenas as prisões realmente necessárias - essas, sim - deverão ser mantidas, conforme a determinação do juiz.

            Diz a nota do Ministério Público Federal que a audiência de custódia... - abro aspas -:

... serve a propósitos processuais, humanitários e de defesa de direitos fundamentais inerentes do devido processo legal. Torna mais célere o exame da validade e da necessidade da prisão e previne o emprego de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes sobre a pessoa humana. [Fecho aspas.]

            Na audiência de custódia, o juiz verificará as condições físicas e psicológicas do preso, analisará os motivos da prisão, permitirá a assistência de um advogado, ouvirá o Ministério Público quanto à adoção da medida adequada e decidirá se mantém a pessoa presa ou aplica outra medida cautelar, como fiança, restrições de direitos, monitoramento eletrônico, etc.

            Concedo um aparte, com muito prazer, ao eminente Senador Aloysio Nunes, que é membro da Comissão de Justiça e atual Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Prezado Senador Valadares, acompanhei a apresentação do seu projeto e tenho por ele um enorme entusiasmo. Já passou da hora de aprovarmos um projeto com esse teor. É um projeto que, por todas as razões que V. Exª acaba de enumerar, e também pelo fato de a adoção da regra que V. Exª preconiza fazer diminuir drasticamente o número de presos provisórios - presos provisórios que se eternizam na provisoriedade, congestionando estabelecimentos penais -, resguarda o preso, resguarda a dignidade do preso, resguarda seu direito à integridade física, permite ao juiz formar a sua opinião...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Oposição/PSDB - SP) - ... sobre a necessidade ou não da manutenção da custódia, enfim, todos os argumentos que V. Exª elencou. Eu tenho notícia de que é um projeto apresentado já há um bom tempo.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - 2011!

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco Oposição/PSDB - SP) - 2011. Nós estamos em 2015, e eu sei que V. Exª tem lutado para que ele seja apreciado no Senado, que venha ao plenário. Se não vier ao plenário, na Comissão de Justiça, que pode examiná-lo em caráter terminativo. Então, eu quero me solidarizar com V. Exª e me somar na sua luta para que ele seja, nesta legislatura, efetivamente pautado, deliberado porque é um projeto que deveria, como disse, ter sido aprovado ontem.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Então vamos trabalhar juntos para a sua aprovação na CCJ em primeiro lugar.

            Segundo o Ministro do Superior Tribunal Militar, José Barroso Filho, que já foi Juiz de Direito, em Minas Gerais e Pernambuco, além de Promotor de Justiça, a ausência de custódia, segundo ele, pode evitar novos “amarildos”. Ele se refere, evidentemente, ao caso de Amarildo Dias de Souza, que ficou conhecido nacionalmente por conta do seu desaparecimento em julho de 2013,...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... após ter sido detido por policias militares e conduzido da porta de sua casa na Rocinha, no Rio de Janeiro.

            É verdade que a implementação da audiência de custódia enfrenta algumas resistências e vou mencioná-las. Algumas entidades formalizaram suas manifestações, levantando basicamente os seguintes argumentos: primeiro, a insuficiência material orçamentária e humana dos órgãos judiciários da Polícia e do Ministério Público para a demanda do trabalho que a proposta criaria; segundo, o risco de o preso imputar ao policial, falsamente, o crime de tortura para forçar o Juiz a colocá-lo em liberdade; terceiro, a legislação em vigor já contemplaria de forma satisfatória os pactos internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

            Entendo que esses argumentos são legítimos, importantes, mas eles não inviabilizam o projeto.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Srª Presidente, já estou praticamente encerrando. Gostaria de ter a tolerância de V. Exª.

            As questões levantadas podem ser resolvidas durante a tramitação desse projeto. Na base do diálogo e do entendimento, tenho certeza de que esta Casa, bem como todas as instituições interessadas irão se convencer da necessidade e da viabilidade da audiência de custódia.

            Além do Ministério Publico Federal, a que já me referi, há diversas outras instituições, que consideram importante a aprovação desse projeto, que é o Projeto de Lei nº 554, de 2011.

            A Associação Juízes para a Democracia (AJD), o Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (Condege) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) já se manifestaram oficialmente, Senador Aloysio, perante o Presidente desta Casa, em apoio ao PLS nº 554.

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Muitas organizações sem fins lucrativos de reconhecida atuação na área penal e penitenciária vêm também apoiando a proposta, como a Pastoral Carcerária, o Instituto Sou da Paz, a Justiça Global, a Conectas Direitos Humanos, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.

            Eu não poderia deixar de lembrar, Srª Presidenta, que, em agosto do ano passado, estiveram presentes nesta Casa, em audiência com o Presidente Renan, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti; representantes da ONG internacional Human Rights Watch; o Relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Humberto Costa; o Diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Renato Campos Pinto De Vitto; e o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio, todos pedindo, Srª Presidente...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ...a votação desse projeto, para que se desse celeridade ao debate nesta Casa.

            Quero lembrar que esse projeto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos e pela Comissão de Direitos Humanos na forma de substitutivo, que ampliou e fortaleceu a proposta inicial.

            Já estão em curso pelo País diversas iniciativas que buscam efetivar a implementação da audiência de custódia em 24 horas. O Senado Federal não pode esquivar-se do assunto. Vou exemplificar algumas dessas iniciativas, para finalizar, Srª Presidente. Agora estou finalizando.

            Em São Paulo, está em curso uma experiência conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça, em conjunto com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e com o Ministério da Justiça, com a participação da OAB de São Paulo. Trata-se de um projeto piloto de audiência de custódia, lançado em fevereiro deste ano, para ser implantado inicialmente no Fórum Criminal da Barra Funda, na cidade de São Paulo, e para, gradativamente, ampliar-se para diversos distritos policiais e para juízos competentes.

            No Rio de Janeiro, no mês de janeiro, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça determinou, em decisão inédita, a soltura de um homem por ele não ter sido submetido à audiência de custódia. O Tribunal interpretou, no caso, que o prazo de 24 horas é consentâneo com os textos dos tratados internacionais.

            Para não aborrecer a Presidência, ainda que faltem duas páginas...

(Soa a campainha.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ...tendo em vista que outros oradores estão inscritos, eu encerro, dizendo que entendo que a resistência de alguns a esse projeto traz argumentos legítimos, que devem ser considerados, mas que não poderão levar à rejeição dessa proposta. O diálogo nos permitirá avançar. Afinal, o debate é da essência da democracia. Por esse caminho, poderemos construir uma grande convergência pela aprovação do projeto.

            Os especialistas, Srª Presidente, apontam que deve mudar a realidade das prisões preventivas no País. Hoje, temos 580 mil presos no Brasil, dos quais cerca de 40%, ou seja, 232 mil pessoas, estão presos provisoriamente, sem uma decisão. Isto é, o juiz terá capacidade suficiente, se dermos a estrutura para tanto, de implementar, sem dúvida alguma, em todo o Brasil, as disposições contidas nesse projeto, inclusive a audiência de custódia.

            Agradeço a V. Exª.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Cumprimento o Senador Antonio Carlos Valadares.

            Esta é também uma de suas áreas de especialidade, pelo grande conhecimento no Direito e nos direitos humanos, as duas coisas juntas, Senador Valadares.

            Está inscrito agora um orador para falar pela Liderança, o Senador Capiberibe. Se S. Exª não estiver presente, falará, então, o Senador Aloysio Nunes Ferreira, pela Liderança do PSDB.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Srª Presidente, peço a V. Exª a inscrição nos Anais de todo o projeto, integralmente. Obrigado.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, em 2011, apresentei um projeto de lei - o PLS nº 554, de 2011 - com o objetivo de determinar que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada ao juiz, no prazo de 24 horas. Trata-se da chamada “audiência de custódia”, que vem adequar nossa legislação ao que está estabelecido em tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil. É sobre essa proposta que eu gostaria de falar, nesta oportunidade.

            A Constituição Federal já determina que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre sejam comunicados, imediatamente, ao juiz competente e à família do preso, ou à pessoa por ele indicada. O Código de Processo Penal detalha esse procedimento, dizendo que o auto de prisão em flagrante será encaminhado ao juiz competente, em até 24 horas após a realização da prisão, para que o juiz analise a legalidade da prisão e a necessidade de impor uma prisão cautelar.

            Atualmente, portanto, é o auto de prisão em flagrante que é enviado ao juiz no prazo de 24 horas. Não é a pessoa do preso que é apresentada ao juiz, como estamos propondo.

            A legislação em vigor não torna obrigatório o contato direto do juiz com o preso. De fato, o que ocorre com mais frequência é um verdadeiro absurdo! - a pessoa presa só vem a ter contato com o juiz, pela primeira vez, meses ou anos após sua prisão, geralmente no dia da audiência de instrução e julgamento.

            O Pacto de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário, estabelece no artigo 9º que:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.

            Da mesma forma, nosso País é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que traz igual determinação no item 5 do seu artigo 7º.

            A prática mundial também segue nesse sentido. Na Argentina, o prazo é de 6 horas após a prisão. No Chile, a lei exige o prazo de 12 horas para apresentação ao promotor, que poderá soltar o preso ou apresentá-lo ao juiz em 24 horas. No México, a apresentação ao promotor deve ser imediata e, ao juiz, em 48 horas. Na Colômbia, o prazo é de 36 horas. Na Espanha, Itália e Alemanha, o preso deve ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24 horas. Em Portugal, 48 horas.

            Mas, além de cumprir com obrigações decorrentes de tratados internacionais, qual seria a razão prática para que o preso em flagrante seja apresentado pessoalmente ao juiz, no prazo que propomos, de 24 horas?

            A apresentação do preso perante o juiz no prazo de 24 horas torna mais célere o exame da necessidade da prisão e previne a tortura e outros tratamentos cruéis”: quem faz essa afirmação é o Ministério Público Federal, em Nota Técnica Conjunta do último dia 26 de fevereiro, assinada por membros das Câmaras de Coordenação e Revisão responsáveis pela matéria criminal (2ª CCR), pelo combate à corrupção (5ª CCR) e pelo controle externo da atividade policial e sistema prisional (7ª CCR).

            Nesse documento, o Ministério Público Federal reconhece a relevância do projeto e vê muitas vantagens na audiência de custódia. Esse instrumento processual facilitará a correção de ilegalidades e a identificação imediata de abusos que puderem ter sido praticados. Ele também deve causar um decréscimo no número de prisões arbitrárias e atuar contra um dos maiores problemas do sistema carcerário brasileiro, que é a superlotação e a grande quantidade de presos provisórios de longa duração. Apenas as prisões realmente necessárias - essas sim - deverão ser mantidas, conforme a determinação do juiz.

            Diz a nota do MPF que a audiência de custódia

serve a propósitos processuais, humanitários e de defesa de direitos fundamentais inerentes do devido processo legal. Torna mais célere o exame da validade e da necessidade da prisão e previne o emprego de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes sobre a pessoa humana.

            Na audiência de custódia, o juiz verificará as condições físicas e psicológicas do preso, analisará os motivos da prisão, permitirá a assistência de um advogado, ouvirá o Ministério Público quanto à adoção da medida adequada e decidirá se mantém a pessoa presa ou aplica outra medida cautelar, como fiança, restrições de direitos, monitoramento eletrônico, etc.

            Segundo o Ministro do Superior Tribunal Militar (STM), José Barroso Filho, que já foi Juiz de Direito em Minas Gerais e Pernambuco, além de Promotor de Justiça, a audiência de custódia “pode evitar novos Amarildos”. Ele se refere, evidentemente, ao caso de Amarildo Dias de Souza, que ficou conhecido nacionalmente por conta de seu desaparecimento, em julho de 2013, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Rocinha, Rio de Janeiro.

            É verdade que a implementação da audiência de custódia enfrenta algumas resistências e vou mencioná-las. Algumas entidades formalizaram suas manifestações, levantando, basicamente, os seguintes argumentos: (i) a insuficiência material, orçamentária e humana dos órgãos judiciários, da polícia e do Ministério Público para a demanda de trabalho que a proposta criaria; (ii) o risco de o preso imputar ao policial, falsamente, o crime de tortura, para forçar o juiz a colocá-lo em liberdade; (iii) a legislação em vigor já contemplaria satisfatoriamente os pactos internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

            Entendo que esses argumentos são legítimos e importantes, mas eles não inviabilizam o projeto. As questões levantadas podem ser resolvidas durante a tramitação do projeto. Na base do diálogo e do entendimento, tenho certeza de que esta Casa, bem como todas as instituições interessadas, irão se convencer da necessidade e da viabilidade da audiência de custódia.

            Além do Ministério Público Federal, a que já me referi, há diversas outras instituições que consideram importante a aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 554, de 2011. A Associação Juízes para a Democracia, o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) já se manifestaram oficialmente, perante o Presidente Renan Calheiros e esta Casa, em apoio ao PLS 554, de 2011.

            Muitas organizações sem fins lucrativos, de reconhecida atuação na área penal e penitenciária, vêm apoiando a proposta da audiência de custódia, como Pastoral Carcerária, Instituto Sou da Paz, Justiça Global, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).

            Eu não poderia deixar de lembrar que, em agosto do ano passado, estiveram presentes nesta Casa, em audiência com o Presidente Renan Calheiros, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti; representantes da ONG Internacional Human Rigths Watch, o relator do projeto Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senador Humberto Costa (PT-CE); o Diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Renato Campos Pinto de Vito; e o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio, pedindo apoio do Presidente para dar celeridade à tramitação do projeto.

            Quero lembrar que o PLS 554, de 2011, já foi aprovado pela Comissão de Assuntos e Econômicos (CAE) e pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na forma de substitutivo que ampliou e fortaleceu a proposta inicial.

            Sr. Presidente, já estão em curso, pelo País, diversas iniciativas que buscam efetivar a implementação da audiência de custódia. O Senado Federal não pode se esquivar do assunto e deixar de apreciar a matéria. O assunto demanda, sobretudo, a inovação legislativa que propomos, sob o risco de ficarmos, mais uma vez, a reboque do Poder Judiciário.

            Vou exemplificar algumas dessas iniciativas, para finalizar.

            Em São Paulo, está em curso uma experiência conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em conjunto com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça, com participação da OAB-SP. Trata-se de um projeto-piloto da audiência de custódia, lançado em fevereiro deste ano, para ser implantado, inicialmente, no Fórum Criminal da Barra Funda, na cidade de São Paulo e, gradativamente, ampliar-se para os diversos distritos policiais e juízos competentes, conforme cronograma da Corregedoria da Justiça.

            No Rio de Janeiro, no mês de janeiro, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça determinou, em decisão inédita, a soltura de um homem por ele não ter sido submetido à audiência de custódia. O Tribunal interpretou, no caso, que o prazo de 24 horas é consentâneo com os textos dos tratados internacionais.

            Na semana passada, o site “Consultor Jurídico” noticiou que a desembargadora federal Mônica Sifuentes, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que tem sede em Brasília, determinou que um juiz do Mato Grosso promovesse a audiência de custódia de dois homens, presos em flagrante, sob a suspeita de roubarem uma agência dos Correios. Vale dizer que a Desembargadora manteve a prisão preventiva decretada em primeira instância. É uma demonstração de que a audiência de custódia não significa uma soltura generalizada de pessoas presas. Ao contrário, significa a aplicação rigorosa das medidas cautelares.

            Ao menos duas ações civis públicas já foram propostas no intuito de obrigar a União a implantar a audiência de custódia. Uma, pelo Ministério Público Federal; outra, pela Defensoria Pública da União.

            Todas essas experiências demonstram a necessidade premente de disciplinarmos, em lei, a audiência de custódia. É esse nosso objetivo com o Projeto de Lei do Senado nº 554, de 2011.

            Os especialistas apontam que ele deve mudar a realidade das prisões preventivas no País. Hoje, temos 580 mil pessoas presas no Brasil. Cerca de 40% delas, ou seja, 232 mil pessoas, estão presas provisoriamente. Não resta dúvida de que, para uma boa parte delas, caberia a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, sem prejuízo do desenrolar do processo penal e, até, da condenação final. Todos acompanharam as imagens das rebeliões ocorridas no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, no ano passado. Não preciso ilustrar o drama da situação carcerária brasileira para comprovar a importância dessa questão.

            Entendo que a resistência de alguns a esse projeto traz argumentos legítimos, que devem ser considerados; mas não poderão levar à rejeição dessa proposta. O diálogo nos permitirá avançar. Afinal, o debate é da essência da democracia. Por esse caminho, poderemos construir uma grande convergência pela aprovação do projeto. Afinal, é de interesse de todos os direitos sejam preservados e que a Constituição Federal seja cumprida. Não custa lembrar que a democracia possui uma dimensão substantiva, que significa a preservação de valores e direitos fundamentais.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2015 - Página 360